Correio Braziliense
O Brasil deixou de ser apenas
consumidor da droga, produzida na Bolívia, Venezuela e na Colômbia, para se
tornar um corredor de exportação
Uma frase infeliz do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o tráfico e o consumo de drogas, durante entrevista em Jacarta, na Indonésia, virou a nova dor de cabeça do governo — justamente quando o petista começava a voar em céu de brigadeiro nas pesquisas de opinião. Sua popularidade vinha em recuperação, apesar de contingenciada por problemas econômicos (déficit fiscal) e sociais (segurança) objetivos, que o governo tenta contornar com medidas voltadas à classe média e à população de baixa renda. Volta e meia, porém, Lula fala o que não deveria, como agora, e colide com o senso comum da maioria da sociedade.
Durante a coletiva, Lula afirmou que seria
“mais fácil”, para Brasil e Estados Unidos, “combater viciados” e soltou um
disparate: “Os usuários são responsáveis pelos traficantes, que são vítimas dos
usuários também”. Respondia a uma pergunta sobre as ações dos EUA contra o
narcotráfico na Venezuela. Ao se corrigir, Lula admitiu que havia se expressado
mal e que as ações do governo são mais importantes que suas palavras.
Por linhas tortas, Lula tocou num ponto
sensível: o consumo de drogas nos Estados Unidos, um grave problema de saúde
pública, fomenta o tráfico internacional. O uso de opioides, como o fentanil,
cuja principal rota passa pelo México, matou mais de 70 mil pessoas por
overdose em 2023; em 2024, as mortes ultrapassaram 80 mil. Um a cada seis
americanos consome maconha mensalmente e, apesar da legalização em vários
estados, o FBI registrou 188 mil prisões por posse da droga em 2024. Cerca de
2% da população já consumiu cocaína — a segunda droga mais popular —,
consolidando os EUA como seu maior mercado. Seu derivado mais popular, o crack
virou epidemia.
O consumo de drogas permeia todo o tecido
social norte-americano. A cocaína, em especial, é uma droga de desempenho:
usada para ampliar energia, criatividade e libido. No livro “O revólver que
sempre dispara” (Casa Amarela), Emanoel Ferraz Vespucci e Ricardo Vespucci
descrevem com clareza seus efeitos e consequências. “A cocaína parece tornar
tudo possível. Provocando uma superestimulação do sistema nervoso central, ela
age como fortíssimo indutor do raciocínio rápido, da inteligência, além de
neutralizar o estresse natural e o medo, ou simples prudência, que a vida
impõe”.
Segundo os autores, a droga torna homens e
mulheres mais intrépidos, capazes de dias e noites de alta produção
profissional e intensa atividade social. No submundo, faz os bandidos mais
ousados e destemidos. Estimula vigorosamente a sexualidade e os orgasmos.
“Acontece que o efeito das doses passa e o Superman volta a ser Clark Kent”.
Esses atributos fazem da cocaína uma droga de elite, consumida por artistas,
executivos e políticos, sob medida para o modo de vida competitivo, mas se
torna autodestrutiva quando sai do controle. A dependência torna a vida normal
insuportável, e as doses crescem e se tornam mais frequentes, até o colapso.
Encontro com Trump
O presidente Donald Trump intensificou a
presença militar dos EUA no Caribe, alegando combater o narcotráfico. Nesta
semana, autorizou operações secretas da CIA na Venezuela. Com a expansão da
territorialização do tráfico, o Brasil deixou de ser apenas consumidor da
cocaína produzida na Bolívia, Venezuela e Colômbia para se tornar um corredor
de distribuição, sobretudo para a Europa. O Primeiro Comando da Capital (PCC) e
o Comando Vermelho (CV), as maiores quadrilhas, se infiltraram na política e se
internacionalizaram.
Lula e Trump devem se reunir neste domingo
(26), à margem da cúpula do Sudeste Asiático. O presidente brasileiro confirmou
a reunião e disse que “não há assunto proibido” entre os dois. Será o primeiro
encontro oficial desde a crise provocada pelo tarifaço de 50% aplicado por
Washington sobre produtos brasileiros. Ambos haviam conversado por telefone e
trocado cumprimentos rápidos na ONU, quando Trump disse ter tido uma “química
excelente” com Lula.
A fala de Lula em Jacarta pautou o tema das
drogas, ou seja, levantou a bola para Trump criar mais um contencioso com o
Brasil. Após a repercussão negativa, o governo divulgou nota na qual reafirma
que “não tolera o tráfico de drogas e atua com rigor e inteligência, obtendo
resultados históricos contra as organizações criminosas”. Lembrou a
megaoperação de agosto contra o PCC, em oito estados — só na Avenida Faria
Lima, em São Paulo, foram 42 dos 350 alvos.
Segundo o governo, ações da Polícia Federal
retiraram R$ 7 bilhões em bens de criminosos em 2024, mais que o dobro do ano
anterior. A Polícia Rodoviária Federal apreendeu 850 toneladas de drogas —
outro recorde. O número de operações contra o crime organizado quase dobrou
desde 2022, passando de 1.875 para 3.393. O governo brasileiro vem
intensificando o combate ao tráfico, especialmente contra o esquema de lavagem
de dinheiro operado pelo PCC. A Operação Carbono Oculto desarticulou um esquema
bilionário no setor de combustíveis.
No momento, Lula mantém vantagem nas
pesquisas para 2026. Levantamento AtlasIntel/Bloomberg (15 a 19/10) mostra o
petista com 52% das intenções de voto, contra 44% de Tarcísio de Freitas
(Republicanos); 43% de Michelle Bolsonaro (PL); 44% de Jair Bolsonaro (PL); 35%
de Romeu Zema (Novo); 36% de Ronaldo Caiado (União) e 37% de Ratinho Jr. (PSD).
Apesar do céu de brigadeiro, Lula precisa cuidar das nuvens pesadas formadas
por suas próprias palavras.

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