O Globo
A defesa da democracia é uma tarefa
cotidiana. Em tempos que correm, ou a defendemos de pé ou assistiremos, de
joelhos, a sua erosão
A revista “Insight Inteligência” publica em seu próximo número, a sair na terça-feira, um depoimento do jurista Oscar Vilhena e do economista Arminio Fraga em que narram as articulações para a realização do ato de 11 de agosto de 2022 na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, no que o editor da Revista, o cientista político Christian Lynch, classifica de “o mais expressivo gesto da sociedade civil em defesa da democracia e contra o golpismo de Jair Bolsonaro”. Lynch uniu os dois em um depoimento fundamental, que mostra como diversos intelectuais, empresários e ativistas se reuniram para tentar frear o avanço antidemocrático do governo bolsonarista, que já dava indícios de que planejava um autogolpe.
À constatação de que as democracias liberais
estão sob ataque, no Brasil e no mundo, o grupo reuniu-se para debater aquele
momento, e os movimentos que poderiam ser feitos. “Havia a necessidade de se
contrapor àquelas ameaças à democracia, cada vez mais evidentes”, dizem eles.
Em uma conversa com Neca Setúbal surgiu a ideia de reunir um grupo de pessoas
comprometidas com a democracia, mas que viessem de distintos pontos e tivessem
distintas trajetórias. Pessoas que tivessem interlocução com os mais diversos
setores da sociedade e que pudessem contribuir para a melhor compreensão
daquele momento, assim como com alguma capacidade de mobilizar esses distintos
setores para reagirem aos riscos institucionais cada vez mais iminentes.
Prontamente, figuras como José Eduardo
Cardozo, Miguel Reale Jr., Raul Jungmann, Maria Hermínia Tavares de Almeida,
Sueli Carneiro e Patrícia Campos Melo aceitaram participar desse diálogo. A
primeira preocupação colocada era ter um grupo plural. “Era preciso reconstruir
as pontes de diálogo rompidas a partir de 2013”. Os primeiros a serem chamados
foram Miguel Reale Jr e José Eduardo Cardozo. “Se aceitassem participar,
teríamos um bom símbolo. Afinal foram os advogados que participaram, em lados
opostos, do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff” A partir de
então, por volta de março de 2022, montaram uma rotina de reuniões remotas,
quase sempre às sextas-feiras, para que pudessem compartilhar visões sobre a
conjuntura política e institucional, assim como receber convidados que pudessem
ampliar a compreensão sobre os eventos. Em 2022, os ataques ficam ainda mais
incisivos, notadamente a partir da reunião com embaixadores no Palácio do
Planalto, em que Bolsonaro desfere uma série de inverdades contra o processo
eleitoral e as urnas eletrônicas.
Pouco depois, tiveram um almoço com Josep
Borrell, então alto representante da União Europeia para os Negócios Exteriores
e vice-presidente para assuntos de Política Externa, que veio ao Brasil para
uma série de conversas centradas nas ameaças à democracia. “Isso dá a medida do
impacto que a reunião de Bolsonaro com os embaixadores teve para a comunidade
internacional, a ponto de o vice-presidente da União Europeia vir ao Brasil
para conversar com grupos da sociedade civil a fim de entender o que estava
acontecendo”.
Um general com quem conversaram nesses
momentos de tensão cunha uma definição muito interessante: “Bolsonaro é um
assediador dos comandos”. Este mesmo general dizia que os altos-comandos das
Forças Armadas estavam resistindo, mas não havia garantia de que seria possível
segurar as patentes mais baixas em caso de alguma conflagração.
Na análise de Oscar Vilhena e Arminio Fraga,
Bolsonaro, assim como Trump e outros populistas, trabalha o tempo todo com o
conceito de que o sistema está implantando uma ditadura. “Quem confunde tutela
autoritária com salvação pública prepara o terreno para o estado de exceção
permanente. Se as instituições vacilam, cabe à sociedade ocupar a linha de
frente – com voz, voto, organização e vigilância cotidiana. A defesa da
democracia é uma tarefa cotidiana. Em tempos que correm, ou a defendemos de pé
ou assistiremos, de joelhos, a sua erosão”.
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