Correio Braziliense
A prisão do ex-presidente e de militares
golpistas é um passo histórico, mas insuficiente para garantir a consolidação
democrática se os políticos continuarem brincando de política
Depois da longa história de golpes contra a democracia, é natural que democratas comemorem a condenação de golpistas pela Justiça. Mas o Brasil precisa saber que juízes punem golpistas, mas não constroem democracia. Só políticos podem construí-la, se tiverem maturidade para fazê-la eficiente, justa e respeitada pela população. A indignação dos eleitores é mais indutora de golpes do que as armas de militares. A própria Justiça que prende golpistas, desincentiva a democracia quando, baseada nas leis da política, protege juízes corruptos com aposentadorias precoces no lugar de cadeia.
A atual geração de políticos transmite
impressão de que não há adultos na sala da República. Adultos consideram as
consequências de seus atos para o conjunto da sociedade e para o futuro. Sob
essa perspectiva, a política brasileira está carente de adultos, os políticos
parecem brincar, sem responsabilidade com o país e seu futuro. Crianças não
pensam no coletivo nem no longo prazo — querem seus doces e brinquedos para
saciar seus desejos imediatos. Nossos representantes se comportam da mesma
forma: brincam de votos, de eleições, de projetos de lei e até de reformas
constitucionais. Sobretudo, brincam com o destino dos recursos públicos, sem
considerar os interesses comuns da população nem o futuro da nação.
As emendas parlamentares, algumas sob a forma
de "Pix", é exemplo dessa brincadeira. Grande parte desses recursos
tem sido destinada a projetos de caráter eleitoreiro, voltados a agradar
aliados em troca de apoio político, sem coordenação com as prioridades do país,
nem consequência no enfrentamento dos desafios nacionais. A ação política hoje
está repleta de devaneios típicos das brincadeiras infantis, sem consequência
real na condução da nação. Os parlamentares brincam com o dinheiro público e se
beneficiam dele sem compromisso com o conjunto da sociedade.
A própria ideia de anistiar criminosos que
atentaram contra a democracia não é algo que se espere de adultos comprometidos
com a democracia. Mas também não se comportam como adultos os democratas que
comemoram o gesto maduro dos juízes, mas não tomam as atitudes necessárias para
consolidar a democracia. A prisão do ex-presidente e de militares golpistas é
um passo histórico, mas insuficiente para garantir a consolidação democrática
se os políticos continuarem brincando de política, enriquecendo com a
corrupção, ignorando as necessidades do povo, mantendo supersalários,
mordomias, privilégios, desperdícios e sem assegurar educação de base com alta
qualidade para todos.
São raros, hoje, os líderes que podem ser
considerados suficientemente adultos para pensar no futuro do país, respeitar o
povo, articular uma base de apoio sólida para realizar os projetos necessários
e formular estratégias para construir a nação que desejamos. Isso exigiria
definir prioridades e pactuar sacrifícios no presente, em nome de um futuro
comum para todos, o que caracterizaria adultos fazendo política, e não
brincando de fazer política.
Hoje, na sala da República, parece não haver
adultos. Temos políticos claramente infantilizados que pedem proteção a
grandalhões do bairro vizinho para bater em seus compatriotas com tarifaço e
outras ameaças contra a soberania nacional. São políticos infantis e traidores
da pátria. Mas aqueles que defendem a soberania não parecem entender que, na
ótica adulta, essa defesa exige mais do que julgamento jurídico, requer unidade
nacional que ultrapasse o núcleo restrito ao governo e seus aliados.
A soberania não se sustenta em um país onde a
nação é confundida com o partido no poder: ou ela pertence a todos — salvo os
traidores —, ou não resiste. Para defender a soberania com o apoio de todos —
excetuando os traidores —, é preciso dialogar, estender a mão, construir pactos
com todos os que a desejam, mesmo que com divergências eleitorais e
estratégicas. Requer a formulação e a implantação de uma agenda comum que
viabilize a unidade necessária para justificar e sustentar a nação soberana.
Essa, talvez, seja a mais grave infantilidade da política atual: a incapacidade
de construir uma agenda comum para um destino compartilhado, com democracia
consolidada, sem pobreza, sem corrupção, com distribuição justa da renda.
*Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)

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