segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Bolsonaro preso, mas a página não foi virada, por Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Um espectro sempre acompanhou o bolsonarismo, o de que a força pode se impor sobre as instituições

Realisticamente, contudo, ele ainda detém uma carta poderosa: a escolha de seu sucessor em 2026

Foi um anticlímax. Veio num momento em que ninguém esperava, cedo da manhã do sábado, dias antes do aguardado "transitado em julgado". Flávio Bolsonaro conclamara os militantes para uma vigília, uma "luta" espiritual pedindo ao "Senhor dos Exércitos" que corrija os erros da Justiça humana. Mas não deu tempo de colocar as tropas em posição. As câmeras da mídia também não estavam prontas. A prisão de Jair Bolsonaro em nada lembrou o espetáculo da prisão de Lula em abril 2018 na sede dos metalúrgicos, quando uma multidão veio defender o ex-presidente e dificultar o trabalho da polícia.

A ordem de Alexandre de Moraes foi correta. A aglomeração de defensores fora do condomínio poderia gerar tumulto e violência. Além disso, Bolsonaro tentou violar a tornozeleira com um ferro de solda. Não está claro se houve algum plano mirabolante ou se —o que é mais provável— foi puro fruto de um surto psiquiátrico. Seja como for, o mais seguro para todos os envolvidos —especialmente Bolsonaro— é o que aconteceu: sua transferência para a superintendência da PF com o devido acompanhamento médico constante.

Um espectro sempre acompanhou o bolsonarismo: o de que a força pode se impor sobre as instituições brasileiras. Congresso não cooperava? O povo nas ruas e nas redes haveria de enquadrá-lo. O Supremo barra decretos do governo? Ameaças aos ministros há de amedrontá-los. O TSE dá a vitória a Lula? As Forças Armadas podem virar a mesa. O poder passou de mãos? Quem sabe um ato revolucionário do povo desperta a caserna. Bolsonaro é julgado? As ameaças de Trump intimidariam a Justiça. Bolsonaro foi condenado e será preso? Mais uma vez, o sonho desesperado de que uma multidão (e uma ajudinha de Deus?) possa inviabilizar o cumprimento da ordem judicial.

Em todos os casos, o desfecho foi o mesmo: o bolsonarismo teve que engolir a derrota. Agora com a prisão do ex-presidente, quem sabe sua legião de seguidores possa finalmente entender: o Brasil tem instituições sólidas; elas podem errar, mas há caminhos legítimos internos a elas que permitem a correção dos erros. Tentar derrubá-las pela força das armas ou das multidões é uma estratégia fadada ao fracasso e que cobra um preço alto de quem tenta.

A prisão preventiva neste momento só piora as chances de Bolsonaro conseguir a transferência para a prisão domiciliar uma vez que comece a cumprir a pena. Caso se verifique que sua saúde segue estável na cela, será um motivo para mantê-lo lá. O exemplo recente de bolsonaristas fugitivos —Carla ZambelliEduardo BolsonaroAlexandre Ramagem— também pesa sobre a credibilidade de nosso Judiciário.

Que Bolsonaro cumpra sua pena em paz e consiga sua progressão de regime no tempo certo. Minha torcida pessoal é que a direita brasileira vire essa página e busque outras lideranças. Realisticamente, contudo, ele ainda detém uma carta poderosa: a escolha de seu sucessor em 2026. Todos os acontecimentos contra si e contra seus filhos só aumentam nele o veio paranóico, que o leva a se fechar no único núcleo duro em que confia: seus familiares, os mesmos que o empurram cada vez mais fundo no abismo. Os eleitores de direita seguirão abraçados a ele?

 

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