Valor Econômico
Quem entrar no gabinete de Lula movido pela expectativa de arrancar panos quentes no Master corre o risco de sair com as mãos abanando
Quem entrar no gabinete presidencial movido
pela expectativa de arrancar panos quentes, tamanho é o imbricamento do caso
Master, corre o risco de sair com as mãos abanando. Lula I e II tinham um
projeto de poder. O de Lula III é um projeto de legado que passa, sim, pela
extensão do poder até 2030, mas se invalidará se abrigar as petições desta
pauta, venham do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal, da Casa Civil
ou do Ministério das Minas e Energia.
Sem preso algemado, condução coercitiva, imprensa na porta das operações, coletivas espalhafatosas ou uma máquina de conluios como a de Curitiba, é o Estado policial que está de volta. Na verdade, uma prolongada Black Friday do Estado policial, que vai garantir emoção na folhinha do calendário até o fim do primeiro semestre de 2026. Dos desdobramentos dos inquéritos que resultaram no desbaratamento das fraudes do INSS ao caso Master, passando pela operação Carbono Oculto e pela venda de sentenças no STJ, cabe tudo lá.
A operação nos morros do Alemão e da Penha,
no Rio, seguida pela escolha do deputado Guilherme Derrite (PP-SP) como relator
do PL Antifacção, deixaram claro, para o Palácio do Planalto, que a oposição
havia encontrado, finalmente, um projeto de poder capaz de reeditar a
dobradinha entre uma pauta (segurança pública), que saiu da direita para
alcançar também o eleitorado da esquerda, e a ânsia do Centrão por proteção.
Pareceu não restar alternativa ao presidente
senão guardar os traumas da Lava-Jato embaixo do colchão e deixar seguir. Além
da proporção tomada pela dobradinha, explicitada nas seis versões do relatório
de Derrite, colaborou ainda para o enfezamento presidencial a máquina de
decisões judiciais do STJ que faz com que o governo consiga ganhar uma bolada
num dia com uma aprovação suada no Congresso e perder duas boladas no outro com
derrotas em série no Judiciário. O presidente Lula fez chegar a uma advogada de
suas relações e com parente em Corte superior, que, se ela continuasse atuando
de maneira desabrida numa causa gigantesca contra uma grande estatal, deveria
saber que a União a derrotaria.
A pauta que o Palácio do Planalto está decidido
a abraçar alia a um discurso para a segurança pública o carimbo do embate
contra a corrupção. A direita sobe o morro para pegar os bagrinhos enquanto
Lula pega os tubarões. Falta ver como o slogan muda a vida da mãe da periferia
de Fortaleza cuja filha universitária salta no ponto de ônibus deserto às 23h
para voltar pra casa, mas é o que o Palácio tem para hoje. Para amanhã há quem
defenda que o programa de governo da campanha abrigue uma proposta de retomada
de territórios ocupados pelo crime que vá além do que as UPPs foram capazes de
oferecer. Há um projeto embrionário no Rio Grande do Norte nesse sentido do
qual ninguém sabe ninguém viu.
Ainda não se encontrou uma saída para
traduzir o impacto do combate à lavagem de dinheiro do crime organizado no
cotidiano de uma população insegura, mas tampouco se encontrou um meio de o
governo chamar para si a própria repercussão da operações da PF - cumpridas as
regras de não exposição dos réus ou espetacularização das ações. Não há uma
autoridade com perfil para tanto. A um ministro que argumentou ao presidente
com a necessidade de se ter um porta-voz para o tema como a “loirinha”
(Karoline Leavitt) de Donald Trump, Lula respondeu: “Minha loirinha é você”.
Foi em meio ao amadurecimento desta pauta no
governo que o Congresso resolveu reagir - usando as armas que o próprio
Executivo lhe deu, o PL Antifacção. A sexta versão do relatório de Derrite,
protocolado no sistema da Câmara no momento em que o deputado começou a lê-lo
no plenário, é uma mitigação das anteriores, mas continua a privar a PF de
recursos e dificultar o confisco de bens das facções criminosas. Mantém ainda a
criação de um novo tipo penal para facilitar a vida de advogados que resolvam
partir para a tática protelatória explorando artigos em conflito de um
emaranhado leis.
A relatoria do senador Alessandro Vieira
(MDB-SE) permite mais diálogo, mas o problema é o próprio Senado, abespinhado
com a escolha a ser anunciada do ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge
Messias, para o STF, e com os desdobramentos da operação que levou a prisão do
banqueiro do Master, Daniel Vorcaro.
As investigações que levaram à prisão têm
meses e a votação do PL Antifacção já havia sido anunciada pelo presidente da
Câmara, mas a concomitância dos fatos está longe de ser apenas uma
coincidência. É causa e efeito, ação e reação, do governo e da oposição, tudo
junto e misturado.
O que o Master traz para a roda com uma força
inexistente em outras operações em curso é a capacidade de chacoalhar o sistema
financeiro. Instituições que lucraram bilhões com os CDBs vitaminados do Master
jogaram a conta para o Fundo Garantidor de Crédito. Tudo legal, imoral e
importa porque a conta ficou para os grandes bancos - R$ 41 bilhões não é troco
nem aqui nem em Malta.
O imbróglio tem força para conferir a este
embate pressão por mudanças reais. Se não vai brotar do subsolo do Planalto uma
fábrica de panos quentes, há uma chance real de seu inquilino estar do mesmo
lado de grandes instituições financeiras para mudar o estado de coisas que, até
aqui, alimentou as falcatruas do Master sob o abrigo dos Poderes.

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