Correio Braziliense
Constitucionalmente, cabe ao
STM apenas decidir se os oficiais mantêm ou não posto e patente, sem reavaliar
o mérito da sentença do STF, que os condenou a penas duríssimas
A condenação de seis militares pelo Supremo
Tribunal Federal no julgamento da trama golpista de 8 de janeiro será um
capítulo inédito para o Superior Tribunal Militar (STM). Encarregada de julgar
casos de disciplina e hierarquia, a Corte terá agora de decidir sobre a
“indignidade para o oficialato” do ex-presidente Jair Bolsonaro, dos generais
de quatro estrelas Braga Netto, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e do
almirante de esquadra Almir Garnier.
Não há precedentes de exclusão e perda de patente para militares de alta patente condenados pela Justiça civil, mas há regras de jogo: o Supremo comunica a condenação e o Ministério Público Militar (MPM) apresenta a representação. Constitucionalmente, cabe ao STM apenas decidir se os oficiais mantêm ou não posto e patente, sem reavaliar o mérito da sentença.
Para a presidente do STM, ministra Maria
Elizabeth Rocha, a punição é um ato administrativo: “O STM exerce função
eminentemente jurisdicional; a execução das decisões, como a eventual perda de
posto e patente, ocorre no plano administrativo, a cargo do Comando Militar da
Força a que pertence o oficial condenado”. A Corte tem 15 ministros — dez
militares e cinco civis —, mas a presidente não vota.
Nos bastidores, a divisão entre “legalistas”
e “corporativistas” é profunda. Dos quatro ministros civis, três tendem a votar
pela cassação. Entre os dez militares, não mais que quatro acompanhariam essa
posição. O cálculo é de um possível 7 a 7, com Maria Elizabeth obrigada a
beneficiar os réus (artigos 6 e 69 do Regimento Interno do STM).
A lógica dos corporativistas é de que “um
erro não pode apagar uma vida inteira de serviços prestados às
Forças”. Não consideram a tentativa de golpe uma traição. Para os
“legalistas”, a participação no plano golpista, que incluía assassinatos de autoridades,
é suficiente para declarar a indignidade. Houve traição à própria “camaradagem
no Alto Comando”.
Dos quatro ministros civis que deverão votar
no julgamento dos militares condenados no Supremo a mais de dois anos de
prisão, um deles deve votar contra a perda de patentes. Dos 10 ministros
militares, apenas três ou quatro votariam pela perda de posto e patente. Ainda
assim, poderão condenar alguns (Braga Neto e Bolsonaro) e livrar outros
(Augusto Heleno, Nogueira). Garnier divide opiniões.
A maior incógnita é em relação aos dois novos
ministros que devem entrar no STM no início de 2026. Vão substituir os
ministros Marco Antônio de Farias (um voto que seria certo contra a perda de
patente) e Odilson Sampaio Benzi, ambos generais do Exército, que se aposentam
em outubro e novembro, respectivamente. O julgamento no STM só deve começar na
metade do primeiro semestre de 2026. A posição do Alto Comando do Exército e do
Almirantado da Marinha pode pesar nos bastidores do julgamento.
Expurgos e indisciplinas
Nesse aspecto, as punições de Bolsonaro e
Braga Neto, principalmente, seriam exemplares. De 2018 a setembro de 2025, a
Corte analisou 88 representações de indignidade, cassando a patente em 85% dos
casos. A maioria envolvia coronéis e tenentes-coronéis, nunca generais de
quatro estrelas. Também há precedentes de expurgos de natureza política, com
sinal trocado. Após o golpe de 1964, o Ato Complementar nº 3 expulsou 122
oficiais “legalistas”, entre eles o general Ladário Pereira Telles, o
brigadeiro Ruy Moreira Lima e o contra-almirante Cândido Aragão. Entre 1964 e
1970, ao menos 1.487 militares foram punidos, em todos os escalões.
No governo do marechal Castelo Branco, no
começo do regime militar, a chamada “expulsória” estabeleceu aposentadoria
compulsória aos 70 anos e limite de 12 anos no generalato, para evitar o
surgimento de chefes carismáticos capazes de articular novos golpes. Havia uma
bagunça nas Forças Armadas, transformadas numa via de ascensão econômica e
política, dos altos cargos das empresas estatais e dos ministérios à
Presidência da República.
A balbúrdia acabou quando o general Sílvio
Frota foi defenestrado pelo presidente Ernesto Geisel, em 1977. O general
articulava candidatura presidencial e encarnava a linha-dura contra a abertura.
Geisel antecipou-se e o exonerou, desarmando uma conspiração. No governo João
Figueiredo, a “tigrada” ligada aos órgãos de repressão também se rebelou e
passou a promover atentados terroristas. A indisciplina foi contida, mas nada
aconteceu com o principal responsável pelo atentado do Riocentro, Wilson
Machado, que era capitão do DOI-Codi e se tornou o sobrevivente e única pessoa
viva indiciada pelo atentado. O artefato explodiu acidentalmente, ferindo-o
gravemente e matando um sargento.
A história recente também cruza com o STM. Em
1986, o capitão Jair Bolsonaro foi preso por 15 dias por indisciplina, após
artigo na Veja contra os baixos salários. Acusado no ano seguinte de planejar
atentados em quartéis, foi absolvido pelo STM em 1988. A decisão lhe deu notoriedade
para se eleger vereador e abrir caminho para sua carreira política. Ao chegar à
Presidência, Bolsonaro resgatou a ambição de poder de militares como Braga
Neto, que ingressaram na carreira ainda durante a ditadura.
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