sexta-feira, 19 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

STF não pode esmorecer no controle de emendas

Por O Globo

Dino faz bem em levar ao plenário casos que revelam abusos flagrantes e em tentar impor transparência

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino faz bem em não se intimidar com a pressão do Congresso e em levar adiante os processos despertados pelos abusos flagrantes com recursos de emendas parlamentares. Na véspera da aprovação pela Câmara da PEC da Blindagem, Dino suspendeu repasses a nove de dez municípios que receberam R$ 725 milhões e foram auditados pela Controladoria-Geral da União (CGU). No dia seguinte à aprovação da PEC, deu prazo para Procuradoria-Geral da República (PGR) e Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestarem nas três ações sobre emendas, que em breve pretende levar a plenário.

A auditoria da CGU nas nove cidades cujos repasses foram suspensos dá uma ideia do mecanismo perverso que rege esse universo opaco — e de por que os parlamentares tanto insistem em se blindar das investigações. Ao todo, 25 congressistas foram apontados como responsáveis por transferências diretas ao caixa dos dez municípios, por meio da modalidade que não exige plano de trabalho nem acompanhamento, conhecida como “emenda Pix”. Depois da intervenção de Dino, a CGU deslindou vários episódios suspeitos, encaminhados à PF para investigação.

Um deles, revelou reportagem do GLOBO, tem como protagonistas o ex-deputado Jhonatan de Jesus e seu pai, o senador Mecias de Jesus (ambos do Republicanos-RR). Jhonatan destinou R$ 3,8 milhões à Prefeitura de Iracema (RR) entre 2020 e 2021. De acordo com a auditoria, as obras previstas não saíram do papel. Uma unidade móvel odontológica foi comprada, diz a CGU, por preço 37% superior ao valor de mercado e, na hora da inspeção, não tinha luvas, máscaras ou indícios de uso. Jhonathan e o pai enviaram R$ 5,2 milhões a outra cidade roraimense, São Luiz do Anauá. Uma das vans destinadas a profissionais de saúde, comprada com o dinheiro das emendas, foi usada em transporte para eventos religiosos. Ambulâncias foram entregues sem portas adequadas, e obras estavam paralisadas. Mecias diz apoiar a fiscalização e atribui a responsabilidade pelo apurado à gestão dos municípios.

Histórias do tipo se repetem Brasil afora. Em Carapicuíba (SP), os auditores foram incapazes de confirmar o destino de R$ 7,7 milhões num repasse de R$ 8 milhões. Em Macapá (AP), os auditores suspeitam de licitação fraudada. Em São João do Meriti (RJ), foram encontrados indícios de R$ 2,6 milhões em superfaturamento. Em Sena Madureira (AC), a Prefeitura foi incapaz de comprovar a entrega do combustível que diz ter comprado com R$ 1,8 milhão. No Rio de Janeiro, a auditoria apontou superfaturamento de R$ 202 mil na compra de portas acústicas para teatros (a Prefeitura e os envolvidos negam irregularidades).

Os recursos distribuídos por meio das emendas têm crescido vertiginosamente, com pouca ou nenhuma transparência. Em 2010, equivaliam a R$ 7,9 bilhões. Neste ano somam R$ 50,4 bilhões. Não há país onde parlamentares controlem quase 25% dos gastos não obrigatórios do governo. Já é lamentável o desperdício intrínseco à distribuição de tanto dinheiro por critérios paroquiais, em vez de políticas embasadas. O mínimo a exigir, como faz Dino, são regras de transparência e rastreabilidade. As medidas aprovadas pelo Congresso foram insuficientes para sanar as deficiências. O STF deve apoiar Dino na iniciativa para maior controle. Não pode esmorecer.

Se ficar no exterior, Eduardo Bolsonaro deve perder mandato de deputado

Por O Globo

Ultrapassado o limite de faltas ditado pela Constituição, não restará alternativa a não ser cumprir a lei

O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) abandonou seu cargo e viajou para os Estados Unidos para fazer pressão junto ao governo Donald Trump numa tentativa de chantagear a Justiça brasileira, para que recuasse no julgamento de Jair Bolsonaro e dos demais acusados pela tentativa de golpe. Felizmente fracassou ao apostar na submissão do Judiciário. Mas obteve êxito em Washington. Trump impôs sanções contra ministros do Supremo e sujeitou o Brasil ao patamar mais alto em seu tarifaço. Agora, precisa arcar com as consequências de seus atos. O mais correto seria a Câmara julgá-lo por quebra de decoro, dada sua atuação contra os interesses do Brasil. Diante da hesitação dos colegas, porém, no mínimo é preciso cumprir o artigo da Constituição que trata da perda de mandato.

Deputados federais não podem se ausentar de mais de um terço das sessões ordinárias. Estão previstas faltas justificadas e pedidos de licença. Inicialmente, Eduardo ficou licenciado por 122 dias — dois para um alegado tratamento de saúde e 120 para tratar de “interesses pessoais”. Agora, caminha para ultrapassar o limite regimental de faltas e pretende salvar o que resta do mandato a qualquer custo. Chegou a enviar carta ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), com pedido de autorização para continuar a exercer o mandato em seu exílio voluntário, alegando “perseguição política”, sob a justificativa estapafúrdia de que tem trabalhado na “diplomacia parlamentar”.

Por óbvio, não é preciso estar fora do Brasil para manter laços com o exterior. A base da máquina diplomática do país está em Brasília. Não existe o cargo de parlamentar diplomático sediado fora do país. Seus eleitores o escolheram para representá-los na Câmara, não no Capitólio ou na Casa Branca. Eduardo cita o trabalho remoto durante a pandemia como possibilidade, mas o momento atual é outro. Não há emergência sanitária que o impeça de comparecer às sessões no Congresso.

Diante da resistência de Motta, o bloco bolsonarista adotou uma manobra insólita: nomeou Eduardo líder da minoria na Câmara. Para isso, a deputada Caroline de Toni (PL-SC) renunciou ao posto e, em nota, confessou a motivação personalíssima do ato: “Tomamos essa decisão convictos de que o Brasil precisa de união e coragem, diante das perseguições que Eduardo e Jair Bolsonaro vêm sofrendo”.

Lideranças no Congresso têm, desde 1997, a prerrogativa de não justificar faltas, mas desde que para exercer funções de articulação política. No caso de Eduardo, ele não tem como fazer isso em Washington. Também não há perseguição, apenas o cumprimento da Constituição e de decisões da Justiça. A lei não pode ser alterada de maneira casuística, tampouco interpretada ao sabor dos acontecimentos. Uma vez ultrapassado o limite de faltas, a Mesa da Câmara terá de decretar, sem subterfúgios, a perda de seu mandato. Depois de perdê-lo, Eduardo poderá se candidatar novamente no ano que vem e ser avaliado pelos eleitores. Agora, não há alternativa.

Eliminar excessos nas penas por golpe, sim; anistia, não

Por Folha de S. Paulo

Nomeação de relator distante do bolsonarismo leva a crer que perdão ansiado por radicais não vai prosperar

Reformar penas preserva o STF como árbitro dos processos; já a anistia significaria ajoelhar-se diante dos depredadores da democracia

Deflagrou-se na Câmara dos Deputados o processo para votar em breve um projeto de lei que, segundo o desatino da direita radical, serviria para perdoar todos os condenados por atentar contra a democracia, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), sentenciado pelo Supremo Tribunal Federal a 27 anos e três meses de prisão.

Nesta quarta-feira (17), 311 dos 513 deputados aprovaram o requerimento dando urgência à tramitação do tema. Mas movimentos de coxia e de proscênio levam a crer que o texto a ser apreciado no plenário tratará de corrigir o excesso de penas da legislação vigente, e não de promover a anistia ansiada pelos bolsonaristas.

Paulinho da Força (Solidariedade-SP), designado relator do projeto pelo presidente Hugo Motta (Republicanos-PB), está distante da esfera de influência dos radicais de direita e mantém interlocução com o governo petista e o ministro Alexandre de Moraes.

Ventila-se que o teor de seu relatório deve seguir uma linha semelhante à defendida informalmente pelo presidente do SenadoDavi Alcolumbre (União Brasil-AP), de reformar a lei penal para que os crimes contra a ordem constitucional tenham penas e aplicação mais razoáveis.

Buscar abolir o Estado de Direito e tentar derrubar um governo constituído significam, na prática, a mesma lesão. Pela primeira via —um autogolpe— ou pela segunda se busca o resultado de instalar uma tirania. Esses crimes foram, no entanto, formulados e aplicados como se fossem autônomos, com penas somadas que chegam a 20 anos de prisão.

Essa sobreposição levou depredadores da arraia miúda do 8 de Janeiro a pegarem até 17 anos de prisão e potencializou as penas do núcleo de comando julgado com Bolsonaro. Desfazer essa duplicação seria um caminho legítimo e constitucional a percorrer.

Se a reforma da lei avançar, não haveria redução automática de penas. A revisão das sentenças transitadas em julgado e a aplicação do novo marco caberiam ao Supremo, com base no princípio de que a lei penal pode retroagir em benefício do réu. O tribunal ficaria preservado, portanto, como árbitro de todo o processo.

Já aprovar uma anistia irrestrita, como pleiteia o bolsonarismo, seria uma genuflexão abominável diante de quem pretendeu destruir a democracia brasileira. Estaria perdido o efeito mais importante da punição, que é o de inibir futuras aventuras liberticidas.

Além disso, do ponto de vista prático, a iniciativa da anistia estaria fadada ao fracasso ou a criar mais um indesejável impasse institucional, pois o STF já decidiu, em caso anterior, que crimes contra a ordem democrática não podem ser objeto de perdão.

Por isso é preciso atenção ao trâmite do projeto na Câmara. Por mais que haja a boa vontade inicial de adotar a via constitucional e reformista de aplacar os excessos da lei, representantes dos saqueadores da democracia não perderão oportunidade de tentar viabilizar a deplorável anistia.

Mais do que dinheiro, gestão

Por Folha de S. Paulo

Com uso estratégico de recursos, cidades pobres superam outras mais ricas em indicadores de saúde

A taxa de mortalidade materna em Fortaleza, 20ª colocada em PIB per capita, é menor do que em Brasília, o maior PIB per capita do país

Levamento realizado pela Umane (associação civil sem fins lucrativos que apoia iniciativas em saúde pública), com base em informações do DataSUS, mostra as já conhecidas disparidades regionais no setor, mas também que uma alocação racional do dinheiro público pode ser mais eficaz do que o montante de recursos disponíveis.

A pesquisa avaliou três indicadores no ano de 2023: mortalidade infantil de crianças menores de um ano, mortalidade materna e mortes prematuras (de pessoas entre 30 e 69 anos) por doenças crônicas não transmissíveis.

Cruzando os dados, as cinco capitais nas primeiras colocações, por ordem, são: Brasília, Florianópolis, Curitiba, Vitória e Fortaleza, enquanto Salvador, Recife, João Pessoa, Teresina e Manaus estão nas últimas posições.

Fortaleza chama a atenção. Segundo os dados mais recentes do IBGE, de 2021, ela está no 20º lugar entre as 27 capitais do país em Produto Interno Bruto per capita (R$ 27.164); já Brasília está no topo da lista (R$ 92.737).

Além disso, considerando apenas a mortalidade materna, a taxa de mortes de mulheres relacionadas a gravidez por 100 mil nascidos vivos na cidade do Nordeste (33,70) é inferior à da capital do Distrito Federal (36,18).

Para cada indicador, a pesquisa selecionou as 13 capitais mais bem colocadas. Ainda em mortalidade materna, São Paulo —3º maior PIB per capita— está na 13ª posição, com taxa de 37,11, atrás até de Belém (31,52), penúltima em PIB per capita (R$ 22.216).

Em relação às mortes prematuras por doenças crônicas não transmissíveis (como diabetes e hipertensão), São Paulo sequer consegue entrar no top 13 —Brasília lidera com 198,14 óbitos por 100 mil habitantes, seguida por Palmas (217,14) e Aracajú (241,09).

Florianópolis (6,41), Curitiba (7,72) e Porto Alegre (8,48) têm as taxas mais baixas de mortalidade infantil. A capital paulista está no 7º lugar (10,71), e Brasília (10,74) vem em seguida.

A Folha ouviu as prefeituras, e o que se nota como denominador comum entre cidades bem colocadas é o direcionamento de recursos para áreas de maior vulnerabilidade, com uso de tecnologia da informação, telemedicina, campanhas contínuas para gestantes e grupos de doenças crônicas, foco na atenção primária em saúde, entre outras medidas.

Além disso, experiências de sucesso em determinadas localidades podem ser adaptadas em outras. Também seria de grande ajuda se governos nas três esferas cuidassem melhor dos seus orçamentos; dados os déficits observados, há muito a ser feito.

PEC da blindagem precisa ser rejeitada pelo Senado

Por Valor Econômico

É preciso restaurar a moralidade no Congresso e evitar um conflito institucional entre Poderes

A Constituição assegura a igualdade de todos os brasileiros perante a lei, mas a Câmara dos Deputados, com a aprovação da PEC 3/2021, entendeu que os parlamentares têm de ser mais iguais que os outros. O projeto estabelece que deputados e senadores não devem se submeter aos procedimentos da Justiça, manietando prerrogativas do Supremo Tribunal Federal para adotar regras próprias de autoproteção. São pelo menos duas cláusulas pétreas da lei magna que estão sendo desrespeitadas nesse caso — da isonomia e da separação de Poderes. É espantoso que o Congresso, responsável por fazer as leis que regem o país, seja o ator principal de seu enxovalhamento.

A PEC da Blindagem exige que qualquer processo legal, cível ou criminal, que envolva deputados e senadores terá de ser no fim das contas submetido e aprovado por seus pares no Congresso. Mesmo casos de crimes inafiançáveis, como racismo, tráfico de drogas, terrorismo e crimes contra o Estado de Direito, com prisão em flagrante, terão de ser avaliados pelo Congresso, que pode rejeitá-los e decidir pela soltura dos suspeitos.

Uma manobra regimental reinstituiu na PEC a votação secreta em caso da autorização ou não de processos judiciais contra parlamentares, derrotada na primeira votação. Os pretextos foram marotos ou vergonhosos. O primeiro argumento, geral e aceito pelos 344 deputados que deram aval ao projeto, inclusive 12 do PT, foi que era preciso acabar com a perseguição do STF ao Congresso, prosa falsa que tem similitude com a de Jair Bolsonaro, que a utilizou antes, durante e depois da tentativa de golpe. O segundo é que apenas se restabeleceria regra que vigorou desde 5 de outubro de 1988, quando a Constituição foi promulgada, até 2001.

A Constituição de 1988, aprovada após o regime ditatorial, acolhia os procedimentos agora ampliados pelo Congresso, como reação aos abusos do passado de trevas da ditadura militar. Em 1968, a ditadura tentou cassar o deputado Márcio Moreira Alves por discursos feitos no parlamento. Em 12 de dezembro, o Congresso, com altivez, a recusou, por 216 votos a 141. No dia seguinte, vieram o AI-5 e o fechamento das frestas de liberdade que ainda haviam no regime.

A situação atual é absolutamente distinta. Congressistas não correm o risco de penalidades por opiniões e dispõem de foro privilegiado no exercício dos mandatos. É uma liberdade ampla, como demonstra a carreira de 28 anos do deputado Jair Bolsonaro, que pregou ao longo do tempo a tortura, crime inafiançável, e elogiou torturadores e a ditadura militar, um regime que considerava ideal.

Enquanto vigorou o dispositivo que agora se tenta ressuscitar, apenas um entre 253 pedidos enviados ao Congresso foi aceito — o de um deputado que receptava carros roubados. Se a rapidez e o denodo com que a Comissão de Ética da Câmara e o Conselho de Ética do Senado punem quem fere o decoro parlamentar servem de exemplo, ao que tudo indica a PEC servirá de escudo contra qualquer tipo de sanção a congressistas.

Recentemente, com a ampliação dos poderes do Congresso sobre as emendas, que capturam R$ 50 bilhões anuais do Orçamento, a preocupação com a Justiça pelos parlamentares esteve mais voltada às investigações determinadas pelo Supremo sobre desvio de verbas. Há ao menos 80 delas, envolvendo deputados e senadores no âmbito do STF, além de CPIs, como a da Previdência, que indicam a suspeita de participação de membros do Legislativo nas falcatruas que lesaram algo como R$ 6 bilhões dos aposentados.

A PEC aprovada inclui presidentes de partidos políticos, mesmo sem mandato, no foro privilegiado, ao mesmo tempo em que retira do STF a autonomia para processá-los. Pela grande quantidade de recursos que passa pelas cúpulas partidárias, R$ 1 bilhão de fundo para partidos, mais R$ 5,9 bilhões de fundo eleitoral, a imunidade legal pode ser um presente para políticos mal-intencionados. Além disso, a PEC, que vai agora ao Senado, é um grande atrativo para o crime organizado, dispensando intermediários, ao colocá-los, uma vez eleitos, praticamente fora do alcance das leis.

As iniciativas de buscar autoimunidade ante a Justiça, assim como as mudanças na Lei da Ficha Limpa, são novas tentativas dos parlamentares de escapar de qualquer controle dos outros Poderes, como tem ocorrido no caso das emendas, agora uma fonte permanente de conflitos diante das suspeitas cada vez mais frequentes de desvios de finalidade e de recursos. A Câmara demonstra também pouco respeito pela atividade parlamentar se aceitar e tratar como um caso menor a nomeação, pelo PL, do deputado Eduardo Bolsonaro, desde março no exterior, como líder da minoria, para justificar suas faltas e impedir que ele perca o mandato. Bolsonaro incita Trump a punir o Brasil para tentar salvar seu pai do acerto de contas com a Justiça. As tarifas de 50% impostas pelos EUA para produtos brasileiros causará prejuízos de bilhões de reais a empresas do país.

O Senado tem o dever republicano de rejeitar a PEC da Blindagem vinda da Câmara, restaurar a moralidade no Congresso e evitar um conflito institucional entre Poderes.

É isto uma democracia?

Por O Estado de S. Paulo

A pretexto de reagir ao assassinato de um ativista conservador, Trump coloca a máquina do Estado contra quem ele considera dissidente. É um desastre moral para o outrora ‘farol da democracia’

O tiro que matou o ativista conservador Charlie Kirk acertou em cheio a jugular da democracia liberal americana. O atentado foi um ataque ao mecanismo que permite cidadãos resolverem conflitos sem se ferirem: a palavra. “Quando as pessoas param de conversar, é aí que você tem violência.” Essa verdade, dita pelo próprio Kirk, deveria guiar a reação. Em vez disso, o que se vê é o emprego do aparato persecutório do Estado para punir quem fala o que desagrada. É uma violação legal e um desastre moral.

A esquerda iliberal há anos equipara palavras a “violência”, cria categorias elásticas como “discurso de ódio” e aplaude o cancelamento. O resultado está à vista nas universidades: uma geração treinada a ver o dissenso como agressão e disposta a aceitar a agressão como resposta ao dissenso. Pesquisas mostram que um em três estudantes considera justificável “em alguns casos” usar violência para impedir um orador. Essa corrosão ajuda a explicar por que tantos celebraram a morte de um adversário. Eles merecem reprovação moral e contestação pública, não linchamentos digitais.

Seria de se esperar da direita um contrapeso. Mas o que se vê é o trumpismo copiar o manual que condenava. No país cuja Suprema Corte definiu que mesmo ideias odiosas são protegidas pela Primeira Emenda, salvo em caso de risco de violência claro e iminente, a secretária de Justiça prometeu “ir atrás” de quem praticar “discursos de ódio”. O vice-presidente incentiva patrulhas virtuais contra os que zombaram da tragédia. O chefe da agência reguladora de radiodifusão ameaça cassar licenças para constranger emissoras. E o próprio presidente volta a mover ações bilionárias contra jornais e jornalistas, e fala em classificar entidades civis como “terroristas” ou em revogar isenções fiscais por motivos políticos. Isso não é justiça. É justiçamento e perseguição.

Adicionando insulto à agressão, tal comportamento trai o legado de Kirk da maneira mais brutal. Seu trabalho – controvertido no conteúdo, claro no método – era interpelar, ouvir, responder, insistir. Mas a direita trumpista aproveita-se do luto como combustível para uma cruzada punitiva, equiparando palavras a violência para justificar coerção oficial. O resultado previsível é mais silêncio forçado, mais ressentimento, mais incentivos a soluções de força. Repressão não desarma radicais; oferece-lhes a narrativa de mártir e empurra moderados para a autocensura.

Uma sociedade livre precisa de dois princípios gêmeos: tolerância máxima ao discurso e tolerância zero à violência. O primeiro não é um favor ao “nosso lado”; é um seguro democrático para todos, especialmente minorias e dissidentes. Foi essa aposta que fez dos EUA uma exceção: nazistas e comunistas podem marchar; fanáticos, insultar; artistas, ultrajar – e a resposta legítima é crítica, protesto, sátira, boicote e mais discurso. O segundo princípio protege o primeiro: quem ameaça, agride, bloqueia palestras ou destrói propriedade para calar o outro deve ser contido e punido, com o rigor da lei.

Os americanos sabem, por amarga experiência, que a censura não reduz ódio; empurra-o para subterrâneos onde se radicaliza. E sabem, por tradição constitucional, que “discurso de ódio” não é categoria jurídica. O caminho civilizado é outro: proteger a praça pública, reforçar a segurança de eventos controversos, punir quem recorra à força e recusar que governos, de esquerda ou de direita, transformem o gosto do príncipe em lei. Há espaço para decência privada – inclusive demitir quem viola códigos internos –, mas não para a polícia das opiniões.

O futuro da democracia americana dependerá da capacidade de lideranças e instituições de rejeitar o iliberalismo, venha de onde vier. Isso exige, mais do que decretos e coletivas, coragem cívica. Coragem de suportar o abjeto sem criminalizá-lo; de discutir com quem erra sem destruí-lo; de lembrar, em meio ao trauma, que o antídoto da violência é mais debate, não menos. Quem quiser honrar a vítima, que honre o princípio pelo qual viveu e morreu: a máxima tolerância à opinião e a intolerância absoluta à violência.

O bom senso do BC

Por O Estado de S. Paulo

Banco Central sinaliza que, enquanto os dados indicarem inflação fora da meta nos próximos meses, a queda de juros seria imprudente. Baixar a taxa depende muito mais do governo que do BC

A projeção de inflação acima da meta pelo próximo um ano e meio – o tal “horizonte relevante”, sempre destacado nas avaliações do Banco Central (BC) – basta para justificar a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a taxa básica de juros (Selic) estacionada nos atuais (e pesados) 15% ao ano. Lá está, no comunicado da reunião do Copom, que a projeção oficial para o primeiro trimestre de 2027, com base no cenário atual – que inclui o alto nível de juros –, é de 3,4% ao ano, acima, portanto, da meta de 3% que o BC é obrigado a perseguir.

Ainda que o sistema de metas permita o intervalo de 1,5 ponto porcentual para cima ou para baixo, a decisão comprova que o Copom preferiu agir no modo segurança, mirando o centro do alvo, a fazer apostas em eventuais mudanças benignas de cenário no futuro. A considerar a probabilidade de aumento de gastos públicos que costuma ocorrer em períodos eleitorais, a campanha presidencial largamente antecipada que já se observa e o aumento das incertezas externas sob a batuta destrambelhada de Donald Trump, seria de fato uma aposta de altíssimo risco.

Desde a adoção, em janeiro, do novo sistema de meta contínua, que verifica mês a mês o resultado da política monetária sobre o IPCA, a inflação rompeu o limite máximo por seis vezes consecutivas, o que obrigou o presidente do banco, Gabriel Galípolo, a escrever em julho a carta explicando os motivos do descumprimento. Estavam lá, com destaque, ainda que não com essas palavras, a economia sobreaquecida (em especial por políticas de incentivo), a perda de credibilidade do mercado (desancoragem) e a depreciação cambial.

Nada substancialmente positivo aconteceu desde então para trazer as expectativas de inflação a um patamar mais baixo de maneira sólida. Houve algumas melhoras pontuais, como a primeira deflação do ano, em agosto (-0,11%), mas com grande contribuição de fatores extras, como a redução nas contas de luz daquele mês. O mercado de trabalho aquecido, com a menor taxa de desemprego da História (5,6%), eleva a pressão inflacionária.

Há dez trimestres consecutivos – desde o início de 2023, portanto –, a economia brasileira cresce acima de sua capacidade, de acordo com levantamento da Fundação Getulio Vargas. A demanda aquecida é um poderoso motor inflacionário e pode ser explicada em grande parte pelos incentivos do governo ao consumo. Mas, para o gastador Lula da Silva, a inflação “está razoavelmente controlada”, como declarou em fevereiro, quando o IPCA em 12 meses já passava de 5%.

No mesmo dia em que o Copom decidiu manter inalterada a taxa de juros de 15%, em vigor desde junho, o Fomc (o Copom norte-americano) reduziu em 0,25 ponto porcentual a taxa básica dos Estados Unidos, para o intervalo entre 4% e 4,25%, sob forte pressão do governo Trump. Indicou, ainda, que deve fazer mais duas reduções ainda neste ano, numa decisão amparada em dados imprecisos, como o aumento da ocupação resultante da política anti-imigração de Trump, que trouxe ainda mais instabilidade ao mercado internacional, já sacudido pelo tarifaço. Para o Brasil, no curto prazo deve representar um maior fluxo de dinheiro, capital especulativo atraído por juros mais altos.

Efeitos extraordinários devem continuar a ter peso secundário sobre a decisão do BC. São os fatores estruturais que importam, como uma política fiscal crível, comprometida com a sustentabilidade da dívida. Ao contrário do que costuma acontecer com a meta fiscal, em que expectativas de arrecadação e despesas são constantemente “calibradas” de acordo com o interesse do governo, a definição da Selic tem recorrido a dados efetivos e duradouros.

Quando a estimativa para o “horizonte relevante” chegar (e se mantiver) ao centro da meta, haverá segurança para afrouxar a política monetária. Mas isso não depende tanto do banco, que atua mais como um “guardião” da meta e para isso estica a corda até o ponto de não causar recessão. No conjunto dos fatores de maior influência, o equilíbrio das contas públicas ocupa papel relevante.

A obsessão de Nunes

Por O Estado de S. Paulo

Prefeito diz que vai tentar de novo afrouxar Psiu, mesmo após TJ-SP ver inconstitucionalidade

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, parece determinado em perseverar nos seus erros. Ele pretende elaborar um novo projeto de lei para flexibilizar o Programa Silêncio Urbano (Psiu), mesmo após o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) afirmar há poucos dias que uma de suas tentativas de afrouxar esse instrumento é inconstitucional. Nem essa decisão cristalina bastou para que Nunes retomasse o bom senso, o que indica que o prefeito dobrará a aposta.

Não seria a primeira vez que Nunes ataca o Psiu. O Executivo já articulou emendas em projetos que estavam em andamento no Legislativo no intuito de abrandar a lei. Na mais recente investida, enfiou numa proposta que versava sobre aterros sanitários a exclusão de fiscalização do Psiu para shows com público de 5.001 a 40 mil pessoas. É o que, no jargão legislativo, chama-se de “jabuti”, haja vista que, como afirmou o TJ-SP, o tema “não guarda pertinência temática com o projeto original”. Para piorar, conforme a decisão, “não houve participação popular específica na emenda”.

Nada disso são firulas, mas exigências formais do processo legislativo que lhe dão legitimidade. Nunes, ao que tudo indica, não se importa. Em visita a um festival de música, manifestou seu inconformismo dizendo que “o Tribunal de Justiça gosta, às vezes, de encontrar algum questionamento”, o que ele disse lamentar. O prefeito criticou uma suposta “perseguição” aos grandes eventos, o que, segundo ele, não passa de uma “grande balela” de quem se diz “‘pseudodefensor’ do som e da incomodidade (sic)”. Disse que agora vai enviar um projeto específico, para enfraquecer o Psiu, sob o argumento de que a cidade precisa de “emprego e renda”.

Mas o que o prefeito chama de perseguição e diz lamentar é, na verdade, uma decisão judicial que restituiu o direito dos paulistanos de manifestarem sua insatisfação quando têm o seu sossego perturbado. Ademais, o respeito ao processo legislativo não deve ser menosprezado por uma autoridade pública que, decerto, sabe que o Legislativo e o Executivo só podem elaborar, discutir e aprovar matérias de acordo com parâmetros democráticos, como as regras materiais e formais, a participação popular e, sobretudo, os preceitos constitucionais. E, por fim, mas não menos importante, não há notícias, evidências ou dados de que a cidade de São Paulo dependa da algazarra e do desrespeito ao sossego alheio para crescer, prosperar e alcançar o desenvolvimento econômico.

Moradores de diversas regiões da capital paulista se uniram recentemente para criar a Frente Cidadã pela Despoluição Sonora, na qual reivindicam o direito de viver numa cidade menos barulhenta e, por consequência, mais harmoniosa, tranquila e saudável. Em vez de insistir em tornar São Paulo hostil, o prefeito Ricardo Nunes tem a chance de, enfim, acertar: ouvir seus cidadãos, desistir da ideia de liberar o caos sonoro e fortalecer o Psiu, com mais rigor e fiscalização, e não menos.

Espírito original do SUS é vital para o país

Por Correio Braziliense

Aos 35 anos, é hora de resgatar o espírito original do Sistema Único de Saúde — um sistema público, gratuito, eficiente e humano

O Sistema Único de Saúde (SUS) entrou em vigor há 35 anos, dois anos após ter sido criado a partir da Constituição Federal de 1988. Lançado como resposta a um clamor por justiça social e igualdade no acesso à saúde, o sistema foi inspirado nos princípios da universalidade, integralidade e equidade, e, não se pode negar, tornou-se um dos maiores sistemas públicos de saúde do planeta.

Atualmente, é responsável por cerca de 75% dos atendimentos de saúde no país, segundo o governo federal. Ele abrange desde o atendimento básico até procedimentos de alta complexidade, como transplantes de órgãos — área em que o Brasil é o segundo maior do mundo em volume de transplantes públicos, atrás apenas dos Estados Unidos.

Não é à toa que a revista americana Newsweek divulgou nesta segunda-feira seu ranking anual dos melhores hospitais do mundo em 12 especialidades médicas e o Brasil marcou presença com 22 instituições — sendo sete públicas e 15 privadas. O levantamento considerou recomendações de profissionais de saúde, dados de acreditação e certificações, e indicadores de resultados percebidos pelos pacientes, como melhora dos sintomas e satisfação com o tratamento recebido.

Vale destacar também o protagonismo do SUS durante a pandemia da covid-19. Em um dos momentos mais críticos da história recente, o sistema liderou a campanha de vacinação que alcançou mais de 80% da população com esquema primário completo, reafirmando a expertise do país em campanhas de imunização em massa. O modelo, inclusive, já foi elogiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O SUS ainda é responsável por ações que vão muito além do atendimento médico: controle de endemias, vigilância sanitária e epidemiológica, distribuição gratuita de medicamentos, saúde mental, saúde indígena e ações de saneamento básico. Tudo isso em um país continental, com mais de 5.500 municípios e imensas desigualdades regionais.

No entanto, especialistas daqui e de fora também apontam suas fragilidades. A desigualdade no acesso — especialmente em áreas rurais e periféricas —, os longos tempos de espera e a fragmentação dos serviços são vistos como entraves à eficiência do sistema. Da mesma forma, preocupa a dificuldade para o fortalecimento do setor primário — voltado para a prevenção e, portanto, mais estratégico do ponto de vista da saúde pública. 

Outro problema crônico é o subfinanciamento. Segundo dados do Conselho Nacional de Saúde, o Brasil investe cerca de 9,6% do PIB em saúde, mas apenas 3,9% são recursos públicos, nível  inferior à média de países com sistemas universais. A título de comparação, o Reino Unido investe aproximadamente 7,5%.

A Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos públicos por 20 anos, agravou essa situação. Entre 2018 e 2022, estima-se que o SUS tenha perdido mais de R$ 37 bilhões em investimentos. O impacto é visível: filas para cirurgias eletivas, falta de médicos em regiões remotas, precariedade de infraestrutura e escassez de insumos básicos. Má gestão,  corrupção e burocracia também corroem a eficácia do sistema e levam a esses e outros desamparos.

Aos 35 anos, é hora de resgatar o espírito original do Sistema Único de Saúde — um sistema público, gratuito, eficiente e humano. Para isso, não basta só vontade política. É preciso coragem para enfrentar interesses corporativos e colocar a vida acima do lucro. Afinal, trata-se de um lema do SUS: "Saúde é direito de todos e dever do Estado".

 Regulação econômica das big techs

Por O Povo (CE)

Enquanto pautas de agrado dos deputados ganham precedência na Câmara, projetos de verdadeiro interesse dos brasileiros são tratados como um embaraço a atrapalhar as prioridades exclusivas dos senhores parlamentares

A polêmica aprovação da PEC da Blindagem, na Câmara dos Deputados, e a urgência para a tramitação do projeto de anistia aos acusados de tentativa de golpe de Estado, dominaram o noticiário dos últimos, prendendo a atenção do público.

Talvez por isso tenha ganhado pouco destaque no noticiário um importante projeto de lei que o governo federal enviou à Câmara dos Deputados, na quarta-feira, tratando da regulação econômica das big techs. O objetivo é estabelecer medidas para combater práticas prejudiciais à concorrência no meio digital.

O projeto propõe ajustes no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência para criar novos mecanismos para impedir o abuso do poder econômico por grandes plataformas digitais.

Sem regras estabelecidas, a tendência é que poucas empresas centralizem os dados dos usuários, reduzindo a competitividade. Assim, as grandes podem impor condições desleais aos concorrentes menores, como favorecer o próprio serviço.

É importante esclarecer que o projeto de lei não aborda questões relativas ao conteúdo. A regulação econômica busca equilibrar o grande poder dessas plataformas digitais, promovendo uma disputa justa entre as empresas, resguardando também os direitos do consumidor, como facilitar a portabilidade de dados de uma empresa para outra.

Para dar conta dessas novas tarefas, será reforçado o papel do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), com a criação da Superintendência de Mercados Digitais, cuja tarefa será fiscalizar a atuação econômica das empresas digitais.

O Cade poderá estabelecer quais serão as "plataformas sistêmicas" e definir as obrigações especiais para elas. Enquadram-se como "sistêmicas" empresas com faturamento superior a R$ 5 bilhões anuais no Brasil e R$ 50 bilhões de arrecadação mundial.

O Brasil está atrasado nessa regulamentação. Na União Europeia, a Lei de Mercados Digitais, que regula os negócios das plataformas, está em vigor desde 2023, com regras para impedir práticas comerciais abusivas.

Para o projeto de ajustes no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência virar lei, será preciso esperar a boa vontade do Congresso Nacional, que está mais preocupado com seus próprios negócios. Enquanto pautas importantes ficam no fim da fila, sem previsão de quando serão apreciadas, os congressistas cuidam da própria proteção. É o caso da aprovação da PEC da Blindagem e a caracterização de "urgência" para a tramitação da anistia aos golpistas de 8 de janeiro,

Enquanto pautas de agrado dos deputados — especialmente os do Centrão e aliados de Bolsonaro — ganham precedência na Câmara, projetos de verdadeiro interesse dos brasileiros são tratados como um embaraço a atrapalhar as prioridades exclusivas dos senhores parlamentares.

 


 

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