O Globo
Convocação para protestos no domingo pela
primeira vez une esquerda e setores mais à direita, mas capacidade de
mobilização ainda é dúvida
As redes sociais passaram os últimos dias em
polvorosa diante dos arreganhos da Câmara dos Deputados. A aprovação da
Proposta de Emenda Constitucional da Blindagem, rapidamente rebatizada de PEC
da Bandidagem, conseguiu a façanha cada vez mais rara de unir esquerda e
setores da direita.
Mas qual o peso da indignação coletiva nestes tempos em que deputados e senadores já estão relativamente blindados das ruas mesmo antes da aprovação da PEC? O contato desses políticos com suas bases se dá cada vez mais pelo duto das emendas que pelo contato olho no olho, e o voto de opinião se tornou residual ou hiperideologizado.
Fica até relativamente fácil virar as costas
para o mínimo bom senso e se fiar na certeza de que, em breve, “todo mundo
esquece”, como deputados que celebraram a vitória do rolo
compressor de Hugo Motta na Câmara dizem quando questionados a
respeito da ousadia da manobra. O próprio Motta, operando de forma que seria
vexatória para qualquer presidente da Câmara até bem pouco tempo atrás, tem
dito a aliados que se importa mais em costurar “para dentro” que em prestar
contas a essa coisa cada vez mais difusa chamada sociedade civil.
A esquerda passará por um teste de
mobilização importante neste domingo. Estão convocadas manifestações “em todo o
Brasil” contra o combo blindagem-anistia. Artistas, intelectuais e juristas
engrossam o coro de “sem anista” e os apelos para que o Senado seja a “voz da
razão” num Congresso que parece de costas aos interesses do cidadão pagador de
impostos.
Os últimos anos têm mostrado que a capacidade
de encher a Avenida Paulista hoje é muito maior na direita, sobretudo pela
máquina de mobilização permanente do bolsonarismo e pelo apoio decisivo de
denominações evangélicas, que também usam seu aparato de comunicação para
encorpar os atos em apoio ao ex-presidente. PT e sindicatos, principais
catalisadores de grandes passeatas de esquerda em décadas passadas, perderam
massa crítica depois de crises como mensalão e Lava-Jato e não chegaram a
recuperá-la nem nos atos pela democracia que ajudaram a impulsionar a derrota
de Bolsonaro em 2022.
É fato que os deputados exageraram na dose e
podem despertar o senso de cidadania que andava em estado de latência,
substituído pelo caminho fácil dos posts indignados nas redes, outro terreno em
que, ainda assim, direita e extrema direita costumam vencer de goleada.
O governo, até aqui, tem sido menos relevante
nesse enredo que os núcleos coadjuvantes do remake de “Vale tudo”. Todas as
manobras acontecem sem que o Planalto consiga influir, e nem a pretensa
indignação manifestada por Lula diretamente a Motta foi capaz de fazê-lo sequer
hesitar em capitanear esse show de horrores.
Agora, Lula conta com a possibilidade de o
Senado estancar as duas medidas indigestas, o que significa se fiar demais na
disposição de Davi Alcolumbre de comprar a briga com seus pares do Centrão. Um
dos caminhos para fidelizá-lo já está afiançado: seus ministros não serão
demitidos na leva de descarte do União Progressista, o consórcio comandado pela
dupla Antônio Rueda e Ciro Nogueira, grandes artífices da PEC da Bandidagem
harmonizada com anistia para golpistas.
A outra aposta é justamente no renascimento
da frente ampla, tendo as manifestações de domingo como estopim inicial.
Ministros estão liberados para ir para a rua, e a avaliação do palácio é que,
mesmo se não houver sucesso e o tratoraço passar, o ganho de imagem para Lula
virá com a percepção de que o governo tenta avançar com pautas de interesse do
povo, enquanto o Congresso só trabalha em causa própria. Mas, se os atos
floparem, o resultado pode ser o contrário: a comprovação da cínica máxima
segundo a qual o “desgaste passa” e, assim, vale a pena ousar ainda mais da
próxima vez.
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