quinta-feira, 20 de novembro de 2025

A hora de a América Latina se ajustar, por Assis Moreira

Valor Econômico

O custo será mais doloroso se a região demorar a construir uma base mais sólida capaz de elevar a produtividade e promover inclusão e sustentabilidade

A América Latina necessita realmente reconfigurar sua composição econômica para responder aos desafios atuais. É a mensagem, nada nova, mas revigorada, agora num cenário global mais turbulento, feita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Em novo relatório sobre as perspectivas econômicas da região, na qual o Brasil tem forte peso, a constatação é de que o crescimento econômico está desacelerando na América Latina, em linha com a economia global. A expansão do Produto Interno Bruto (PIB) per capita estabilizou-se próximo ao seu crescimento potencial. A inflação persistente, as vulnerabilidades fiscais, as tensões geopolíticas e as perturbações relacionadas ao clima continuam a representar riscos, variando conforme as diferentes estruturas econômicas, composições das exportações e capacidades institucionais.

O levantamento aponta alta volatilidade nos fluxos financeiros externos para a região. Os investimentos em carteira diminuíram na última década, e o investimento estrangeiro direto (IED) estagnou em meio à incerteza sobre a dinâmica do comércio global, embora os níveis permaneçam relativamente altos em comparação com outras regiões.

Sem surpresa, ao apontar os desafios econômicos da região, a OCDE dá ênfase na produtividade persistentemente baixa, que limita a competitividade e a resiliência, gera crescimento insuficiente e uma fraca convergência com as economias desenvolvidas. A produtividade do trabalho na América Latina cresceu apenas 0,9% ao ano entre 1991 e 2024, em comparação com 1,2% nos países da OCDE. Os ganhos nessa área têm sido particularmente fracos no setor de serviços, agravados pelo emprego informal e por práticas insustentáveis.

No caso do Brasil, em 2024 a produtividade do trabalhador era equivalente a apenas cerca de um terço daquela observada nos países da OCDE (que reúne desde EUA, Alemanha e Japão até Coreia do Sul, México e Colômbia). A produtividade brasileira é menor que a de países como Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, México e Uruguai. Produtividade reflete não apenas carga horária, mas também fatores como escolaridade e tecnologia. Se o ritmo de seu crescimento não acelerar, o padrão de vida continuará abaixo do esperado.

Em 2023, nada menos que 55,1% dos trabalhadores na América Latina e no Caribe estavam empregados informalmente, reduzindo o espaço fiscal e enfraquecendo a proteção social. Apenas 2,1% dos empregos estão em setores de média e alta tecnologia, em comparação com 7,7% nos países da OCDE, o que restringe a capacidade de inovação.

Nesse cenário, os países da América Latina destinam, em média, somente 0,5% do PIB para políticas de desenvolvimento da produção (PDP), visando aumentar a produtividade e promover a transformação estrutural e a diversificação econômica. Em comparação, na OCDE a taxa é de 3%.

Ao mesmo tempo, a renúncia de receita pelos governos - por meio de isenções, deduções, reduções de alíquotas, créditos presumidos e outros mecanismos - absorve recursos consideráveis e representa 4% do PIB da região; desses, 0,9% é incentivo fiscal voltados especificamente para empresas. No Brasil, esse gasto fiscal chegou a 4,8% e 1,1% do PIB, respectivamente, em 2023. O IBGE calculou que o PIB do Brasil totalizou R$ 10,9 trilhões naquele ano, e, portanto, a renúncia fiscal foi de R$ 523,2 bilhões. O relatório vê poucos indícios de que certos incentivos desempenhem um papel decisivo nas decisões de localização de investimentos na região, que muitas vezes teriam ocorrido de qualquer forma.

A OCDE conclui que os gastos públicos na América Latina são distorcidos, com 80,7% destinados às necessidades correntes, em vez de investimentos de capital. Há diferentes estratégias de PDP na região, mas a falta de coordenação e os orçamentos insuficientes prejudicam a implementação. Nos 33 países da região, 197 entidades ministeriais estão envolvidas nas PDP, com dois terços dos países envolvendo cinco ou seis ministérios diferentes.

Num contexto de espaço fiscal limitado, os governos são aconselhados a efetivamente alinhar políticas horizontais que moldam toda a economia - como pesquisa e desenvolvimento (P&D), compras públicas, incentivos fiscais e apoio ao empreendedorismo - com políticas verticais voltadas para setores estratégicos como energia renovável, agricultura sustentável, indústrias digitais e economia do cuidado.

A receita não é original: os governos precisam efetivamente envolver mais os atores públicos, privados e internacionais; identificar novas fontes de financiamento; projetar instrumentos inovadores; canalizar investimentos de qualidade e apoiar setores prioritários.

O custo será mais doloroso se a região demorar a construir uma base mais sólida capaz de elevar a produtividade e promover inclusão e sustentabilidade. Quanto mais tarde isso ocorrer, maior será o preço a pagar.

 

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