segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Cansaço coletivo, por Letícia Mouhamad.

Correio Braziliense

Até que ponto a construção de viadutos e alargamento de faixas beneficia aqueles que dependem exclusivamente de transporte público, inclusive, do metrô?

Sou moradora de Planaltina e, desde os 18 anos, faço, de segunda a sexta-feira, o trajeto em direção ao Plano Piloto. Somadas, ida e volta totalizam cerca de 90km, e o tempo de deslocamento para cada viagem pode variar de 40 minutos a duas horas a depender do congestionamento. São, em média, 10 horas por semana gastas somente no trânsito. 

Essa jornada —  só de vir à mente já me cansa — ganha um sabor especial quando feita de ônibus e em horário de pico. As tardes de calor são um tempero a mais nesse caldeirão de trabalhadores exaustos. E, acredite, não há gentileza que resista a um assento prestes a ficar vazio. Afinal, descansar ao menos as pernas é, nesse contexto, um privilégio. 

Fato é que, depois de tantos anos vivenciando essa rotina, passar mais estresse no trânsito me parecia algo distante, pois estava calejada. Ledo engano. Com as inúmeras intervenções na BR-020, quem acordava às 5h20 precisa, agora, programar-se para levantar ao menos meia hora antes. Além da pouca paciência e da poeira, os passageiros ficam à mercê da insegurança, com desvios sinuosos nas pistas e sinalização confusa. 

Entendo a importância de obras que visam melhorar a mobilidade da comunidade. São necessárias e, naturalmente, causam transtornos. Mas pergunto-me até que ponto a construção de viadutos e o alargamento de faixas beneficiam aqueles que dependem exclusivamente de transporte público, inclusive, do metrô.

Entrevistando especialistas em trânsito, nas inúmeras ocasiões em que noticiamos o colapso dos congestionamentos, foi possível fazer algumas constatações. Concentrar os investimentos na ampliação de pistas e postergar melhorias efetivas nos coletivos passa a mensagem de que a circulação de veículos individuais é prioritária, minando a confiança da população no sistema de transporte público.

"As pessoas percebem que, com o carro, é possível cumprir suas demandas e chegar no horário adequado em suas atividades. O acúmulo desses veículos, porém, resulta em um ambiente adoecedor, tanto para os motoristas quanto para os passageiros", explicou-me, numa dessas entrevistas, a pesquisadora em transportes Zuleide Feitosa, da Universidade de Brasília (UnB).

Não bastasse passar por condições de trabalho, às vezes, injustas, aperto no fim do mês e outros tantos problemas, o trabalhador ainda adoece, veja só, por causa do trânsito. A reflexão me lembra uma publicação curiosa que, por identificação, salvei no Instagram. Nela, questionava-se: existe felicidade possível quando a cidade puxa a gente para todos os lados? 

Esse sentimento coletivo de cansaço explica o porquê vejo tantos colegas almejando mudar-se para o Plano Piloto — onde trabalham e estudam. Ganhar tempo (ou melhor, não perder tempo no trânsito) garante mais horas de sono, de estudo e de lazer. E, em um mundo cada vez mais acelerado e atarefado, quem tem tempo tem sorte.

 

 

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