domingo, 21 de setembro de 2025

Condenação de Bolsonaro e generais golpistas deixa STM na berlinda. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Constitucionalmente, cabe ao STM apenas decidir se os oficiais mantêm ou não posto e patente, sem reavaliar o mérito da sentença do STF, que os condenou a penas duríssimas

A condenação de seis militares pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da trama golpista de 8 de janeiro será um capítulo inédito para o Superior Tribunal Militar (STM). Encarregada de julgar casos de disciplina e hierarquia, a Corte terá agora de decidir sobre a “indignidade para o oficialato” do ex-presidente Jair Bolsonaro, dos generais de quatro estrelas Braga Netto, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e do almirante de esquadra Almir Garnier.

Não há precedentes de exclusão e perda de patente para militares de alta patente condenados pela Justiça civil, mas há regras de jogo: o Supremo comunica a condenação e o Ministério Público Militar (MPM) apresenta a representação. Constitucionalmente, cabe ao STM apenas decidir se os oficiais mantêm ou não posto e patente, sem reavaliar o mérito da sentença.

Para a presidente do STM, ministra Maria Elizabeth Rocha, a punição é um ato administrativo: “O STM exerce função eminentemente jurisdicional; a execução das decisões, como a eventual perda de posto e patente, ocorre no plano administrativo, a cargo do Comando Militar da Força a que pertence o oficial condenado”. A Corte tem 15 ministros — dez militares e cinco civis —, mas a presidente não vota.

Nos bastidores, a divisão entre “legalistas” e “corporativistas” é profunda. Dos quatro ministros civis, três tendem a votar pela cassação. Entre os dez militares, não mais que quatro acompanhariam essa posição. O cálculo é de um possível 7 a 7, com Maria Elizabeth obrigada a beneficiar os réus (artigos 6 e 69 do Regimento Interno do STM).

A lógica dos corporativistas é de que “um erro não pode apagar uma vida inteira de serviços prestados às Forças”. Não consideram a tentativa de golpe uma traição. Para os “legalistas”, a participação no plano golpista, que incluía assassinatos de autoridades, é suficiente para declarar a indignidade. Houve traição à própria “camaradagem no Alto Comando”.

Dos quatro ministros civis que deverão votar no julgamento dos militares condenados no Supremo a mais de dois anos de prisão, um deles deve votar contra a perda de patentes. Dos 10 ministros militares, apenas três ou quatro votariam pela perda de posto e patente. Ainda assim, poderão condenar alguns (Braga Neto e Bolsonaro) e livrar outros (Augusto Heleno, Nogueira). Garnier divide opiniões.

A maior incógnita é em relação aos dois novos ministros que devem entrar no STM no início de 2026. Vão substituir os ministros Marco Antônio de Farias (um voto que seria certo contra a perda de patente) e Odilson Sampaio Benzi, ambos generais do Exército, que se aposentam em outubro e novembro, respectivamente. O julgamento no STM só deve começar na metade do primeiro semestre de 2026. A posição do Alto Comando do Exército e do Almirantado da Marinha pode pesar nos bastidores do julgamento.

Expurgos e indisciplinas

Nesse aspecto, as punições de Bolsonaro e Braga Neto, principalmente, seriam exemplares. De 2018 a setembro de 2025, a Corte analisou 88 representações de indignidade, cassando a patente em 85% dos casos. A maioria envolvia coronéis e tenentes-coronéis, nunca generais de quatro estrelas. Também há precedentes de expurgos de natureza política, com sinal trocado. Após o golpe de 1964, o Ato Complementar nº 3 expulsou 122 oficiais “legalistas”, entre eles o general Ladário Pereira Telles, o brigadeiro Ruy Moreira Lima e o contra-almirante Cândido Aragão. Entre 1964 e 1970, ao menos 1.487 militares foram punidos, em todos os escalões.

No governo do marechal Castelo Branco, no começo do regime militar, a chamada “expulsória” estabeleceu aposentadoria compulsória aos 70 anos e limite de 12 anos no generalato, para evitar o surgimento de chefes carismáticos capazes de articular novos golpes. Havia uma bagunça nas Forças Armadas, transformadas numa via de ascensão econômica e política, dos altos cargos das empresas estatais e dos ministérios à Presidência da República.

A balbúrdia acabou quando o general Sílvio Frota foi defenestrado pelo presidente Ernesto Geisel, em 1977. O general articulava candidatura presidencial e encarnava a linha-dura contra a abertura. Geisel antecipou-se e o exonerou, desarmando uma conspiração. No governo João Figueiredo, a “tigrada” ligada aos órgãos de repressão também se rebelou e passou a promover atentados terroristas. A indisciplina foi contida, mas nada aconteceu com o principal responsável pelo atentado do Riocentro, Wilson Machado, que era capitão do DOI-Codi e se tornou o sobrevivente e única pessoa viva indiciada pelo atentado. O artefato explodiu acidentalmente, ferindo-o gravemente e matando um sargento.

A história recente também cruza com o STM. Em 1986, o capitão Jair Bolsonaro foi preso por 15 dias por indisciplina, após artigo na Veja contra os baixos salários. Acusado no ano seguinte de planejar atentados em quartéis, foi absolvido pelo STM em 1988. A decisão lhe deu notoriedade para se eleger vereador e abrir caminho para sua carreira política. Ao chegar à Presidência, Bolsonaro resgatou a ambição de poder de militares como Braga Neto, que ingressaram na carreira ainda durante a ditadura.

 

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