Valor Econômico
Segundo pesquisa Datafolha, 19% dos entrevistados dizem que facções ou milícias estão em suas vizinhanças. Isso representa 31,6 milhões de eleitores
Leio, com poucos dias de diferença, que um a
cada cinco brasileiros vive sob influência de organizações criminosas e a
Polícia Civil de São Paulo investiga se uma licitação milionária realizada pela
Prefeitura de Praia Grande teria motivado a execução do ex-delegado Ruy Ferraz
Fontes. Relembro conversa recente com um influente parlamentar do Estado do
Ceará.
O congressista relata episódios vividos por
aliados, procurados por emissários de facções criminosas oferecendo apoio nas
últimas eleições municipais. Dinheiro e votos. Diante das negativas, o assédio
cessou. Mas apenas temporariamente.
Um desses prefeitos recebeu uma visita já depois de eleito e o interlocutor exigiu, para que o mandato seguisse em paz, que determinada facção fizesse uma indicação para a área responsável pelos contratos da administração local. Com a recusa e sem provas para apresentar às autoridades, restou-lhe lamentar ao importante aliado no Parlamento e pedir anonimato.
Em todos os Poderes, é crescente a
preocupação de autoridades em Brasília com a inserção do crime organizado na
política. Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vêm há anos alertando
para esse assunto. No Executivo e em órgãos de controle, o risco foi apontado
já nas últimas eleições municipais.
Alguns auxiliares diretos do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva têm a convicção de que o crime organizado se sustenta
hoje, principalmente, por meio do tripé formado por emendas parlamentares ao
Orçamento, “bets” que operam à margem do marco regulatório e fintechs que se
aproveitam das brechas existentes na regulamentação do setor financeiro. Para
eles, é fundamental que sejam mantidos os esforços conjuntos em operações
policiais e o embate no Supremo envolvendo as emendas.
Decidida a expor movimentações suspeitas na
capital federal, outra ala argumenta que é difícil explicar por que projetos
que buscam combater o crime organizado enfrentam tamanha resistência em setores
do Congresso. Um exemplo infelizmente sempre atual é o projeto do Devedor
Contumaz, que visa coibir fraudes como as combatidas por recentes operações
policiais envolvendo o setor de combustíveis e fintechs. A proposta foi
aprovada no Senado, porém agora tem futuro incerto na Câmara.
Por outro lado, há quem pondere que não
interessa ao crime organizado entrar para valer na disputa por cadeiras no
Congresso Nacional. Chamaria muita atenção. É mais produtivo e menos arriscado
infiltrar-se nas prefeituras e câmaras de vereadores de pequenas cidades e
municípios fronteiriços, onde o controle das instituições locais lhes garante
mercados e facilidades. Pelo menos neste momento.
É alarmante, portanto, a recente pesquisa do
Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo o levantamento,
19% das pessoas entrevistadas dizem que facções ou milícias estão em suas
vizinhanças. Isso representa 31,6 milhões de pessoas. Ou, em outras palavras,
31,6 milhões de eleitores.
De acordo com a sondagem, concentram os
maiores índices de presença de milícias e facções as grandes cidades, capitais
e a região Nordeste. Não há distinção entre classes sociais. Porém, a taxa é
maior entre autodeclarados pretos, evidenciando mais uma vez a desigualdade
racial que o Brasil precisa resolver.
O número cresceu 5 pontos percentuais em
relação ao ano passado - a sondagem entrevistou, entre 2 e 6 de junho, 2.007
cidadãos em 130 municípios de todas as regiões do país. Todos eles com mais de
16 anos de idade. Isso mostra a potencial influência que o crime organizado
pode ter na política no período eleitoral.
Mas, como denuncia o aliado daquele influente
parlamentar cearense, já está também escancarada em alguns locais a pressão das
facções criminosas para controlar os departamentos de licitações e contratos
das prefeituras. E é por isso que merece atenção a informação publicada pelo g1
de que a polícia paulista investiga se um processo de licitação para a
ampliação do sistema de câmeras de monitoramento e internet sem fio de Praia
Grande teria motivado o assassinato de Ruy Ferraz Fontes.
Executado em 15 de setembro após encerrar o
expediente, o ex-delegado era secretário de Administração da prefeitura. Já
havia a suspeita do envolvimento do PCC no caso e, com as revelações,
servidores passaram a ser alvos das apurações.
São bem-vindos os sinais da Câmara dos
Deputados de que, finalmente, algumas propostas na área de segurança pública
entraram na pauta prioritária. Um dos projetos aumenta a pena para homicídio de
agentes públicos. Outro dificulta o retorno de criminosos reincidentes às ruas.
Se a PEC da Segurança também avançar, a Casa dará uma resposta objetiva a uma
crescente preocupação da sociedade. A ausência da proposta do Devedor Contumaz
não deixa de ser notada.
Coincidência ou não, o movimento ocorre às
vésperas de eleições suplementares marcadas para domingo (26) no Ceará. Santa
Quitéria irá às urnas para escolher o substituto do prefeito que foi cassado,
entre outras irregularidades, por ter recebido apoio de uma facção criminosa.
Não é um caso isolado. Outros municípios do Estado devem passar pelo mesmo
processo de eleição suplementar até o fim do ano. Em Choró, há a suspeita de
desvio de uma emenda no valor de R$ 10 milhões.
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