Correio Braziliense
Lula faz avaliação de que
deve resistir às chantagens do Centrão, que gosta de ser tratado como
governista e se comporta como oposição
A semana começa com o governo politicamente
fragilizado em duas frentes simultâneas: no Senado, com a reação negativa do seu
presidente, Davi Alcolumbre (União-AP), à indicação do advogado-geral da União,
Jorge Messias, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Supremo
Tribunal Federal (STF); e na Câmara, cujo presidente, deputado Hugo Motta
(Republicanos-PB), rompeu com o líder do PT, Lindbergh Faria, por causa de
agendas identificadas com a oposição nas quais o Palácio do Planalto foi
derrotado.
O clima está ainda mais tenso porque a prisão
preventiva do ex-presidente de Jair Bolsonaro no sábado, por causa da violação
de sua tornezeleira eletrônica, reanimou articulações por uma anistia e
reacendeu o confronto com o Judiciário.
A escolha de Messias contrariou diretamente o presidente Davi Alcolumbre, que atuava para emplacar o nome do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Irritado com o anúncio, Alcolumbre pautou horas depois a votação de uma proposta de aposentadoria especial para agentes comunitários de saúde, considerada uma “pauta-bomba” pelo impacto fiscal. A leitura entre parlamentares foi imediata: o Senado decidiu impor custo político à decisão do Planalto.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner
(PT-BA), admitiu nesta segunda-feira que “não há clima” para votar a indicação
de Messias este ano. “É preciso esfriar a tensão”, afirmou, numa referência
direta ao desgaste com Alcolumbre e ao calendário apertado de fim de ano, que
inclui a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e do Orçamento.
A crise com o Senado coincide com o movimento
de afastamento de Hugo Motta em relação ao governo. Em menos de um ano no
comando da Câmara, o deputado abandonou a postura de aliado tácito do Planalto
e passou a se alinhar abertamente à oposição, em pautas consideradas essenciais
para o governo. O ápice desse movimento foi a condução do PL Antifacção,
principal aposta do governo para responder à crise de segurança pública, que
resultou numa vitória arrasadora da oposição.
Motta entregou a relatoria do texto ao
deputado Guilherme Derrite (PP-SP), secretário de Segurança de Tarcísio de
Freitas. O relator alterou pontos-chave do projeto, enfraquecendo a Polícia
Federal e transformando a medida numa vitória estratégica para o campo
bolsonarista no plano eleitoral. O governo orientou contra, mas viu o PT votar
isolado ao lado de Psol e PCdoB.
Chantagens
O desgaste cresceu nos dias seguintes. Em
entrevista, Motta declarou rompimento pessoal com o líder do PT, Lindbergh
Farias, acusando-o de usar redes e tribuna para constranger a Câmara. Lindbergh
rebateu, dizendo que “política não é clube de amigos” e classificando a reação
de Motta como “imatura”.
A insatisfação na cúpula da Câmara é antiga.
Deputados do Centrão afirmam que o Planalto descumpriu acordos sobre cargos e
liberação de emendas, além de acumular atritos em votações sensíveis, como a
queda do decreto do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e a não
tramitação da medida provisória que aumentava impostos. Para esse grupo, Motta
passou a expressar uma insatisfação difusa da Casa com a articulação política
do governo.
A prisão de Bolsonaro acirra ainda mais os
conflitos. Embora não seja a causa da fragilidade do governo, a decisão
reforçou a união da oposição e reativou a pauta da anistia, ampliando a pressão
contra o STF e um ambiente mais hostil ao Executivo. Líderes do PL passaram a
tratar a anistia como “resposta institucional” ao que chamam de “criminalização
da política”.
Nesse ambiente, a indicação de Jorge Messias
se converteu numa questão estratégica, porque o Senado era o anteparo com que o
governo contava para neutralizar pautas aprovadas na Câmara nas quais havia
sido derrotado, como foi o caso da chamada PEC da Blindagem, que impedia que
deputados federais fossem investigados sem previa autorização de seus colegas
parlamentares. que o ponto central de desgaste.
Entre líderes do Congresso, a percepção é de
que o governo chega ao final deste ano com pouca margem de manobra, dependente
de uma articulação que já vinha tensionada e agora enfrenta resistências
explícitas. A recomendação de Jaques Wagner — “esfriar a tensão” — visa a
evitar que o afastamento de Alcolumbre e Motta se transforme em ruptura
definitiva.
O diagnóstico no Congresso é de que Lula
perdeu, simultaneamente, o eixo de governabilidade na Câmara e o amortecedor
político no Senado. A combinação entre a crise envolvendo a indicação ao STF, o
realinhamento de Motta e o ambiente radicalizado pela prisão de Bolsonaro
coloca o governo numa das semanas mais difíceis, quando precisa aprovar o
Orçamento, pacificar a base e reconstruir um mínimo de cooperação com o
Legislativo.
Indiferente a esses percalços, o presidente
Lula faz uma avaliação de que deve resistir às chantagens dos parlamentares do
Centrão, que gostam de ser tratados como governistas e se comportam como
oposição em votações decisivas para o êxito do seu governo. O rompimento de
Motta e o afastamento de Alcolumbre seriam parte desse contexto, que já aponta
para as eleições de 2026.

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