Correio Braziliense
Até que ponto a construção de viadutos e
alargamento de faixas beneficia aqueles que dependem exclusivamente de
transporte público, inclusive, do metrô?
Sou moradora de Planaltina e, desde os
18 anos, faço, de segunda a sexta-feira, o trajeto em direção ao Plano Piloto.
Somadas, ida e volta totalizam cerca de 90km, e o tempo de deslocamento para
cada viagem pode variar de 40 minutos a duas horas a depender do
congestionamento. São, em média, 10 horas por semana gastas somente no
trânsito.
Essa jornada — só de vir à mente
já me cansa — ganha um sabor especial quando feita de ônibus e em horário de
pico. As tardes de calor são um tempero a mais nesse caldeirão de trabalhadores
exaustos. E, acredite, não há gentileza que resista a um assento prestes a
ficar vazio. Afinal, descansar ao menos as pernas é, nesse contexto, um
privilégio.
Fato é que, depois de tantos anos vivenciando essa rotina, passar mais estresse no trânsito me parecia algo distante, pois estava calejada. Ledo engano. Com as inúmeras intervenções na BR-020, quem acordava às 5h20 precisa, agora, programar-se para levantar ao menos meia hora antes. Além da pouca paciência e da poeira, os passageiros ficam à mercê da insegurança, com desvios sinuosos nas pistas e sinalização confusa.
Entendo a importância de obras que visam
melhorar a mobilidade da comunidade. São necessárias e, naturalmente, causam
transtornos. Mas pergunto-me até que ponto a construção de viadutos e o
alargamento de faixas beneficiam aqueles que dependem exclusivamente de
transporte público, inclusive, do metrô.
Entrevistando especialistas em trânsito, nas
inúmeras ocasiões em que noticiamos o colapso dos congestionamentos,
foi possível fazer algumas constatações. Concentrar os investimentos na
ampliação de pistas e postergar melhorias efetivas nos coletivos passa a
mensagem de que a circulação de veículos individuais é prioritária, minando a
confiança da população no sistema de transporte público.
"As pessoas percebem que, com o carro, é
possível cumprir suas demandas e chegar no horário adequado em suas atividades.
O acúmulo desses veículos, porém, resulta em um ambiente adoecedor, tanto para
os motoristas quanto para os passageiros", explicou-me, numa dessas
entrevistas, a pesquisadora em transportes Zuleide Feitosa, da Universidade de
Brasília (UnB).
Não bastasse passar por condições de
trabalho, às vezes, injustas, aperto no fim do mês e outros tantos problemas, o
trabalhador ainda adoece, veja só, por causa do trânsito. A reflexão me
lembra uma publicação curiosa que, por identificação, salvei no Instagram. Nela,
questionava-se: existe felicidade possível quando a cidade puxa a gente para
todos os lados?
Esse sentimento coletivo de cansaço explica o
porquê vejo tantos colegas almejando mudar-se para o Plano Piloto — onde
trabalham e estudam. Ganhar tempo (ou melhor, não perder tempo no
trânsito) garante mais horas de sono, de estudo e de lazer. E, em um mundo cada
vez mais acelerado e atarefado, quem tem tempo tem sorte.

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