sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Brasil presta contas à História. Por Vera Magalhães

O Globo

Ao condenar Bolsonaro, país STF faz aquilo que se evitou depois da ditadura militar de 1964, em nome de um amplo acordo para a redemocratização

Após a condenação de Jair Bolsonaro e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes contra a democracia, o longo voto de Luiz Fux era notícia velha e superada. O peso histórico do julgamento rapidamente relegou o burburinho da véspera, todos os memes e hipóteses para as mudanças do ministro em relação a seus próprios votos anteriores a uma voz isolada diante de outras quatro pelo reconhecimento de que Bolsonaro chefiou uma organização criminosa com o objetivo de, nos dizeres do relator, Alexandre de Moraes, “se perpetuar no poder”.

A partir de 11 de setembro de 2025, o Brasil tem um ex-presidente eleito pelo voto e condenado por tentar uma ruptura institucional, algo inédito na História da República e também um caso raro no mundo, diante das cada vez mais frequentes ameaças autoritárias em países democráticos a partir de chefes de Estado, partidos institucionalizados ou líderes populistas carismáticos.

O julgamento se deu na mais plena normalidade, com silêncio respeitoso por parte do estamento militar, a despeito do desconforto natural com tantos fardados no banco dos réus, garantido o direito da livre manifestação aos apoiadores dos agora condenados, nas ruas, no Congresso Nacional e na garantia à ampla defesa no próprio tribunal.

O dissenso aberto por Fux, no fim, à parte o desconforto provocado nos pares pelo tom agressivo e pelos argumentos de alto teor político, funcionou como comprovação, perante o mundo, de que a independência do Poder Judiciário está plenamente preservada e permite escrutínios diferentes do mesmo conjunto probatório por parte de diferentes magistrados.

Ao punir aqueles que promoveram uma investida golpista que desencadeou a insurreição armada do dia 8 de janeiro de 2023, o STF faz aquilo que se evitou depois da ditadura militar de 1964, em nome de um amplo acordo para a redemocratização.

Mas ninguém tem a ilusão de que o julgamento que acabou ontem seja o último capítulo da trama golpista. O voto de Fux, ainda que derrotado com direito a recados e doses de ironia pelos pares, fornece argumentos de cunho jurídico para que aliados de Bolsonaro insistam na pressão pela anistia e em investidas fora do Brasil — tanto junto aos Estados Unidos quanto junto a tribunais internacionais, caminho que era muito citado pelos advogados dos agora condenados ao término do julgamento.

A saída definitiva de Bolsonaro do processo eleitoral deflagra a disputa já acirrada pela candidatura da direita à Presidência no ano que vem. Pelo que se tem visto, não será tolerado pelo bolsonarismo, cada vez mais radicalizado na figura do herdeiro Eduardo, nada além de capitulação completa aos preceitos do culto ao capitão, ainda que agora condenado e preso em caráter definitivo.

Ainda que naufrague ou seja parada na barreira do próprio Supremo, a articulação pela anistia pode resultar em outras consequências, como novas sanções contra o Brasil e uma ainda mais aguerrida campanha para que o bolsonarismo mais estridente eleja uma ampla bancada no Senado, com o objetivo primeiro de perseguir os ministros do STF, Alexandre de Moraes na frente da fila.

Deveria caber, aos chefes dos três Poderes, às Forças Armadas, aos governadores e aos demais ocupantes de cargos-chave da institucionalidade brasileira, a serenidade que todo momento que se segue a um evento de dimensão histórica transformadora exige.

Alimentar o revanchismo bolsonarista e a irresignação com uma decisão livre e soberana do Poder Judiciário é trabalhar contra os interesses gerais da população brasileira, que espera das instituições, que se mostraram mais maduras e íntegras do que as de muitos países com democracias mais antigas, o funcionamento normal — e que esta página seja virada quanto antes.

 

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