quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Derrite dividiu até a bancada da bala, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Oposição se dividiu, adiou a votação mas mantém o domínio da pauta da segurança

O adiamento da votação do relatório do deputado Guilherme Derrite (PP-SP) deveu-se ao temor de que se repetisse o desastre da PEC da blindagem. Esta pauta, conjugada à anistia, foi uma dobradinha entre Centrão e bolsonarismo. O relatório de Derrite, conjugado à equiparação entre facção criminosa e terrorismo, é a repetição da dobradinha, mas colocou em conflito interesses que extrapolam o dueto entre bolsonaristas e o Centrão.

Este conflito ficou patente na sucessão de versões do relatório. Foram quatro, em cinco dias desde a escolha do relator, a última delas protocolada na quarta, às 19h37. Obrigado a recuar na restrição de prerrogativas da Polícia Federal pela repercussão na opinião pública, e na equiparação entre facção criminosa e terrorismo por uma pressão que vai da Faria Lima ao STF, Derrite dificultou, em quatro versões, o confisco de bens dos líderes do crime organizado. O tema é de mais difícil digestão pelo grande público mas fica claro quando examinado à luz da guerra de classes do crime.

O relator propôs o fim do auxílio-reclusão para dependentes de integrantes de facções do crime organizado, mas prejudicou o confisco dos bens cuja licitude seus líderes não forem capazes de provar. No primeiro relatório, Derrite excluiu o dispositivo. Nos dois seguintes, repôs o dispositivo mas o subordinou ao trânsito em julgado. No quarto, manteve a necessidade de que seja iniciada uma outra ação civil para este fim. Na proposta do Executivo, um processo contra líder de facção que venha a ser obstruído prosseguiria na persecução do bem, agilizando o trâmite.

Dessa maneira, as famílias da grande maioria dos cerca de 600 mil que cumprem pena nos presídios brasileiros perderiam o auxílio-reclusão, mas bens como os 200 milhões de litros de combustível que estão em quatro navios retidos pela Receita nos portos do Rio e de Santos, teriam, segundo a Receita, que ser devolvidos aos seus importadores. Os navios foram retidos pela operação Cadeia de Carbono que levou à interdição da Refinaria de Manguinhos.

Não foi a única brecha para a cúpula do crime organizado no país. Em vez de propor mudanças à Lei das Organizações Criminosas, ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, o relator criou uma quarta norma legal, que denominou de “Marco Legal de Combate ao Crime Organizado”. Com isso, fica mais fácil a vida de advogados dos líderes das facções que, ao explorarem eventuais conflitos entre tantas normas, se valerão mais facilmente de manobras protelatórias para evitar a punição de seus clientes.

Na quarta versão do relatório, Derrite amenizou o esvaziamento dos fundos federais mas ainda remete aos Estados parte de seus recursos que colaboram para o financiamento tanto da Polícia Federal quanto das penitenciárias federais. Não fica claro como sua sugestão para que líderes das facções fiquem em presídios federais de segurança máxima coaduna com a supressão no financiamento dessas unidades prisionais.

Foram tantas idas e vindas que luminares da bancada da bala, como os deputados Alberto Fraga (PL-DF), um ex-PM que foi presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, e Ubiratan Sanderson (PL-RN), um ex-PF que foi presidente da Comissão de Segurança Pública, pediram o adiamento. Longe dos microfones, parlamentares da bancada da bala convergem com aquilo que o secretário nacional de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, diz a plenos pulmões: o risco de este PL causar um colapso do sistema penal brasileiro é gigantesco.

À bancada do adiamento juntaram-se, ainda, os governadores. O porta-voz daqueles que se reuniram em Brasília, Cláudio Castro (RJ), chegou a pedir ao governo americano o carimbo de terrorista para o Comando Vermelho. Como a solicitação de adiamento, por 30 dias, encaminha a votação para a véspera do Natal, devem ter pedido ao bom velhinho que jogue o relatório no buraco negro. Para completar o bonde, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a quem os bolsonaristas atribuem a cilada em que Derrite se meteu, também defendeu o adiamento.

A despeito de tantas trapalhadas, a oposição continua a dar as cartas na pauta. Ao mostrar que a expressiva ascensão da violência (+8 pontos) como preocupação se deu em detrimento dos problemas sociais (-5 pontos), a pesquisa desenhou. Se a operação nos Complexos da Penha e do Alemão tinha por objetivo tirar a oposição das cordas em que a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro e o tarifaço a jogou, foi bem sucedida. O bate-cabeça de Derrite ainda não foi capaz de afetar esta percepção. Com a espetacularização do ocorrido, numa sociedade amedrontada de cima a baixo pela violência, o eleitorado, da direita à esquerda, a apoiou.

Ao focar em operações de asfixia financeira do crime organizado, o governo federal mostrou que não está preso ao axioma da desigualdade social que leva ao crime, mas a população ainda está longe de entender a relação do confisco de combustível e a estudante morta na zona leste de São Paulo que tentava entregar uma venda feita pela internet.

 

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