terça-feira, 4 de novembro de 2025

A guerra contra o crime não é uma metáfora, por Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Toda vez que democratas negligenciam combate ao crime, opções fora da lei se tornam mais atrativas

Quem sente na pele o poder das facções defende confronto violento

Imagine que uma operação do Exército da Ucrânia mate 117 soldados russos, capture 115 prisioneiros de guerra e apreenda armamentos do inimigo. A população ucraniana receberia essa notícia com alegria, mesmo sabendo que a guerra está longe do fim.

Mesmo com a aprovação geral, críticas seriam possíveis ao governo ucraniano: a operação faz sentido estratégico? Ela vale os recursos humanos, bélicos e financeiros investidos? Novas operações como essa serão sustentáveis? As tropas ucranianas cometeram crimes de guerra, como execução de soldados inimigos já rendidos? São questionamentos importantes.

Há um tipo de crítica, contudo, que ninguém faria: a de que se exagerou na violência contra os russos. Veja: os soldados russos são tão humanos quanto os ucranianos e suas mães sofrem como qualquer mãe ucraniana; mas, numa guerra, a empatia vem depois da sobrevivência. Qualquer líder ucraniano que, nesse momento, propusesse que operações futuras devessem minimizar as mortes russas pagaria um preço político.

Este texto não é sobre a guerra da Ucrânia, e, sim, sobre o crime organizado brasileiro. Como toda analogia, há limites. Há diferenças jurídicas entre cidadãos de países diferentes em guerra e o conflito contra cidadãos criminosos do próprio país.

Quando, no entanto, uma facção domina um território, defende-o com armamento pesado, explora-o financeiramente cobrando por serviços vários, impõe sua lei penal internamente e, como no caso do Rio, controla a entrada e saída de pessoas, ela já deixou de ser uma mera organização criminosa e passa a ser algo mais próximo de um inimigo invasor do território que deveria estar sob o Estado brasileiro. É nossa soberania que está em jogo. Se esses soldados inimigos não entregam suas armas, então é legítimo que a polícia use força letal contra eles.

Institutos de pesquisa, entre eles o Datafolha, revelam: a maioria da população fluminense aprovou a operação. O Atlas-Intel foi além e coletou a informação dos moradores de favela cariocas: entre eles, a aprovação da operação chega a 87,6%. Quem sente na pele o poder das facções defende o confronto violento. E os direitos humanos? Permitir que uma população viva à mercê do crime é também uma violação dos direitos humanos. A opinião pública diz isso cada vez mais alto: estamos em guerra.

A política já captou a mensagem. Nossa lei não está dando conta. Dos 117 faccionados mortos, 78 tinham ficha criminal (por que estavam soltos?). Classificar como terrorista é o caminho? Cabe a discussão. O governo federal teme que a classificação justifique intervenção indesejada do governo Trump. Mas desde quando Trump se importa com a legislação de qualquer país? Nosso governo deveria buscar a cooperação americana nessa guerra ao crime organizado.

A oposição já defende o confronto direto há tempos e agora surfa o sentimento popular. Mas é preciso cobrar responsabilidade dela também: as facções não se limitam às fronteiras estaduais; algum nível de coordenação federal, tal como proposta na PEC da Segurança, é necessário.

O sinal está dado, a política tem que se mexer. Toda vez que os democratas negligenciam o combate ao crime, opções antidemocráticas e fora da lei se tornam mais atrativas. É preciso agir.

 

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