quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Foz do Amazonas e soberania, por David Zylbersztajn

O Estado de S. Paulo

Atendidas todas as precauções ambientais necessárias, o País tem em mãos uma oportunidade histórica

Venho estudando e acompanhando as discussões sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial brasileira (que vai do Rio Grande do Norte até o Amapá) e mais especificamente na região da Bacia Sedimentar da Foz do Amazonas.

Por causa disso, estive recentemente no Amapá para um encontro em que ouvi lideranças acadêmicas e políticas locais, que raramente têm conseguido vocalizar seus argumentos e anseios. Nós, “sudestinos”, perdemos a capacidade ou o desejo de escutar quem deveríamos.

As mudanças climáticas e o aquecimento global são um consenso científico e factual, e a parte mais importante do aquecimento da atmosfera decorre da queima de combustíveis fósseis.

O mundo depende, nos dias de hoje, de 80% de energia fóssil. Não é uma boa notícia. São números inconvenientes que demonstram que temos essencialmente uma questão de demanda, mais do que de oferta. E que, mesmo que a curva desejada de redução de energia fóssil se acelere, todos os cenários apontam, até os mais otimistas, para uma dependência sempre acima de 50% em 2050. O consumo de energia no planeta é extremamente desigual, com sociedades abastadas versus uma enorme população carente de recursos energéticos mínimos. Cerca de 3 bilhões de pessoas consomem em média per capita, por ano, o equivalente a uma geladeira americana. Metade da população da África Subsaariana não tem acesso à eletricidade. A Índia comemora ter conseguido reduzir para 50% a dependência de combustíveis fósseis para a produção de energia elétrica. Na África do Sul, esse porcentual está acima de 60%.

Sob este quadro, a exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas reveste-se de questões que devem ser analisadas à luz de números, fatos e interesses das sociedades locais, do País e da soberania brasileira sobre a exploração de seus recursos.

Os primeiros poços exploratórios demandados pela Petrobras encontram-se a quase 600 quilômetros da real foz do Rio Amazonas e a 175 quilômetros da costa do Amapá. Diante de estudos atualizados e do histórico exploratório da Petrobras em águas profundas, os riscos associados são extremamente baixos sobre o bioma. Em caso de um improvável acidente, o óleo vazado seria transportado por correntes marítimas em sentido contrário ao da Foz do Rio Amazonas.

Quanto à segurança energética nacional, a não abertura de novas fronteiras exploratórias poderá levar o Brasil a se tornar dependente da importação de petróleo em um horizonte de 12 a 15 anos. O denominado Atlântico Equatorial (Amapá e as Guianas) tem se revelado uma nova fronteira, com grandes volumes de petróleo já em produção na Guiana.

Os indicadores regionais de renda, educação, saúde, acesso a água tratada e esgotamento sanitário são os piores do Brasil. Mais especificamente, hoje, na Amazônia, 1/3 da região está dominada pelo crime organizado, é vítima de desmatamento e garimpo ilegais, da biopirataria, do contrabando de ouro e de animais silvestres e da exploração sexual de crianças e adolescentes.

A Amazônia precisa de socorro. Precisa de recursos financeiros, humanos, científicos e tecnológicos. Recursos à altura para a melhoria da vida de 30 milhões dos brasileiros desassistidos e de combate às atividades criminosas.

Diante dos cenários da prevalência dos combustíveis fósseis nas próximas décadas, a extração responsável de óleo e gás natural na Bacia da Foz do Amazonas não reduzirá ou aumentará em uma molécula o consumo mundial de petróleo, nem será a responsável pelo aumento das emissões de CO2. Por causa da demanda, se não for produzido aqui, será produzido em outro lugar. No ano passado, China, EUA e Europa, os grandes responsáveis pelas emissões globais (em estoque e em fluxo), bateram recordes de produção e consumo de energia fóssil.

As estimativas bilionárias de arrecadação com royalties, se bem utilizadas, poderão alavancar o desenvolvimento social e econômico local e enfrentar o imenso rol de crimes já mencionados. Parte destes recursos serviria para equipar e qualificar pessoal do Ibama, da Polícia Federal, das Forças Armadas, das polícias e órgãos ambientais locais. Além disso, fomentar a pesquisa regional, feita por quem ali vive e conhece a região.

O Brasil já é um exemplo planetário no quesito de produção e uso de fontes de energia renováveis. Não podemos cair na armadilha que possa comprometer nossa segurança energética e o domínio soberano do Estado sobre a Amazônia. Nem impedir que sejam beneficiadas populações secularmente esquecidas e não ouvidas, além de reverter o curso da tragédia que se avizinha. Não se pode condenar milhões de brasileiros a sub-cidadãos, enquanto países vizinhos enriquecem. E mesmo dentro do Brasil, não se justifica o dedo de culpa apontado para o Norte enquanto prevalece o silêncio obsequioso em relação ao petróleo extraído há décadas na Região Sudeste.

Atendidas todas as precauções ambientais necessárias, o País tem em mãos uma oportunidade histórica de reduzir desigualdades regionais, fortalecer nossa segurança energética e criar os meios necessários para reverter a grave ameaça que paira sobre o futuro da Amazônia.

 

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