O Globo
Com linguagem poética e raciocínio lógico, o
presidente da COP tem comunicado a urgência da ação, e o custo de nada fazer
contra a crise climática
O embaixador André Corrêa do Lago escreve cartas. Já foram oito. É parte natural da presidência da COP que ele exerce. O alerta da semana passada lembrava um princípio da evolução das espécies. “Os sobreviventes não são os mais fortes, são os mais cooperativos”. Nós, os humanos, não temos cooperado. Os riscos são existenciais. Mas, perdidos em nossas emergências e fraturas, não vemos o essencial. As conferências da Convenção do Clima são o chamado à consciência, mais profundo do que em qualquer outra reunião da ONU, de que corremos perigo extremo diante do problema criado por nós mesmos. “A inação não representa uma falha técnica, mas sim uma escolha política sobre quem vive e quem morre.”
Na oitava carta, André lembra que Lula chamou
a COP 30 de “a COP da verdade”, “na qual seremos postos à prova em nossa
capacidade de deixar de lado as diferenças e enfrentar a crise climática como a
ameaça existencial que ela representa”. Infelizmente, não fomos capazes, até
agora, de colocar as diferenças de lado. Tanto que a maior potência do mundo
está na contramão, a que nega existir o fato que de fato existe. O negacionismo
militante de Donald Trump levou-o
a sair do Acordo de Paris, perseguir entidades científicas, cortar recursos que
ajudam a preparar o mundo para as tragédias que as emissões de gases de efeito
estufa já contrataram.
Que Trump é um retrocesso histórico e
civilizatório sabemos. O pior é o efeito contágio. Outros países estão recuando
e até mudando atitudes que tiveram no passado. Basta ver o que aconteceu com as
NDCs. No festival de siglas que uma COP produz, essa é uma das mais conhecidas.
As NDCs são as metas nacionalmente determinadas de cada país. Ou seja, as
nações dizem quais as metas de redução das emissões vão seguir. O problema é
que somando tudo o que os países voluntariamente se propuseram a fazer a meta
do Acordo de Paris não será atingida, e o mundo terá um aumento da temperatura
além de 1,5°C. Foi isso que o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse
dias atrás. Já construímos as bases para que a meta não seja cumprida. Por
isso, o Brasil fez um chamado ao aumento das ambições nas metas nacionais, e
apresentou sua própria proposta que elevou o compromisso de cortar as emissões
de gases de efeito estufa. Noves fora, a aposta em produzir petróleo até no mar
da Amazônia, o fato é que o Brasil foi o primeiro a elevar sua meta de cortar
CO2. O balanço até agora é melancólico: apenas 67 países apresentaram suas
novas metas e o segundo prazo final já se esgotou. A expectativa é de que 105
países apresentem, até a COP, as suas NDCs. E que no final do ano sejam,
segundo se diz no governo brasileiro, 125 países. Tudo somado é menos do que
precisamos.
Na primeira carta do embaixador, ele falou da
era perigosa em que o mundo está entrando, em todos os países, “em que os ricos
se isolam atrás de muros resilientes ao clima, enquanto os pobres permanecem
expostos”. Ao falarem na entrevista coletiva sobre a oitava carta, o embaixador
André Corrêa do Lago, e a diretora executiva da COP, Ana Toni, alertaram para
um ponto que pode mobilizar vontades: os investimentos necessários em
adaptação, como as obras de infraestrutura, vão significar aumento da atividade
econômica e geração de emprego. Há uma economia da adaptação. E há uma escolha,
investimento em adaptação ou o gasto defensivo para reparar os custos de
tragédias depois que elas aconteceram. Tivemos um exemplo disso na inundação de
Porto Alegre.
— Se não houver gasto com adaptação, quanto
vai se gastar muito mais para enfrentar os efeitos dos desastres? O
investimento de US$ 300 bilhões por ano, financiado pelos países desenvolvidos,
criaria 280 milhões de empregos diretos — explicou o embaixador na coletiva.
Cada carta teve o seu recado. Em geral é uma
mistura de palavras emocionadas e a lógica de números e argumentos. Que as
cartas encontrem os destinatários de olhos e ouvidos preparados para
recebê-las. Na oitava, o aviso é que estão subestimados e subfinanciados os
esforços para preparar o mundo para o que já está acontecendo.
“A COP 30 acontece no epicentro da crise
climática, no entanto, das águas que avançam e dos céus que se transformam,
emerge uma força profunda — a determinação das pessoas em proteger o que amam.
Em Belém, onde os rios encontram o mar, renovemos a aliança entre a humanidade
e a natureza”.

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