O Globo
Ao condenar Bolsonaro, país STF faz aquilo
que se evitou depois da ditadura militar de 1964, em nome de um amplo acordo
para a redemocratização
Após a condenação de Jair Bolsonaro e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes contra a democracia, o longo voto de Luiz Fux era notícia velha e superada. O peso histórico do julgamento rapidamente relegou o burburinho da véspera, todos os memes e hipóteses para as mudanças do ministro em relação a seus próprios votos anteriores a uma voz isolada diante de outras quatro pelo reconhecimento de que Bolsonaro chefiou uma organização criminosa com o objetivo de, nos dizeres do relator, Alexandre de Moraes, “se perpetuar no poder”.
A partir de 11 de setembro de 2025, o Brasil
tem um ex-presidente eleito pelo voto e condenado por tentar uma ruptura
institucional, algo inédito na História da República e também um caso raro no
mundo, diante das cada vez mais frequentes ameaças autoritárias em países
democráticos a partir de chefes de Estado, partidos institucionalizados ou
líderes populistas carismáticos.
O julgamento se deu na mais plena
normalidade, com silêncio respeitoso por parte do estamento militar, a despeito
do desconforto natural com tantos fardados no banco dos réus, garantido o
direito da livre manifestação aos apoiadores dos agora condenados, nas ruas, no
Congresso Nacional e na garantia à ampla defesa no próprio tribunal.
O dissenso aberto por Fux, no fim, à parte o
desconforto provocado nos pares pelo tom agressivo e pelos argumentos de alto
teor político, funcionou como comprovação, perante o mundo, de que a
independência do Poder Judiciário está plenamente preservada e permite
escrutínios diferentes do mesmo conjunto probatório por parte de diferentes
magistrados.
Ao punir aqueles que promoveram uma investida
golpista que desencadeou a insurreição armada do dia 8 de janeiro de 2023, o
STF faz aquilo que se evitou depois da ditadura militar de 1964, em nome de um
amplo acordo para a redemocratização.
Mas ninguém tem a ilusão de que o julgamento
que acabou ontem seja o último capítulo da trama golpista. O voto de Fux, ainda
que derrotado com direito a recados e doses de ironia pelos pares, fornece
argumentos de cunho jurídico para que aliados de Bolsonaro insistam na pressão
pela anistia e em investidas fora do Brasil — tanto junto aos Estados Unidos
quanto junto a tribunais internacionais, caminho que era muito citado pelos
advogados dos agora condenados ao término do julgamento.
A saída definitiva de Bolsonaro do processo
eleitoral deflagra a disputa já acirrada pela candidatura da direita à
Presidência no ano que vem. Pelo que se tem visto, não será tolerado pelo
bolsonarismo, cada vez mais radicalizado na figura do herdeiro Eduardo, nada
além de capitulação completa aos preceitos do culto ao capitão, ainda que agora
condenado e preso em caráter definitivo.
Ainda que naufrague ou seja parada na
barreira do próprio Supremo, a articulação pela anistia pode resultar em outras
consequências, como novas sanções contra o Brasil e uma ainda mais aguerrida
campanha para que o bolsonarismo mais estridente eleja uma ampla bancada no
Senado, com o objetivo primeiro de perseguir os ministros do STF, Alexandre de
Moraes na frente da fila.
Deveria caber, aos chefes dos três Poderes,
às Forças Armadas, aos governadores e aos demais ocupantes de cargos-chave da
institucionalidade brasileira, a serenidade que todo momento que se segue a um
evento de dimensão histórica transformadora exige.
Alimentar o revanchismo bolsonarista e a
irresignação com uma decisão livre e soberana do Poder Judiciário é trabalhar
contra os interesses gerais da população brasileira, que espera das
instituições, que se mostraram mais maduras e íntegras do que as de muitos
países com democracias mais antigas, o funcionamento normal — e que esta página
seja virada quanto antes.
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