quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Notícias sobre a atuação das facções na política, por Fernando Exman

Valor Econômico

Segundo pesquisa Datafolha, 19% dos entrevistados dizem que facções ou milícias estão em suas vizinhanças. Isso representa 31,6 milhões de eleitores

Leio, com poucos dias de diferença, que um a cada cinco brasileiros vive sob influência de organizações criminosas e a Polícia Civil de São Paulo investiga se uma licitação milionária realizada pela Prefeitura de Praia Grande teria motivado a execução do ex-delegado Ruy Ferraz Fontes. Relembro conversa recente com um influente parlamentar do Estado do Ceará.

O congressista relata episódios vividos por aliados, procurados por emissários de facções criminosas oferecendo apoio nas últimas eleições municipais. Dinheiro e votos. Diante das negativas, o assédio cessou. Mas apenas temporariamente.

Um desses prefeitos recebeu uma visita já depois de eleito e o interlocutor exigiu, para que o mandato seguisse em paz, que determinada facção fizesse uma indicação para a área responsável pelos contratos da administração local. Com a recusa e sem provas para apresentar às autoridades, restou-lhe lamentar ao importante aliado no Parlamento e pedir anonimato.

Em todos os Poderes, é crescente a preocupação de autoridades em Brasília com a inserção do crime organizado na política. Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vêm há anos alertando para esse assunto. No Executivo e em órgãos de controle, o risco foi apontado já nas últimas eleições municipais.

Alguns auxiliares diretos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva têm a convicção de que o crime organizado se sustenta hoje, principalmente, por meio do tripé formado por emendas parlamentares ao Orçamento, “bets” que operam à margem do marco regulatório e fintechs que se aproveitam das brechas existentes na regulamentação do setor financeiro. Para eles, é fundamental que sejam mantidos os esforços conjuntos em operações policiais e o embate no Supremo envolvendo as emendas.

Decidida a expor movimentações suspeitas na capital federal, outra ala argumenta que é difícil explicar por que projetos que buscam combater o crime organizado enfrentam tamanha resistência em setores do Congresso. Um exemplo infelizmente sempre atual é o projeto do Devedor Contumaz, que visa coibir fraudes como as combatidas por recentes operações policiais envolvendo o setor de combustíveis e fintechs. A proposta foi aprovada no Senado, porém agora tem futuro incerto na Câmara.

Por outro lado, há quem pondere que não interessa ao crime organizado entrar para valer na disputa por cadeiras no Congresso Nacional. Chamaria muita atenção. É mais produtivo e menos arriscado infiltrar-se nas prefeituras e câmaras de vereadores de pequenas cidades e municípios fronteiriços, onde o controle das instituições locais lhes garante mercados e facilidades. Pelo menos neste momento.

É alarmante, portanto, a recente pesquisa do Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo o levantamento, 19% das pessoas entrevistadas dizem que facções ou milícias estão em suas vizinhanças. Isso representa 31,6 milhões de pessoas. Ou, em outras palavras, 31,6 milhões de eleitores.

De acordo com a sondagem, concentram os maiores índices de presença de milícias e facções as grandes cidades, capitais e a região Nordeste. Não há distinção entre classes sociais. Porém, a taxa é maior entre autodeclarados pretos, evidenciando mais uma vez a desigualdade racial que o Brasil precisa resolver.

O número cresceu 5 pontos percentuais em relação ao ano passado - a sondagem entrevistou, entre 2 e 6 de junho, 2.007 cidadãos em 130 municípios de todas as regiões do país. Todos eles com mais de 16 anos de idade. Isso mostra a potencial influência que o crime organizado pode ter na política no período eleitoral.

Mas, como denuncia o aliado daquele influente parlamentar cearense, já está também escancarada em alguns locais a pressão das facções criminosas para controlar os departamentos de licitações e contratos das prefeituras. E é por isso que merece atenção a informação publicada pelo g1 de que a polícia paulista investiga se um processo de licitação para a ampliação do sistema de câmeras de monitoramento e internet sem fio de Praia Grande teria motivado o assassinato de Ruy Ferraz Fontes.

Executado em 15 de setembro após encerrar o expediente, o ex-delegado era secretário de Administração da prefeitura. Já havia a suspeita do envolvimento do PCC no caso e, com as revelações, servidores passaram a ser alvos das apurações.

São bem-vindos os sinais da Câmara dos Deputados de que, finalmente, algumas propostas na área de segurança pública entraram na pauta prioritária. Um dos projetos aumenta a pena para homicídio de agentes públicos. Outro dificulta o retorno de criminosos reincidentes às ruas. Se a PEC da Segurança também avançar, a Casa dará uma resposta objetiva a uma crescente preocupação da sociedade. A ausência da proposta do Devedor Contumaz não deixa de ser notada.

Coincidência ou não, o movimento ocorre às vésperas de eleições suplementares marcadas para domingo (26) no Ceará. Santa Quitéria irá às urnas para escolher o substituto do prefeito que foi cassado, entre outras irregularidades, por ter recebido apoio de uma facção criminosa. Não é um caso isolado. Outros municípios do Estado devem passar pelo mesmo processo de eleição suplementar até o fim do ano. Em Choró, há a suspeita de desvio de uma emenda no valor de R$ 10 milhões.

 

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