segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Uma sociedade desconfiada das instituições, por Laís de Figueirêdo Lopes

O Globo

A desconfiança compromete a legitimidade das decisões, dificulta a implementação de políticas públicas e fragiliza a coesão social

Poucos sinais são tão reveladores do status de uma democracia quanto o nível de confiança que une (ou separa) cidadãos e instituições. Quando esse elo se fragiliza, a vida pública se torna um terreno instável, onde o dissenso perde a mediação, e o conflito se instala como regra. A cooperação enfraquece, e o debate se empobrece, assim como a capacidade de resolução coletiva dos problemas.

Isso vem se aprofundando no Brasil. A sensação de distanciamento entre instituições e sociedade se consolidou como sentimento em diferentes grupos. Há algo mais estrutural em curso: a corrosão de um pacto coletivo baseado na legitimidade das instituições e no reconhecimento mútuo das competências dos três Poderes.

O levantamento mais recente Ipsos/Ipec, que mede o Índice de Confiança Social de 2025 em relação a 2024, corrobora essa percepção. Ainda que muitas variações estejam dentro da margem de erro, o dado mais expressivo é o padrão geral: todos os 20 segmentos avaliados apresentaram queda de credibilidade: Forças Armadas, meios de comunicação, Congresso Nacional, organizações da sociedade civil, igrejas e até o Corpo de Bombeiros registraram retração.

A crise de confiança afeta a percepção sobre o funcionamento do Estado. O que está em xeque é a própria capacidade do país de se reconhecer em suas instituições. Perdem-se, assim, os alicerces da vida democrática. A desconfiança compromete a legitimidade das decisões, dificulta a implementação de políticas públicas e fragiliza a coesão social. O espaço para negociação cede lugar à imposição; a escuta dá lugar à acusação.

As razões para esse cenário são múltiplas. O desgaste das formas tradicionais de representação, a fragmentação do debate público e o avanço das redes digitais como arena de conflito, muitas vezes desinformando, formam um caldo fértil para o descrédito. Apostar no caos quando não se sabe para onde seguir é também uma estratégia que acirra a polarização, que, nesse contexto, opera como combustível adicional, tensionando os extremos.

As organizações da sociedade civil, que historicamente atuam como mediadoras entre Estado e população, também são afetadas por essa crise. Apesar de sua contribuição para o desenvolvimento econômico sustentável, os direitos sociais e a inovação em políticas públicas, passam a ser vistas com mais suspeição, contaminadas pela lógica que compromete o restante do ambiente institucional.

Superar esse quadro exige mais que reformas normativas ou mudanças na condução das políticas. Requer a reconstrução de uma cultura democrática baseada no diálogo, na escuta qualificada e no reconhecimento da legitimidade do outro. A confiança institucional não se impõe. Conquista-se por meio de práticas consistentes, abertura ao contraditório e compromisso com as normas do Estado Democrático de Direito e o interesse público.

Com a aproximação de um novo ciclo eleitoral, esse movimento se torna ainda mais necessário e urgente. Em vez de ampliar fissuras, o país precisa investir na construção de pontes entre diferentes setores e visões. Num mundo mimetizado, posicionamentos técnicos assertivos e claros, baseados em evidências e numa visão de respeito à dignidade e aos direitos humanos, são mais do que necessários.

É preciso compreender o que está em disputa e que país se pretende construir. Democracias não se sustentam sem instituições confiáveis. E instituições não sobrevivem sem diálogo multilateral. A sociedade civil organizada tem papel fundamental nessa conversa. Precisa se mobilizar mais que nunca para apoiar a mudança desse cenário, promover diálogos e reafirmar a importância das instituições democráticas e das próprias organizações como motores de confiança na construção e na garantia de direitos.

*Laís de Figueirêdo Lopes, mestre em Direito pela PUC/SP, é presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB-SP e sócia do escritório SBSA Advogados

 

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