Valor Econômico
Oposição se dividiu, adiou a votação mas
mantém o domínio da pauta da segurança
O adiamento da votação do relatório do
deputado Guilherme Derrite (PP-SP) deveu-se ao temor de que se repetisse o
desastre da PEC da blindagem. Esta pauta, conjugada à anistia, foi uma
dobradinha entre Centrão e bolsonarismo. O relatório de Derrite, conjugado à
equiparação entre facção criminosa e terrorismo, é a repetição da dobradinha,
mas colocou em conflito interesses que extrapolam o dueto entre bolsonaristas e
o Centrão.
Este conflito ficou patente na sucessão de versões do relatório. Foram quatro, em cinco dias desde a escolha do relator, a última delas protocolada na quarta, às 19h37. Obrigado a recuar na restrição de prerrogativas da Polícia Federal pela repercussão na opinião pública, e na equiparação entre facção criminosa e terrorismo por uma pressão que vai da Faria Lima ao STF, Derrite dificultou, em quatro versões, o confisco de bens dos líderes do crime organizado. O tema é de mais difícil digestão pelo grande público mas fica claro quando examinado à luz da guerra de classes do crime.
O relator propôs o fim do auxílio-reclusão
para dependentes de integrantes de facções do crime organizado, mas prejudicou
o confisco dos bens cuja licitude seus líderes não forem capazes de provar. No
primeiro relatório, Derrite excluiu o dispositivo. Nos dois seguintes, repôs o
dispositivo mas o subordinou ao trânsito em julgado. No quarto, manteve a necessidade
de que seja iniciada uma outra ação civil para este fim. Na proposta do
Executivo, um processo contra líder de facção que venha a ser obstruído
prosseguiria na persecução do bem, agilizando o trâmite.
Dessa maneira, as famílias da grande maioria
dos cerca de 600 mil que cumprem pena nos presídios brasileiros perderiam o
auxílio-reclusão, mas bens como os 200 milhões de litros de combustível que
estão em quatro navios retidos pela Receita nos portos do Rio e de Santos,
teriam, segundo a Receita, que ser devolvidos aos seus importadores. Os navios
foram retidos pela operação Cadeia de Carbono que levou à interdição da
Refinaria de Manguinhos.
Não foi a única brecha para a cúpula do crime
organizado no país. Em vez de propor mudanças à Lei das Organizações
Criminosas, ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, o relator criou uma
quarta norma legal, que denominou de “Marco Legal de Combate ao Crime
Organizado”. Com isso, fica mais fácil a vida de advogados dos líderes das
facções que, ao explorarem eventuais conflitos entre tantas normas, se valerão
mais facilmente de manobras protelatórias para evitar a punição de seus
clientes.
Na quarta versão do relatório, Derrite
amenizou o esvaziamento dos fundos federais mas ainda remete aos Estados parte
de seus recursos que colaboram para o financiamento tanto da Polícia Federal
quanto das penitenciárias federais. Não fica claro como sua sugestão para que
líderes das facções fiquem em presídios federais de segurança máxima coaduna
com a supressão no financiamento dessas unidades prisionais.
Foram tantas idas e vindas que luminares da
bancada da bala, como os deputados Alberto Fraga (PL-DF), um ex-PM que foi
presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, e Ubiratan Sanderson
(PL-RN), um ex-PF que foi presidente da Comissão de Segurança Pública, pediram
o adiamento. Longe dos microfones, parlamentares da bancada da bala convergem
com aquilo que o secretário nacional de Assuntos Legislativos do Ministério da
Justiça, Marivaldo Pereira, diz a plenos pulmões: o risco de este PL causar um
colapso do sistema penal brasileiro é gigantesco.
À bancada do adiamento juntaram-se, ainda, os
governadores. O porta-voz daqueles que se reuniram em Brasília, Cláudio Castro
(RJ), chegou a pedir ao governo americano o carimbo de terrorista para o
Comando Vermelho. Como a solicitação de adiamento, por 30 dias, encaminha a
votação para a véspera do Natal, devem ter pedido ao bom velhinho que jogue o
relatório no buraco negro. Para completar o bonde, o presidente da Câmara, Hugo
Motta (Republicanos-PB), a quem os bolsonaristas atribuem a cilada em que
Derrite se meteu, também defendeu o adiamento.
A despeito de tantas trapalhadas, a oposição
continua a dar as cartas na pauta. Ao mostrar que a expressiva ascensão da
violência (+8 pontos) como preocupação se deu em detrimento dos problemas
sociais (-5 pontos), a pesquisa desenhou. Se a operação nos Complexos da Penha
e do Alemão tinha por objetivo tirar a oposição das cordas em que a prisão do
ex-presidente Jair Bolsonaro e o tarifaço a jogou, foi bem sucedida. O
bate-cabeça de Derrite ainda não foi capaz de afetar esta percepção. Com a
espetacularização do ocorrido, numa sociedade amedrontada de cima a baixo pela
violência, o eleitorado, da direita à esquerda, a apoiou.
Ao focar em operações de asfixia financeira
do crime organizado, o governo federal mostrou que não está preso ao axioma da
desigualdade social que leva ao crime, mas a população ainda está longe de
entender a relação do confisco de combustível e a estudante morta na zona leste
de São Paulo que tentava entregar uma venda feita pela internet.

Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.