terça-feira, 16 de setembro de 2025

Nova página. Por Merval Pereira

O Globo

Veremos se Tarcísio, com a radicalização que demonstrou nos dias recentes, não perdeu boa parte da centro-direita, da direita dita civilizada, abrindo espaço a outro governador, como Ratinho Junior, do Paraná, ou Ronaldo Caiado, de Goiás

A manobra que o presidente da Câmara, Hugo Motta, articula nos bastidores — derrotar a proposta de anistia ampla, geral e irrestrita para, em seu lugar, aprovar outra, que abra a condição de o Supremo Tribunal Federal (STF) reduzir penas já dadas aos integrantes da “massa de manobra” da intentona do 8 de janeiro de 2023, mas sem atingir os organizadores e financiadores da tentativa de golpe — pode ser arriscada, mas é uma solução para não pressionar o Supremo, que acabou de condenar os integrantes do “núcleo crucial”.

Essa maneira de cumprir um acordo, sem mudar de opinião, foi usada pelo ex-presidente da Câmara Arthur Lira sobre o voto impresso, que o então presidente Jair Bolsonaro exigia. Lira pôs a proposta em votação e a derrotou. Motta, que tem em Lira um apoiador fundamental, pensa repetir a tática, mas terá de convencer o Centrão. Ao mesmo tempo, não há sinais de que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, tenha mudado de ideia. Ele é contra a anistia generalizada e quer sustentar sua proposta na redução das penas. Parece que convenceu Motta de que é a melhor solução — ou a possível.

A delicadeza do momento faz com que as palavras ganhem peso relevante, e qualquer delas mal colocada provoca um princípio de incêndio. Foi o caso da declaração do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, de que houve tentativa de golpe e de que é preciso respeitar a decisão do STF. A fala desleixada, num leilão de animais no fim de semana, provocou certa confusão na direita, mas não sei se chega ao ponto de um racha. Valdemar é meio falastrão, está se explicando até agora, mas deve superar o mal-estar. Não será a primeira vez.

O que ele falou é uma tradução canhestra do voto do ministro Luiz Fux — houve cogitação de golpe, mas isso não é crime, já que não aconteceu nada. Quem atuou na tentativa de golpe foram o ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, e o general Braga Netto. Valdemar quis ir na direção de que não se pode reclamar muito da decisão do Supremo. Mas não tem o dom de manobrar as palavras como Fux. A dificuldade da direita será defender a tese de que Bolsonaro não sabia de nada. O voto de Fux deu asas à teoria de que ele foi enganado.

Difícil agradar a todos os grupos. A parte radicalizada dos bolsonaristas quer continuar dizendo que houve golpe mesmo, para derrubar os “canalhas esquerdistas”. Mas ela é minoritária na direita. A condenação de Bolsonaro et caterva fecha uma página na direita e encaminha o apoio ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas — acredito que Bolsonaro já esteja convencido disso. A direita deverá começar 2026, depois de definida a dosimetria da pena e onde Bolsonaro ficará preso, com uma candidatura apoiada por ele e seu grupo, pelo simples motivo de que precisa apostar num candidato vencedor para ter um futuro na política em 2030.

Veremos se Tarcísio, com a radicalização que demonstrou nos dias recentes, não perdeu boa parte da centro-direita, da direita dita civilizada, abrindo espaço a outro governador, como Ratinho Junior, do Paraná, ou Ronaldo Caiado, de Goiás. E se no longo prazo ele consegue recuperar a posição de direita equilibrada ou se ficará marcado como bolsonarista radical. O fato de ter adiado a ida a Brasília ontem para articular a anistia mostra que o momento não é de apertar o cerco, mas de esperar o que acontecerá nos próximos dias e meses. Porque, além do mais, há o ingrediente imprevisível da intervenção do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que dizem estar extremamente irritado com a condenação de Bolsonaro, transformado em seu alter ego por questões políticas. A reação do governo americano foi anunciada pelo secretário de Estado Marco Rubio para a “próxima semana”.

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