O Estado de S. Paulo
Atendidas todas as precauções ambientais necessárias, o País tem em mãos uma oportunidade histórica
Venho estudando e acompanhando as discussões
sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial brasileira (que vai do Rio
Grande do Norte até o Amapá) e mais especificamente na região da Bacia
Sedimentar da Foz do Amazonas.
Por causa disso, estive recentemente no Amapá
para um encontro em que ouvi lideranças acadêmicas e políticas locais, que
raramente têm conseguido vocalizar seus argumentos e anseios. Nós,
“sudestinos”, perdemos a capacidade ou o desejo de escutar quem deveríamos.
As mudanças climáticas e o aquecimento global são um consenso científico e factual, e a parte mais importante do aquecimento da atmosfera decorre da queima de combustíveis fósseis.
O mundo depende, nos dias de hoje, de 80% de
energia fóssil. Não é uma boa notícia. São números inconvenientes que
demonstram que temos essencialmente uma questão de demanda, mais do que de
oferta. E que, mesmo que a curva desejada de redução de energia fóssil se
acelere, todos os cenários apontam, até os mais otimistas, para uma dependência
sempre acima de 50% em 2050. O consumo de energia no planeta é extremamente
desigual, com sociedades abastadas versus uma enorme população carente de recursos
energéticos mínimos. Cerca de 3 bilhões de pessoas consomem em média per
capita, por ano, o equivalente a uma geladeira americana. Metade da população
da África Subsaariana não tem acesso à eletricidade. A Índia comemora ter
conseguido reduzir para 50% a dependência de combustíveis fósseis para a
produção de energia elétrica. Na África do Sul, esse porcentual está acima de
60%.
Sob este quadro, a exploração de petróleo na
Bacia da Foz do Amazonas reveste-se de questões que devem ser analisadas à luz
de números, fatos e interesses das sociedades locais, do País e da soberania
brasileira sobre a exploração de seus recursos.
Os primeiros poços exploratórios demandados pela Petrobras encontram-se a quase 600 quilômetros da real foz do Rio Amazonas e a 175 quilômetros da costa do Amapá. Diante de estudos atualizados e do histórico exploratório da Petrobras em águas profundas, os riscos associados são extremamente baixos sobre o bioma. Em caso de um improvável acidente, o óleo vazado seria transportado por correntes marítimas em sentido contrário ao da Foz do Rio Amazonas.
Quanto à segurança energética nacional, a não
abertura de novas fronteiras exploratórias poderá levar o Brasil a se tornar
dependente da importação de petróleo em um horizonte de 12 a 15 anos. O
denominado Atlântico Equatorial (Amapá e as Guianas) tem se revelado uma nova
fronteira, com grandes volumes de petróleo já em produção na Guiana.
Os indicadores regionais de renda, educação,
saúde, acesso a água tratada e esgotamento sanitário são os piores do Brasil.
Mais especificamente, hoje, na Amazônia, 1/3 da região está dominada pelo crime
organizado, é vítima de desmatamento e garimpo ilegais, da biopirataria, do
contrabando de ouro e de animais silvestres e da exploração sexual de crianças
e adolescentes.
A Amazônia precisa de socorro. Precisa de
recursos financeiros, humanos, científicos e tecnológicos. Recursos à altura
para a melhoria da vida de 30 milhões dos brasileiros desassistidos e de
combate às atividades criminosas.
Diante dos cenários da prevalência dos
combustíveis fósseis nas próximas décadas, a extração responsável de óleo e gás
natural na Bacia da Foz do Amazonas não reduzirá ou aumentará em uma molécula o
consumo mundial de petróleo, nem será a responsável pelo aumento das emissões
de CO2. Por causa da demanda, se não for produzido aqui, será produzido em
outro lugar. No ano passado, China, EUA e Europa, os grandes responsáveis pelas
emissões globais (em estoque e em fluxo), bateram recordes de produção e consumo
de energia fóssil.
As estimativas bilionárias de arrecadação com
royalties, se bem utilizadas, poderão alavancar o desenvolvimento social e
econômico local e enfrentar o imenso rol de crimes já mencionados. Parte destes
recursos serviria para equipar e qualificar pessoal do Ibama, da Polícia
Federal, das Forças Armadas, das polícias e órgãos ambientais locais. Além
disso, fomentar a pesquisa regional, feita por quem ali vive e conhece a
região.
O Brasil já é um exemplo planetário no
quesito de produção e uso de fontes de energia renováveis. Não podemos cair na
armadilha que possa comprometer nossa segurança energética e o domínio soberano
do Estado sobre a Amazônia. Nem impedir que sejam beneficiadas populações
secularmente esquecidas e não ouvidas, além de reverter o curso da tragédia que
se avizinha. Não se pode condenar milhões de brasileiros a sub-cidadãos,
enquanto países vizinhos enriquecem. E mesmo dentro do Brasil, não se justifica
o dedo de culpa apontado para o Norte enquanto prevalece o silêncio obsequioso
em relação ao petróleo extraído há décadas na Região Sudeste.
Atendidas todas as precauções ambientais
necessárias, o País tem em mãos uma oportunidade histórica de reduzir
desigualdades regionais, fortalecer nossa segurança energética e criar os meios
necessários para reverter a grave ameaça que paira sobre o futuro da Amazônia.
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