Folha de S. Paulo
Toda vez que democratas negligenciam combate
ao crime, opções fora da lei se tornam mais atrativas
Quem sente na pele o poder das facções
defende confronto violento
Imagine que uma operação do Exército da Ucrânia mate
117 soldados russos, capture 115 prisioneiros de guerra e apreenda armamentos
do inimigo. A população ucraniana receberia essa notícia com alegria, mesmo
sabendo que a guerra está longe do fim.
Mesmo com a aprovação geral, críticas seriam possíveis ao governo ucraniano: a
operação faz sentido estratégico? Ela vale os recursos humanos, bélicos e
financeiros investidos? Novas operações como essa serão sustentáveis? As tropas
ucranianas cometeram crimes de guerra, como execução de soldados inimigos já
rendidos? São questionamentos importantes.
Há um tipo de crítica, contudo, que ninguém
faria: a de que se exagerou na violência contra os russos. Veja: os soldados
russos são tão humanos quanto os ucranianos e suas mães sofrem como qualquer
mãe ucraniana; mas, numa guerra, a empatia vem depois da sobrevivência.
Qualquer líder ucraniano que, nesse momento, propusesse que operações futuras
devessem minimizar as mortes russas pagaria um preço político.
Este texto não é sobre a guerra da Ucrânia, e, sim, sobre o crime organizado
brasileiro. Como toda analogia, há limites. Há diferenças jurídicas entre
cidadãos de países diferentes em guerra e o conflito contra cidadãos criminosos
do próprio país.
Quando, no entanto, uma facção domina um território, defende-o com armamento
pesado, explora-o financeiramente cobrando por serviços vários, impõe sua lei
penal internamente e, como no caso do Rio, controla a entrada e saída de
pessoas, ela já deixou de ser uma mera organização criminosa e passa a ser algo
mais próximo de um inimigo invasor do território que deveria estar sob o Estado
brasileiro. É nossa soberania que está em jogo. Se esses soldados inimigos não
entregam suas armas, então é legítimo que a polícia use força letal contra
eles.
Institutos de pesquisa, entre eles o Datafolha, revelam: a maioria da população fluminense aprovou a operação. O Atlas-Intel foi além e coletou a informação dos
moradores de favela cariocas: entre eles, a aprovação da operação chega a
87,6%. Quem sente na pele o poder das facções defende o confronto violento. E
os direitos humanos? Permitir que uma população viva à mercê do crime é também
uma violação dos direitos humanos. A opinião pública diz isso cada vez mais
alto: estamos em guerra.
A política já captou a mensagem. Nossa lei
não está dando conta. Dos 117 faccionados mortos, 78 tinham ficha criminal (por
que estavam soltos?). Classificar como terrorista é o caminho? Cabe a
discussão. O governo federal teme que a classificação justifique intervenção
indesejada do governo Trump. Mas desde quando Trump se importa com a legislação
de qualquer país? Nosso governo deveria buscar a cooperação americana nessa
guerra ao crime organizado.
A oposição já defende o confronto direto há tempos e agora surfa o sentimento
popular. Mas é preciso cobrar responsabilidade dela também: as facções não se
limitam às fronteiras estaduais; algum nível de coordenação federal, tal como
proposta na PEC da Segurança, é necessário.
O sinal está dado, a política tem que se mexer. Toda vez que os democratas
negligenciam o combate ao crime, opções antidemocráticas e fora da lei se
tornam mais atrativas. É preciso agir.

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