Valor Econômico
Ajudar a reduzir os juros deveria ser uma das
principais metas do governo, mas por meio de uma política fiscal que controle o
aumento das despesas obrigatórias
O coro de críticas de integrantes do governo ao nível da Selic recomeçou. As mais recentes reclamações partiram do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e da ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, deixando claro que o presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, terá de conviver com pressões do Executivo por juros mais baixos. Em vez de criticar o BC, o governo deveria se empenhar em reduzir as incertezas sobre as contas públicas, o que ajudaria a criar condições para uma queda mais significativa da taxa. Essa, porém, não será a estratégia a ser seguida pela gestão do presidente Luiz Inácio Lula Silva, a menos de um ano das eleições presidenciais.
Os juros estão de fato elevadíssimos. Mantida
em 15% a ao ano pelo Comitê de Política Monetária (Copom) na semana passada,
uma Selic nesse nível representa uma taxa na casa de 10% em termos reais,
descontando a inflação projetada para os próximos 12 meses. O ponto é que uma
política fiscal que não indica a estabilização da dívida pública num horizonte
minimamente razoável é fundamental para explicar o nível dos juros no Brasil.
As taxas reais de longo prazo, medidas pelo rendimento dos títulos do Tesouro
corrigidos pela inflação, continuam acima de 7% ao ano, um número muito alto.
Não há um esforço para controlar a expansão
das despesas obrigatórias, e isso não deverá ser discutido e implementado antes
de 2027. Na melhor das hipóteses, as metas do arcabouço serão cumpridas aos
trancos e barrancos, com um valor não desprezível das despesas sendo excluídas
do limite de gastos.
A política monetária contracionista é em
grande parte contrapartida de uma política fiscal frouxa, que não oferece
perspectiva de estabilização do endividamento público. A XP estima que a dívida
bruta, que fechou 2022 em 71,7% do PIB, vai alcançar 83,6% do PIB no fim do ano
que vem. A dívida líquida, que desconta ativos como as reservas internacionais,
também está em alta - terminou 2022 em 56,1% do PIB e deverá bater em 69,3% do
PIB no fim de 2026, segundo a XP. Não há uma situação explosiva no curto prazo,
mas essa trajetória do endividamento, já alto para um país emergente, impede
que o país tenha juros estruturalmente mais baixos.
A necessidade de ancorar expectativas de
inflação para uma meta de 3%, ambiciosa demais para um país com os problemas
fiscais do Brasil, também complica a tarefa do BC. Ter reduzido o alvo para 3%
sem contas públicas equacionadas parece ter sido um passo precipitado. Elevar a
meta agora, porém, seria ainda pior, porque levaria a uma piora das
expectativas de inflação. Um eventual aumento do alvo teria que ser muito moderado
e precedido por medidas que reduzissem as incertezas sobre as contas públicas,
para não minar a credibilidade do BC.
As pressões do governo sobre o BC são
retomadas num momento em que a economia dá sinais de desaceleração e as
eleições se aproximam. Os juros altos têm levado a atividade a perder o fôlego,
ainda que o mercado de trabalho continue aquecido. Nos cálculos da XP, o PIB
deverá crescer 0,2% no terceiro trimestre e também no quarto trimestre, nos
dois casos em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal. O
economista-chefe da XP, Caio Megale, vê uma “desaceleração temporária por conta
do crédito”.
Essa economia mais fraca tem contribuído para
o alívio na inflação, movimento que conta também como efeito da valorização do
câmbio e do impacto da safra recorde. É um cenário que abre espaço para a queda
da Selic, mas o BC não dá mostras de que vai começar o ciclo de baixa ainda
neste ano, buscando antes ancorar melhor as expectativas. Para Megale, os juros
vão começar a cair a partir de março, levando a Selic a 12% no fim de 2026.
Alguns analistas, porém, acreditam que o primeiro corte pode ocorrer em
janeiro.
O economista da XP avalia que a desaceleração
da atividade será temporária, com a economia voltando a ganhar fôlego no
primeiro semestre de 2026. No ano que vem, as medidas de estímulo de renda e de
crédito vão fazer diferença, diz ele. A isenção do Imposto de Renda (IR) para
quem ganha até R$ 5 mil é uma delas, assim como a perspectiva de crescimento
mais forte do empréstimo consignado privado, o pagamento de precatórios e os R$
40 bilhões à disposição para o Reforma Casa Brasil, o programa de crédito para
financiar obras em residências, além da ampliação de investimentos públicos,
especialmente dos governos estaduais. Nas contas da XP, o PIB crescerá 0,5% no
primeiro trimestre do ano que vem e 0,6% no segundo.
Para Megale, o efeito dessas medidas não deve
fazer o começo do ciclo de corte dos juros passar de março, mas pode
eventualmente limitar a queda da Selic, à medida que o efeito delas ficar mais
claro ao longo do ano. Ele projeta crescimento de 2,1% para este ano e de 1,7%
para o ano que vem, projeção com viés de alta, dado o impacto das medidas de
estímulo em 2026.
Juros altos demais encarecem exageradamente o
crédito, afetam o investimento e elevam os gastos financeiros do setor público.
Ajudar a reduzi-los deveria ser uma das principais metas do governo, mas por
meio de uma política fiscal que controle o aumento das despesas obrigatórias.
Também contribuiria para esse objetivo a moderação nas medidas de estímulo à
atividade. Pressionar o presidente do BC num momento que os números do PIB
deverão ser mais fracos é a velha estratégia de buscar um bode expiatório para
responsabilizar por eventuais más notícias sobre a atividade. Além disso,
deveria ser claro para o governo o papel dos juros, ainda que muito elevados,
na queda da inflação, algo que reduz as preocupações dos eleitores com a
economia. Criticar o BC, um esporte tradicional das gestões petistas, não ajuda
em nada a reduzir a Selic.

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