O Globo
A anistia seria uma derrota do estado de
direito diante da exigência de um grupo político condenado justamente por ter
atentado contra a democracia
Não há razão para anistiar o ex-presidente
Jair Bolsonaro e seus companheiros de aventura golpista, sobretudo porque a
reivindicação vem a bordo de uma chantagem política baseada na ameaça de um
governo estrangeiro. A anistia, assim, seria uma derrota do estado de direito
diante da exigência de um grupo político condenado justamente por ter atentado
contra a democracia. Seria uma incoerência em si mesma uma decisão nesse
sentido, que destoaria dos demais processos históricos anteriores, quando a
anistia sempre foi dada como maneira de pacificação por parte do governo
legitimamente eleito, ou, como no caso da anistia no golpe militar de 1964, da
ditadura agonizante que buscava salvar os seus diante da tendência majoritária
no país contrária à sua permanência.
Tanto que a extinção do AI-5 já havia sido decretada e, em seguida, a eleição, mesmo indireta, garantiu o fim da ditadura elegendo Tancredo Neves presidente da República. Em todos os casos, a anistia veio como um gesto de pacificação de governos legítimos ou de ditaduras decadentes. Agora, os perdedores querem anistia para continuar a ameaçar a democracia, aproveitando-se dela para tentar desmontar o estado de direito por dentro.
Os diversos casos acontecidos na nossa
História, de anistiados que voltaram a atentar contra a democracia até vencerem
no golpe militar de 1964, só demonstram que os governos democráticos que deram
anistia como gesto pacificador tiveram como resposta a renovada tentativa de
golpe. Desta vez, se os derrotados na tentativa de golpe mesmo assim se
sentirem em condições de exigir uma anistia a seus crimes, nada indica que
novas tentativas não serão feitas.
A onda de violência política que domina tanto
o Brasil quanto os Estados Unidos, para ficarmos nesses dois países que, no
momento, vivem ambientes políticos radicalizados, não pode ser alimentada por
leniência diante dos que a fazem instrumento de uma guerra insana, distorcendo
sua finalidade, que é a ordenação moral das sociedades. Carl von Clausewitz,
filósofo e teórico militar escreveu que “a guerra é a continuação da política
por outros meios”, mas não queria dizer que a guerra existia depois de
esgotados os recursos da política. Pelo contrário, achava que a política sempre
deveria ser usada para o intercâmbio entre as forças em disputa, mesmo durante
a guerra.
Não há desculpa, portanto, para que se deixe
de fazer política, no sentido de dialogar com forças adversas, para se partir
para a guerra. Nos tempos atuais, o assassinato do líder extremista de direita
Charlie Kirk nos Estados Unidos, ou a facada que sofreu Jair Bolsonaro na
campanha eleitoral de 2018, são exemplos de atitudes “de guerra” contra o
adversário, assim como a invasão da Praça dos Três Poderes foi parte de uma
tentativa de golpe contra a democracia. Nos dois primeiros casos citados, tudo
indica que foram atos isolados de pessoas envenenadas pelo clima violento em
vigor. No caso da intentona de janeiro de 2023, e na invasão do Capitólio nos
Estados Unidos, são fatos culminantes de uma tentativa de impedir que a vitória
do adversário político se oficializasse.
Não é aceitável qualquer desses atentados à
democracia, vindos da direita ou da esquerda. É preciso aceitar a alternância
de poder e compreender as eleições como o único instrumento válido para
reverter o resultado negativo para a força política derrotada. Se o objetivo
das forças partidárias em disputa é o progresso do país que almejam governar,
qualquer tentativa de burlar a legislação vigente, ainda mais com violência, só
pode trazer retrocessos. Os excessos de qualquer um dos Poderes constituídos,
anulando o sistema de pesos e contrapesos imaginado por Montesquieu, mesmo que
em busca de uma suposta Justiça, só faz abrir brecha para golpistas.
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