sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Mesmo condenado, Bolsonaro permanece como ameaça institucional. Por César Felício

Valor Econômico

Donald Trump e projeto de anistia mantêm aceso risco de ruptura

ex-presidente Jair Bolsonaro, mesmo condenado, continua representando uma ameaça institucional. Sempre representou, desde que se lançou candidato à Presidência pela primeira vez, na esteira do impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Todas as raízes da trama golpista julgada no Supremo Tribunal Federal vêm de muito longe. A acusação avaliada e aceita pela maioria da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal estabeleceu uma linha temporal com início em julho de 2021 e término em janeiro de 2023, mas essa piscina é de borda infinita, se confunde com o horizonte.

A ameaça que Bolsonaro continua a representar está consubstanciada na afirmação da porta-voz do presidente americano Donald Trump, de que os Estados Unidos não teriam receio de usar o seu poderio militar contra o Brasil em defesa do ex-presidente. A agressão ganhou ar oficial minutos depois de estabelecida a condenação, com a postagem do secretário de Estado, Marco Rubio, de que a decisão do Judiciário brasileiro é injusta e de que os Estados Unidos irão “responder”, como se parte fossem.

O risco à democracia persiste também na sombra de uma crise institucional a caminho, caso o Congresso aprove uma anistia que, isso parece certo, será declarada inconstitucional pelo Supremo. Esses dois movimentos, o de Washington e o de Brasília, atuando em comunhão de desígnios, poderão ser ainda catalisados por agitação nas ruas. Se antes elas se desenrolavam à porta dos quartéis, hoje desenrolam a bandeira americana.

Ao se enfileirarem para prometerem um indulto assim que por ventura se sentarem na cadeira presidencial, os governadores que se pretendem presidenciáveis de direita contratam a permanência da ameaça para além de 2027. O que tende a acontecer no primeiro ano de uma nova gestão que se inicia com essa promessa? Reformas econômicas ou uma campanha imediata pela vindita, ou, quem sabe, por uma nova eleição presidencial, esta com a presença do proscrito?

O caráter intrinsecamente golpista de Jair Bolsonaro também não começou em 2021. Essa data foi escolhida pelos acusadores porque precisavam de um marco zero, e escolheram para esse batismo as primeiras reuniões e “lives” em que o então presidente acelerou sua campanha para desacreditar a justiça eleitoral.

Bolsonaro sempre se colocou como um anjo exterminador, o elemento para destruir o sistema, não para reformá-lo. A via eleitoral sempre foi uma tática para essa estratégia. O então presidente deixou esse raciocínio claro em março de 2019, quando pela primeira vez visitou Trump em Mar-a-Lago.

“O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer. Que eu sirva para que, pelo menos, eu possa ser um ponto de inflexão”, disse o então recém-empossado presidente na ocasião. Isso foi no dia 18 de março de 2019. Quatro dias antes teve início o inquérito do Supremo Tribunal Federal sob relatoria de Alexandre Moraes, a princípio restrito a proteger membros do Supremo contra campanhas de desinformação. Não é à toa que o projeto de anistia que tramita no Congresso perdoa atos desde 2019, e não desde 2021, marco zero adotado no Supremo para a trama golpista.

Mas também seria incorreto situar 2019 como marco. Bolsonaro surgiu no noticiário em setembro de 1986, em um artigo na última página da revista Veja, com sua foto em 3 por 4 de farda e com a boina vermelha de para-quedista. O título era “O salário está baixo”. Vale a pena rememorar este artigo do então capitão. Ele usou como mote a expulsão de cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras “por prática do homossexualismo e uso de drogas (sic)”. E aí deu seu passo de dança — “O motivo de fundo é outro”, argumentou, para reclamar na sequência da falta de recursos para as Forças Armadas. Era uma afronta à disciplina do Exército, e Bolsonaro foi punido com 15 dias de prisão, o que provocou agitação nos quartéis.

No ano seguinte o oficial indisciplinado voltou a ser notícia, envolvido em uma alucinada conspiração para colocar bombas em banheiros de instalações militares e em uma adutora de água. Bolsonaro respondeu a um processo na Justiça Militar. Absolvido em uma instância por insuficiência de provas, tornou-se um bem-sucedido candidato a vereador.

Estes fatos tão antigos ganham significado quando se rememoram as circunstâncias do fim dos anos 80, quando o Brasil estava em seu primeiro governo civil após o regime militar, em meio a uma Assembleia Nacional Constituinte que, debaixo de muita pressão, tentava fixar qual seria o papel das Forças Armadas no novo ordenamento jurídico.

Bolsonaro chegou ao Congresso em 1991 embalado em uma retórica permanente de desqualificação do que à época se chamava de “Nova República”. Sob o manto da imunidade parlamentar deitou e rolou: falou em fuzilar o presidente de turno, disse que não pagava impostos, fez apologia da tortura, disse que a ditadura deveria ter matado 30 mil pessoas e por aí foi.

A direita antissistema nasceu de inconformados com o fim do regime militar, mas jamais teria vicejado se a isso se restringisse. Essa corrente entrou em estado de latência durante dez anos até a massificação das redes sociais e o surgimento da onda puxada por Olavo de Carvalho.

Começava a crescer o caudal extremista embalado pela colônia brasileira nos Estados Unidos, na sintonia da “altright” que foi tomando conta do Partido Republicano. Outros elementos foram engrossando esse fluxo, como o fundamentalismo religioso e o sectarismo político “high tech” de livre pensadores do mercado financeiro. A via eleitoral seguiu desprezada, mas foi adotada porque ela estava desobstruída depois da destruição moral exibida ao país pela Operação Lava-Jato. A ruptura, contudo, jamais foi descartada.

 

 

 

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