segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Trump usa dólar como arma contra o Brasil, por Alex Ribeiro

Valor Econômico

Retaliações americanas mostram como o nosso sistema financeiro está vulnerável à ordem monetária global centrada no dólar

A queda dos preços das ações dos bancos na semana passada, devido aos riscos de uma escalada das retaliações do presidente Trump ao Brasil, mostra como o nosso sistema financeiro está vulnerável à ordem monetária global centrada no dólar.

Não é só o Brasil - outros parceiros comerciais dos americanos no Ocidente, que dividem valores comuns como a democracia, estão preocupados com o excesso de dependência dos Estados Unidos. Isso inclui, por exemplo, a localização física das reservas internacionais em ouro, que se concentram em Nova York, e dos data centers, onde estão armazenadas e são processadas informações financeiras valiosas.

Na sexta-feira, o jornal “Financial Times” noticiou que as autoridades europeias querem acelerar a implantação da moeda digital do Banco Central Europeu (BCE). A preocupação: a lei aprovada em julho nos Estados Unidos que regulamenta as chamadas “stablecoins”, que são criptomoedas com valor fixo em relação ao dólar, deverá ampliar ainda mais a preponderância da moeda americana no sistema financeiro mundial.

E o Brasil, como fica nesta história? Tornam-se mais importantes os projetos que já estão sendo tocados pelo Banco Central para ampliar o uso de moedas digitais. Isso inclui a ampliação das funcionalidades do Pix, que passou a ser alvo de ataque dos americanos; o desenvolvimento do projeto que vai permitir que a tecnologia de “blockchain” seja usada no sistema financeiro, usando o próprio Pix ou o Drex, a moeda digital que o BC estuda lançar; e o desenvolvimento do Pix internacional, que permitirá fazer pagamentos e transferências para outros países sem passar pelo dólar.

São projetos tocados há anos pelo Banco Central, não com objetivos de interesse nacional, e sim dentro de uma agenda para ampliar a eficiência e o acesso da população ao sistema financeiro. Mas, diante das investidas de Trump sobre o Brasil, tudo ficou embaralhado.

Há duas ameaças à soberania nacional. Na semana passada, a bolsa caiu, o câmbio se desvalorizou e os juros dos contratos DI subiram porque os mercados temem que Trump utilize o dólar como arma numa disputa política contra o Brasil, dentro de um sistema de pesos e contrapesos que tem falhado para conter decisões arbitrárias. O outro problema é o ataque direto ao Pix dentro do Relatório 301 do governo dos Estados Unidos, que monitora práticas comerciais supostamente desleais. E também as ameaças de Trump aos arranjos de pagamentos internacionais que passam às margens do dólar, como o que está sendo negociado pelos países integrantes do Brics.

O Brasil - e o resto do mundo - também fica mais vulnerável ao novo sistema de “stablecoins” criado pelos Estados Unidos, por meio do chamado Genius Act. Os relatos da imprensa americana são de que ele nasceu fruto dos lobbies de empresas de criptoativos que financiaram a campanha eleitoral de Trump.

O sistema vai permitir que sejam criadas stablecoins privadas, desde que haja como lastro recursos investidos em títulos do Tesouro americano ou fundos de curto prazo. É provável que cada moeda tenha um valor diferente, dependendo do emissor e das garantias. Com isso, vai faltar um atributo importante a essa moeda - a singularidade - que, em relatório recente, o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) define como um valor único da moeda, seja sob qualquer forma que assuma.

Também vai faltar o que o BIS chama de elasticidade, que é a capacidade de expandir o volume de dinheiro nas crises de liquidez. Hoje, essa tarefa é desempenhada pelos bancos centrais nas moedas que eles emitem, fazendo empréstimos aos bancos com boas garantias.

Está se voltando um pouco ao sistema que havia nos Estados Unidos no século XIX, em que os bancos privados eram licenciados por governos estaduais e emitiam as suas próprias moedas. Causou tanta crise que foi abandonado.

O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) conseguiu conter os danos, emplacando no Genius Act um dispositivo que impede que essas stablecoins paguem juros. Se pagassem, essas stablecoins iriam sugar o dinheiro do sistema financeiro tradicional.

Qual é a ameaça para o Brasil? As chances de o sistema de “stablecoins” - ou produtos financeiros dele derivados - substituírem os meios de pagamento dentro do país são muito pequenas, porque o Pix está amplamente disseminado e funciona como uma trincheira de proteção. Mas vai depender da capacidade de o Brasil ampliar os usos do Pix - ou do Drex - permitindo que ofereça outras funcionalidades de moedas digitais, como os contratos inteligentes.

A entrada mais provável das stablecoins será nos pagamentos transfronteiriços. Apesar de todas as reformas cambiais feitas pelo Brasil nas últimas décadas, mandar e receber dinheiro do exterior é caro e difícil. As criptomoedas e stablecoins já estão ocupando parte desse mercado.

O Pix internacional pode, em tese, competir com as stablecoins, mas tem uma desvantagem competitiva porque não tem todos os atributos de uma blockchain nos mercados internacionais. Muitos defendem que, a exemplo da Europa, o Brasil priorize o Drex, mas ela não teria o alcance de uma moeda de reserva.

 

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