O Globo
A Lei Magnitsky foi o caminho encontrado pelo
legislador dos Estados Unidos para perseguir a bandidagem internacional
O objetivo da Lei Magnitsky, aprovada no
Congresso americano em 2012, é apanhar criminosos e ditadores. Sim, é o resumo
de uma situação complexa, mas esse é o espírito da regra: bloquear a lavagem de
dinheiro obtido de maneira ilegal por traficantes, corruptos, ditadores e seus
associados, que enriquecem saqueando seus próprios países e cometendo graves
violações de direitos humanos.
Promulgada pelo presidente Barack Obama, a lei fazia parte de um esforço para combater crimes internacionais pela maneira mais eficaz — o bloqueio do dinheiro sujo e das manobras para torná-lo limpo. O traficante de drogas em algum momento precisa colocar seus recursos no sistema financeiro legal. Considerando o grau de globalização das finanças, fica difícil para as autoridades “seguir o dinheiro” mundo afora. Assim, o dinheiro do traficante colombiano, obtido na venda de cocaína nos Estados Unidos, circulava por bancos de diversos países.
O dinheiro sonegado nos Estados Unidos
também. O dinheiro roubado por ditadores ou mesmo por governantes eleitos — em
obras superfaturadas — também precisava ser lavado no sistema financeiro
global. Lembram-se da Lava-Jato? Lembram-se de como corruptos tinham dinheiro
escondido em outros países, desde a conservadora Suíça até os conhecidos
paraísos fiscais?
A Lei Magnitsky foi o caminho encontrado pelo
legislador dos Estados Unidos para perseguir a bandidagem internacional em sua
passagem por instituições americanas ou ligadas a elas. Trata-se, portanto, de
legislação nacional. Mas de alcance global, uma vez que quase tudo passa pelo
sistema financeiro americano e pelo dólar.
O modo prático: definir uma lista de pessoas,
empresas e governos com que as instituições americanas não podem ter relações
comerciais. Essa é a tal lista do Escritório de Controle de Ativos Externos do
Departamento do Tesouro americano. Relaciona os “sancionados”, que não podem
fazer negócios nos Estados Unidos. O ditador Maduro, por exemplo, não pode
comprar jatinho nos Estados Unidos nem depositar dinheiro em banco americano. A
instituição que fizer o negócio está sujeita a penalidades que começam com
multas e vão até o congelamento e confisco de ativos. Tudo dentro dos Estados
Unidos.
Como isso chega a outros países? Pela figura
do “facilitador”. Se uma empresa americana oferece um cartão de crédito a
alguém sujeito a sanção, de qualquer país, entende-se que ela facilita negócios
daquela pessoa. A punição é sempre na empresa instalada nos Estados Unidos. Por
isso, não faz sentido dizer que os bancos brasileiros não podem seguir
automaticamente uma legislação estrangeira. É óbvio. Eles seguem a lei
brasileira.
Mas, se o banco tem filiais ou faz negócios
nos Estados Unidos, essas atividades estão submetidas às leis de lá. Por isso
um banco brasileiro não pode fornecer cartão de crédito de bandeira americana a
um cliente brasileiro. Quer dizer, até pode, mas, pela legislação americana,
cai na figura de facilitador, submetido a punições nos Estados Unidos. Todos os
grandes bancos brasileiros têm filiais, instituições associadas e fazem
negócios no sistema financeiro americano. Portanto, podem ser alvos, lá, da Lei
Magnitsky. Essa é a situação.
Por aí se conclui como é totalmente absurda a
colocação do ministro Alexandre de Moraes na lista dos alvos de sanção. Há,
pelos relatos, cerca de cem brasileiros nessa relação. São bandidos,
traficantes, ladrões. Um dos autores da Lei Magnitsky, o deputado democrata Jim
McGovern, considerou “vergonhosa” a imposição de sanções a Moraes, “de maneira
contrária ao propósito” da norma. É o resultado dessa combinação
Trump/Bolsonaro.
Mas, por mais absurda que seja a situação, há
aí um enorme problema para os bancos brasileiros. Agravado por outro fato: o
governo brasileiro não tem qualquer interlocução com a Casa Branca. Por isso os
bancos, como as empresas afetadas pelo tarifaço, tentam negociar diretamente em
Washington. E torcem para que não haja uma escalada nas relações entre os dois
governos.
Não se pode esperar bom senso de Trump, muito
menos de Bolsonaro. Que haja pelo menos por aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário