O Estado de S. Paulo
Democracias têm enorme dificuldade em julgar e impor penas de prisão a chefes do Executivo
A prisão de Jair Bolsonaro e a perspectiva de início de cumprimento de uma pena severa têm produzido interpretações polares — para uns, justiça; para outros, perseguição. Reações semelhantes ocorreram quando Lula foi preso e, depois, solto. Como demonstrei no artigo escrito com André Klevenhusen, In Court we Trust? Political Affinity and Citizen’s Attitudes Toward Court’s Decision, a forma como indivíduos avaliam decisões judiciais é amplamente afetada por vieses políticos e afetivos.
Mas o ponto central é outro: democracias encontram enorme dificuldade em julgar e impor penas privativas de liberdade a chefes do Executivo. Quando conseguem fazê-lo, demonstram força institucional – não fragilidade.
Casos ao redor do mundo mostram como isso é
raro. Na França, Chirac e Sarkozy foram condenados por corrupção. Em Israel,
dois ex-presidentes — Moshe Katsav, por estupro, e Ehud Olmert, por suborno —
receberam penas de prisão. Na América Latina, a lista é igualmente curta: no
Peru, Alejandro Toledo enfrenta extradição e Alan García cometeu suicídio
quando soube da ordem de prisão; na Bolívia, Gonzalo Sánchez de Lozada foi
responsabilizado por mortes em protestos. Esses episódios, embora graves, são
raridades globais.
Nesse contexto, Brasil e Coreia do Sul são exceções históricas. A Coreia estabeleceu um padrão singular: diversos presidentes enfrentaram processos criminais. Park Geun-hye foi condenada a 24 anos; antes dela, Chun Doo-hwan e Roh Taewoo também foram presos. Mais recentemente, o país destituiu o presidente Yoon Suk Yeol por tentativa de golpe. Trata-se de uma democracia com instituições de controle particularmente robustas.
O Brasil segue trajetória semelhante. Desde a
redemocratização, Collor foi afastado e preso; Lula condenado e preso; Temer
detido; e agora Bolsonaro enfrenta os efeitos da condenação por tentativa de
golpe. Todos os casos avançaram por meio de organizações de controle –
Ministério Público, PF, tribunais superiores – que operam com independência
incomum.
Responsabilizar um chefe do Executivo nunca é
politicamente confortável. Gera polarização e narrativas de vitimização. Mas a
alternativa – a impunidade estratégica – é muito mais perigosa. Democracias se
deterioram quando líderes podem violar regras sem consequências.
Se o Brasil continuar conduzindo esse processo com rigor, transparência e devido processo legal, enviará ao mundo uma mensagem clara: nem mesmo presidentes estão acima da lei. E isso, longe de sinalizar instabilidade, é uma demonstração rara de maturidade democrática.

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