O Globo
Na Europa, onde regulações são bastante
populares, avião que cobra por tudo, do amendoim à mochila, pode. E funciona
Circula pelos corredores do Congresso
Nacional a ideia de obrigar as companhias aéreas a não cobrar a mais para quem
levar uma mala de mão. Seria uma lei bastante popular. Afinal, não falta quem
ache absurdo cada cobrancinha a mais na hora de pagar o bilhete. E, no entanto,
é exatamente esse tipo de regra que mata a possibilidade de o Brasil vir a ter
uma aérea de baixo custo, ao estilo da Ryan Air ou da easyJet europeias. Na
Europa, onde regulações são bastante populares, avião que cobra por tudo, do
amendoim à mochila, pode. E funciona.
Quem mergulha nos números públicos da Anac entende que, de 2000 para cá, o mercado aéreo brasileiro cresceu e o preço das passagens caiu, quando reajustados pela inflação. A maioria não tem essa impressão no dia a dia. O motivo é que a queda ocorre nos preços médios. Viajar na terça-feira no meio da tarde é barato, na sexta-feira no início da noite é caro. Oferta, demanda. A maioria, logicamente, tem a experiência de buscar nos horários mais disputados.
É o drama do preço médio. Quando uma
companhia aérea se compromete a operar uma linha, ela tem de atender muitos
horários. Precisa cobrar o menos possível para haver gente nos voos que ninguém
quer pegar. E precisa recuperar o prejuízo nos voos que todos desejam. É do
jogo. Para o consumidor, é uma escolha. A conveniência do horário ou o preço mais
confortável.
Não é só isso que torna a experiência de
viajar de avião no Brasil ruim. Os sistemas das três grandes companhias são um
desespero. Todo mundo que viaja regularmente sabe. Nossa experiência de compra,
em qualquer plataforma de comércio eletrônico, é suave. Os softwares retêm
nossa identidade, os campos já vêm preenchidos. Há memória de compras passadas,
de pequenos hábitos. Às vezes, nem percebemos como a vida é facilitada para que
qualquer compra ocorra com a menor fricção possível.
Companhias aéreas são exceção. Trabalham com
tecnologia de 20 anos atrás. Isso ocorre porque há um duopólio. Duas grandes
plataformas de tecnologia, Amadeus e Sabre, fazem reservas, emitem bilhetes,
controlam assentos, preços, integram agências de viagem com apps e sites. Cada
integração é única e um pequeno pesadelo de reproduzir. Bugs se amontoam, não
há memória. Em muitos passos, não importa se o passageiro tem a máxima
graduação no programa de milhagem. É como se ele fosse um anônimo chegando pela
primeira vez. Qualquer erro de preenchimento leva o usuário de volta à estaca
zero. É um desespero. A ideia de começar a incluir mais adicionais, como mala
de mão, não alivia esse ambiente.
Ainda assim, existe a regulação boa e a ruim.
A boa obriga revisões técnicas constantes, impõe rotinas que garantem segurança.
Rigorosa com pontualidade, com obediência a rotas. Com frequência de voos. A
regulação ruim deseja controlar o que pode ser cobrado e o que não pode. Peso é
peso. Se o avião leva, será cobrado. A diferença é só uma: se o valor será
dividido por todos ou bancado apenas por aqueles que usam o serviço. Mesmo que
muitos não sintam, o que fez o negócio da aviação crescer no Brasil, de 2000
para cá, e ao mesmo tempo fez os preços caírem, é a liberdade que existe para
incluir adicionais como bagagem na passagem. É caro, sim, muitas vezes. Mas, se
fosse obrigatório, o resultado não seria levar qualquer coisa sem pagar. Seria
esconder o preço e aumentar o custo de forma generalizada.
Os técnicos da Anac são contra essa
regulação. Os funcionários públicos pagos para entender desse negócio não
costumam ser ouvidos, mas deveriam. Afinal, são assalariados, remunerados pelo
Estado para entender da coisa. E, em sua opinião, existe espaço no mercado para
uma companhia aérea que construa um sistema próprio, que pertença aos anos 2020
e não aos 2000, e seja particularmente agressiva no custo da passagem. Só que
ela precisará ter de onde cortar.
Nos Estados Unidos, quando a Southwest
Airlines explodiu oferecendo vantagem no custo, foi porque antes o governo
americano desregulou esse tipo de cobrança. Se hoje, na Europa, há empresas
cobrando muito barato, é porque na virada do século fizeram o mesmo por lá.
Passagem barata sempre vem depois de diminuir as regras. Nunca vem de maiores
custos.
Sim, é popular. Mas é uma ilusão. No fim,
fica ruim para todo mundo.

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