sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Um teto caótico para a divida pública. Por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Teto de endidividamento federal seria de 80% do PIB e pode ser votado na semana que vem

Limite impediria BC de fazer política de juros e exigiria cortes inviáveis na despesa

Senado está para votar um projeto que, aprovado, pode dar cabo da política monetária do Banco Central, da capacidade do BC de regular a taxa básica de juros, a Selic. De um dia para o outro. A resolução pode também criar crises tais como vemos nos Estados Unidos quando a dívida do governo federal daquele país atinge um certo limite, mas ainda piores.

Pois é o que propôs o senador Renan Calheiros (MDB-AL) em projeto de resolução do Senado, emendado pelo relator Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). "Projeto de resolução" trata de "matéria da competência privativa do Senado", como determina a Constituição para limites de endividamento. Aprovou, acabou.

Na presente versão do texto, a dívida bruta do governo central não poderia ultrapassar o equivalente a 80% do PIB. Trata-se aqui da dívida geral dos governos descontadas as dívidas de estados e municípios: perto de 74% do PIB.

Ou, então, a dívida não poderia ultrapassar 6,5 vezes a receita corrente líquida do governo federal. Dada uma receita líquida de 12%, a dívida não poderia ultrapassar o equivalente ora a 78% do PIB.

Se ultrapassado o limite da dívida, o ministro da Fazenda teria de prestar contas. Muito além disso, o governo federal estaria sujeito às restrições dos artigos 31 e 9 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Diz o artigo 31 da LRF que, se a dívida passar do limite, o governo deve levá-la de volta ao determinado pela lei em três quadrimestres, com um corte inicial necessário de 25% no primeiro quadrimestre depois do estouro. Para resumir uma história enrolada, para que isso fosse possível seria necessário fazer cortes homéricos de despesas, tanto as primárias como aquelas com juros.

No entanto, o artigo 9 da LRF diz que "não serão objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias".

Não é possível, é como tirar a meia sem tirar o sapato, não há meios legais de cortar despesas obrigatórias, o grosso da despesa. Congresso e governo nem ao menos diminuem o ritmo de crescimento de despesas que estouram qualquer tentativa de teto de gastos (não de dívida), como o teto de Michel Temer ou o de Luiz Inácio Lula da Silva, o "arcabouço fiscal".

Fica pior. Estourado o teto da dívida, o governo "...estará proibido de realizar operação de crédito interna ou externa, inclusive por antecipação de receita, ressalvado o refinanciamento do principal atualizado da dívida mobiliária [isto é, pagar dívida com dívida nova, "rolar"]".

A fim de manter a taxa Selic na meta definida nas reuniões do Copom, o BC precisa tirar ou colocar fundos no mercado de dinheiros entre bancos. Para tanto, grosso modo compra e vende títulos públicos (faz dívida). Atingido o teto da dívida, dá-se cabo dos meios convencionais de fazer política monetária. Falando francamente, caso seja aprovada essa resolução, as finanças do país iriam logo para o vinagre.

Fernando Haddad disse, de modo gentil, que não dá pé. "A regra que está sendo proposta... penso que não vai trazer os melhores resultados. Isso pode ser objeto de um seminário com economistas. Sugeri a ele [Calheiros] que fizéssemos um seminário com economistas de várias escolas para dizer a opinião a respeito disso".

De tão disparatada, parece coisa que não vai para a frente. Convém não bobear, porém.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.