sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Projeto antifacções é necessidade urgente, por Vera Magalhães

O Globo

Proposta traz mecanismos ousados e rompe com abordagem tradicional da esquerda para segurança pública

Depois de meses de debates e alguma dose de disputa político-institucional, o Projeto de Lei antifacção, cujas linhas gerais foram apresentadas nesta semana, representa um avanço real e urgente para dotar o Estado brasileiro de instrumentos necessários para combater o crime organizado.

Ao definir o que são as facções criminosas no controle de presídios e territórios inteiros, e ao estabelecer mecanismos mais arrojados para identificar seus líderes e asfixiá-las financeiramente, a proposta avança em relação ao ordenamento jurídico hoje existente, como a lei das organizações criminosas, cujo escopo é genérico demais.

As facções passarão a ser categorizadas como organizações criminosas qualificadas, e os crimes por elas praticados se enquadrarão na categoria de hediondos. Há uma série de circunstâncias ligadas a elas que majoram as penas hoje previstas no Código Penal.

Trata-se de uma guinada na abordagem tradicional da esquerda para a segurança pública, e a demora na definição de detalhes do projeto se deveu também a debates entre a ala mais pragmática levada por Ricardo Lewandowski ao Ministério da Justiça e setores da academia e do PT que historicamente atuam nesse tema.

Houve outras disputas, algumas claramente ditadas pela busca de protagonismo no combate às facções. A ideia de que houvesse uma agência nacional coordenando o trabalho das polícias foi alvejada pelo veto da Polícia Federal (PF). A PF argumentava internamente que a ideia era um lobby do Ministério Público, que gostaria de criar um “Gaecão” (referência ao grupo de combate ao crime organizado do MP de São Paulo) para mandar nas polícias.

Da forma como ficou, o projeto discretamente dá à PF o papel de coordenação que ela não quis ver delegado à nova agência. Falta os governadores toparem esse modelo, já que a ideia da PF hipertrofiada foi uma das razões por que os estados bombardearam a outra medida do governo Lula para a segurança, a Proposta de Emenda à Constituição que anda devagar no Congresso.

Outra divergência que explica os meses de maturação do projeto dizia respeito ao próprio nome da matéria. Ao trocar “máfia” por “facção”, o Ministério da Justiça procurou dar uma definição mais técnica aos grupos que se quer atacar e evitar associações indevidas com organizações como a Máfia italiana. Isso poderia abrir brechas até à defesa de intervenções internacionais no Brasil, algo que os Estados Unidos demonstram disposição de intensificar.

Mesmo com todas essas dificuldades de compatibilizar visões e com eventuais atenuações, a proposta, se passar no Congresso, tem, sim, potencial de permitir avanços numa luta que as forças de segurança e os governos têm perdido de lavada.

A criação do Banco Nacional de Organizações Criminosas permitirá unificar as informações disponíveis a respeito das principais facções e seus cabeças. A infiltração de policiais e colaboradores nesses bandos, algo que já existe, ganhará mais sistematização e mais garantias, para que aconteça de forma mais segura e mais célere.

E mecanismos novos, como a possibilidade de constituir pessoas jurídicas fictícias, permitirá o mapeamento das atividades econômicas em que o crime organizado está implantado, uma vez que elas têm se diversificado em velocidade difícil de acompanhar pelos métodos de investigação convencionais.

Resta esperar que a proposta não entre na gaveta da Casa Civil, temido matadouro de ideias de outras pastas. E que, ao ser enviada para o Congresso, não vire alvo da disputa, cada vez mais explícita, entre governo e oposição com vista exclusivamente às eleições. Afinal, trata-se do assunto mais vital para que o Brasil não caminhe de forma irreversível na direção dos países em que o crime controla a economia, a política, os territórios e as instituições.

 

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