O Globo
Lista de cotados para substituir o ministro
Barroso no STF expõe pacto da masculinidade branca e ausência de diversidade
Não é mais uma questão de reclamar
representatividade. É de corrigir uma aberração. Todos os cogitados no primeiro
momento para substituir o ministro Luís
Roberto Barroso são homens brancos. Enfraquece a democracia alijar de
um espaço de poder como este todos os que não sejam do grupo hegemônico. A
aposentadoria precoce de Barroso escancara o pacto da masculinidade branca. Só
falam deles mesmos, só eles são visíveis, como se o país não tivesse
competentes juristas entre as mulheres e as pessoas negras.
Outro erro é a ideia de que o presidente Lula tem que escolher um amigo. Argumenta-se que o critério seria necessário porque a democracia ainda está em terreno instável e o STF é um poder sob ataque, tanto que alguns ministros enfrentam punições do governo americano. Essa conjuntura é real, mas não encomenda mais um “amigo” no tribunal, e sim uma pessoa com convicção democrática e formação institucional sólida.
O ministro Barroso é uma prova de que a
amizade não é a condição para que a escolha seja acertada. A presidente Dilma
não era amiga de Barroso. Certa vez, ele me contou que nem a conhecia, na
verdade. Foi chamado para uma reunião no Palácio com a presidente e depois de
longa conversa, em que nada lhe foi pedido, Barroso foi convidado pela
presidente. Certamente, Dilma se informou sobre ele, suas qualidades, seu
conhecimento jurídico, virtudes que ficaram comprovadas ao longo dos anos em
que foi juiz da Suprema Corte.
Nos últimos anos o que se viu, de um lado e
de outro do espectro político, foram escolhas com o critério da fidelidade
ideológica ou da amizade. Os ministros Kassio
Nunes Marques e André
Mendonça são vistos como ministros “bolsonaristas”, e que sempre vão
se aliar aos interesses da extrema direita. A ex-primeira- dama tratou a
aprovação do nome de Mendonça no Senado como um ato religioso. Exibiu cenas em
que fazia orações de joelhos como se houvesse ali uma batalha espiritual. O
presidente Lula escolheu o seu antigo advogado, Cristiano
Zanin.
O fundamental seria que todos os três, Nunes
Marques, André Mendonça e Cristiano Zanin, ao longo dos anos e décadas que
permanecerão no Supremo Tribunal Federal sejam capazes de demonstrar
independência em relação a quem os indicou, compromisso apenas com a toga e
lealdade apenas à Constituição. Foi o que fez o ex-ministro Joaquim Barbosa
nomeado pelo presidente Lula e depois juiz relator do caso do Mensalão, no qual
contrariou interesses do grupo político da autoridade que o indicou, para
seguir as leis do país. A ministra Cármen
Lúcia em sua brilhante carreira no STF tem comprovado autonomia nos
julgamentos e apego aos valores republicanos.
O Brasil carrega as chagas de uma profunda
desigualdade de gênero e raça. Os dados que o IBGE acaba de divulgar mostram
mais uma vez as distâncias sociais impostas às mulheres e aos negros em relação
aos homens brancos. Mulheres já são maioria entre as pessoas com curso superior
e continuam recebendo salários 37,5% menores do que os homens. O mais
expressivo sinal do preconceito é que elas sempre ganham menos do que eles em
todos os níveis educacionais, mas a diferença é maior no grupo que tem
escolaridade superior. As mulheres são 77% dos que trabalham na educação, mas
os homens recebem quase o dobro que elas. Os dados exibem disparidades ainda
mais agudas de renda entre brancos e negros.
Não há justificativa possível para um STF com
uma única mulher e nenhuma pessoa negra. A brilhante atuação da
ex-ministra Rosa Weber,
indicada pela presidente Dilma, também demonstrou que tinha todas as
qualificações para o cargo. No momento de maior risco para a democracia
brasileira, ela liderou a resistência institucional do Brasil na presidência do
tribunal. Seu voto final sobre interrupção de gravidez até a 12ª semana é
histórico. O tema é sensível e ela o enfrentou fazendo uma reflexão profunda
sobre a cidadania política sempre limitada das mulheres. Disse que o assunto
não deveria ser tratado de forma moral ou religiosa, dado que o Estado é laico,
mas como parte do direito das mulheres à autodeterminação.
Não necessariamente pessoas de grupos
discriminados têm aderência à defesa dos seus iguais. Há mulheres contra os
direitos da mulher e há negros que ignoram a luta dos negros. Porém, a
invisibilidade dos talentos que diferem do gênero e da cor dominantes mantém a
iniquidade e apequena a democracia.
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