sexta-feira, 24 de outubro de 2025

O diálogo imaginário entre Lula e Trump, por Andrea Jubé

Valor Econômico

Aliados do presidente começam a se preocupar com o aparente excesso de autoconfiança

Nelson Rodrigues considerava “falsa a entrevista verdadeira”, alegando que o entrevistado jamais revelará o que realmente pensa ou sente ao repórter. Por isso, lançou as “entrevistas imaginárias”, as únicas em que seria possível arrancar verdades do entrevistado que ele não diria nem ao padre em confissão nem ao psicanalista no divã. O local era importante. Não poderia ser um gabinete nem uma sala. Estabeleceu que deveria ser um terreno baldio, com apenas três presentes: o repórter, o entrevistado e a “cabra vadia”, porque incapaz de uma traição. “Realmente, nunca se viu uma cabra sair por aí fazendo inconfidências”, desafiou, em crônica publicada em O Globo em 1968.

O aguardado encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump neste domingo (26), em Kuala Lumpur, é o mote para a coluna parafrasear o cronista e propor os “diálogos imaginários”. A data da reunião, que ainda não foi confirmada, sugere que o brasileiro deverá introduzir a conversa, mais uma vez, lembrando que antes de serem líderes de seus países, são dois senhores de 80 anos em uma sala, e que essa condição lhes permite serem informais um com o outro.

“Eu estou completando 80 anos de idade e você vai completar 80 anos em junho”, dirá Lula. Trump vai retrucar que ouviu exatamente isso do brasileiro há 20 dias, no telefonema de 6 de outubro. Então Lula explicará ao líder americano que tem duas datas de aniversário, porque o dia 6 consta do documento oficial, enquanto segundo sua mãe, Dona Lindu, ele nasceu no dia 27 de outubro. Trump vai achar tudo isso natural, e o diálogo fluirá cordialmente. Em malaio.

Este é um diálogo imaginário, mas não é improvável, porque Lula, que tem esbanjado autoconfiança, deverá repetir a tática da espontaneidade, à qual costuma recorrer para “quebrar o gelo”, a fim de desarmar o interlocutor. Quem teve acesso aos detalhes do encontro de 39 segundos nos bastidores da Assembleia-Geral da ONU, em 23 de setembro, afirma que Lula desarmou Trump quando o americano lhe estendeu a mão para um cumprimento, e o petista respondeu com um abraço.

Entretanto, a conjuntura internacional nesse período de pouco mais de um mês, desde o telefonema de 6 de outubro, agravou-se, em uma advertência de que será necessário mais do que química e espontaneidade para distensionar os fatos que estarão sobre a mesa. Além do pleito para que os Estados Unidos reconsiderem a tarifa adicional de 40% sobre as nossas exportações, e suspendam as sanções impostas a autoridades brasileiras, é esperado que Lula aborde a movimentação de tropas americanas na América do Sul, os bombardeios no Caribe e a ameaça de Trump à Venezuela e à Colômbia.

Enquanto isso, no Brasil, aliados do presidente começam a se preocupar com o aparente excesso de autoconfiança do petista. Uma autoafirmação que se manifestou, por exemplo, em uma declaração nessa quinta-feira (23), durante a visita de Estado à Indonésia. “Vou disputar um quarto mandato no Brasil”, avisou Lula, categórico como nunca. Até então, ele tergiversava, ponderando que só iria concorrer se apresentar a mesma saúde de agora, quando se sente um octogenário com disposição “de 30 anos”.

Com a recuperação nas pesquisas, e a abertura de portas estratégicas, até então lacradas a sete chaves, Lula passou a esbanjar autoconfiança. A primeira porta que se abriu foi a da Casa Branca, com o telefonema entre Lula e Trump. A outra porta aberta foi com um importante segmento evangélico. O bispo Samuel Ferreira, da Assembleia de Deus de Madureira, com quem Lula e o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, que é membro da Igreja Batista, se reuniram no Palácio do Planalto no dia 16 de outubro, emerge como uma das principais lideranças do universo protestante. Ele foi acompanhado do deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), uma das lideranças da frente parlamentar evangélica. Até o início de 2023, ambos eram ligados ao bolsonarismo, e agora, começam a corresponder aos acenos do governo.

Aproximar-se de lideranças evangélicas tornou-se mais estratégico do que nunca para Lula. Em primeiro lugar, porque o petista espera que o respaldo senão da bancada evangélica como um todo, ao menos, da maioria desses parlamentares, ao nome de Messias para o Supremo Tribunal Federal (STF), sirva de contrapeso à articulação do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e de ministros da Corte a favor do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Em paralelo, o presidente conta com Messias como um trunfo para se aproximar do eleitorado evangélico, cuja maioria continua fiel ao bolsonarismo. Pesquisa Quaest do início do mês mostrou que 63% desse segmento desaprova o governo, enquanto apenas 34% chancelam a gestão petista.

Simultaneamente, Lula tem uma série de obstáculos pela frente, antes de subir no salto, precipitadamente, alertam petistas que orbitam o entorno presidencial. Um deles é concluir a votação do projeto de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil. Aliado do governo, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) não tem pressa para levar o seu parecer ao plenário, e há o receio de que Alcolumbre demonstre sua insatisfação com a escolha de Messias para o STF.

 

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