Valor Econômico
Aliados do presidente começam a se preocupar
com o aparente excesso de autoconfiança
Nelson Rodrigues considerava “falsa a
entrevista verdadeira”, alegando que o entrevistado jamais revelará o que
realmente pensa ou sente ao repórter. Por isso, lançou as “entrevistas imaginárias”,
as únicas em que seria possível arrancar verdades do entrevistado que ele não
diria nem ao padre em confissão nem ao psicanalista no divã. O local era
importante. Não poderia ser um gabinete nem uma sala. Estabeleceu que deveria
ser um terreno baldio, com apenas três presentes: o repórter, o entrevistado e
a “cabra vadia”, porque incapaz de uma traição. “Realmente, nunca se viu uma
cabra sair por aí fazendo inconfidências”, desafiou, em crônica publicada em O
Globo em 1968.
O aguardado encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump neste domingo (26), em Kuala Lumpur, é o mote para a coluna parafrasear o cronista e propor os “diálogos imaginários”. A data da reunião, que ainda não foi confirmada, sugere que o brasileiro deverá introduzir a conversa, mais uma vez, lembrando que antes de serem líderes de seus países, são dois senhores de 80 anos em uma sala, e que essa condição lhes permite serem informais um com o outro.
“Eu estou completando 80 anos de idade e você
vai completar 80 anos em junho”, dirá Lula. Trump vai retrucar que ouviu
exatamente isso do brasileiro há 20 dias, no telefonema de 6 de outubro. Então
Lula explicará ao líder americano que tem duas datas de aniversário, porque o
dia 6 consta do documento oficial, enquanto segundo sua mãe, Dona Lindu, ele
nasceu no dia 27 de outubro. Trump vai achar tudo isso natural, e o diálogo
fluirá cordialmente. Em malaio.
Este é um diálogo imaginário, mas não é
improvável, porque Lula, que tem esbanjado autoconfiança, deverá repetir a
tática da espontaneidade, à qual costuma recorrer para “quebrar o gelo”, a fim
de desarmar o interlocutor. Quem teve acesso aos detalhes do encontro de 39
segundos nos bastidores da Assembleia-Geral da ONU, em 23 de setembro, afirma
que Lula desarmou Trump quando o americano lhe estendeu a mão para um
cumprimento, e o petista respondeu com um abraço.
Entretanto, a conjuntura internacional nesse
período de pouco mais de um mês, desde o telefonema de 6 de outubro,
agravou-se, em uma advertência de que será necessário mais do que química e
espontaneidade para distensionar os fatos que estarão sobre a mesa. Além do
pleito para que os Estados Unidos reconsiderem a tarifa adicional de 40% sobre
as nossas exportações, e suspendam as sanções impostas a autoridades
brasileiras, é esperado que Lula aborde a movimentação de tropas americanas na
América do Sul, os bombardeios no Caribe e a ameaça de Trump à Venezuela e à
Colômbia.
Enquanto isso, no Brasil, aliados do
presidente começam a se preocupar com o aparente excesso de autoconfiança do
petista. Uma autoafirmação que se manifestou, por exemplo, em uma declaração
nessa quinta-feira (23), durante a visita de Estado à Indonésia. “Vou disputar
um quarto mandato no Brasil”, avisou Lula, categórico como nunca. Até então,
ele tergiversava, ponderando que só iria concorrer se apresentar a mesma saúde
de agora, quando se sente um octogenário com disposição “de 30 anos”.
Com a recuperação nas pesquisas, e a abertura
de portas estratégicas, até então lacradas a sete chaves, Lula passou a
esbanjar autoconfiança. A primeira porta que se abriu foi a da Casa Branca, com
o telefonema entre Lula e Trump. A outra porta aberta foi com um importante
segmento evangélico. O bispo Samuel Ferreira, da Assembleia de Deus de
Madureira, com quem Lula e o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge
Messias, que é membro da Igreja Batista, se reuniram no Palácio do Planalto no
dia 16 de outubro, emerge como uma das principais lideranças do universo
protestante. Ele foi acompanhado do deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), uma
das lideranças da frente parlamentar evangélica. Até o início de 2023, ambos
eram ligados ao bolsonarismo, e agora, começam a corresponder aos acenos do governo.
Aproximar-se de lideranças evangélicas
tornou-se mais estratégico do que nunca para Lula. Em primeiro lugar, porque o
petista espera que o respaldo senão da bancada evangélica como um todo, ao
menos, da maioria desses parlamentares, ao nome de Messias para o Supremo
Tribunal Federal (STF), sirva de contrapeso à articulação do presidente do
Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e de ministros da Corte a favor do senador
Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Em paralelo, o presidente conta com Messias como um
trunfo para se aproximar do eleitorado evangélico, cuja maioria continua fiel
ao bolsonarismo. Pesquisa Quaest do início do mês mostrou que 63% desse
segmento desaprova o governo, enquanto apenas 34% chancelam a gestão petista.
Simultaneamente, Lula tem uma série de
obstáculos pela frente, antes de subir no salto, precipitadamente, alertam
petistas que orbitam o entorno presidencial. Um deles é concluir a votação do
projeto de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil.
Aliado do governo, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) não tem pressa para levar
o seu parecer ao plenário, e há o receio de que Alcolumbre demonstre sua
insatisfação com a escolha de Messias para o STF.

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