sábado, 22 de novembro de 2025

Emergência da desigualdade, por Fabio Gallo

O Estado de S. Paulo

Vivemos uma verdadeira emergência de desigualdade, comparável à emergência climática

Artigo publicado nesta semana pelo Financial Times, assinado conjuntamente pelo presidente Lula, pelo presidente Cyril Ramaphosa (África do Sul) e pelo primeiro-ministro Pedro Sánchez (Espanha), chama a atenção para o primeiro relatório do G-20 dedicado exclusivamente à desigualdade social. A principal conclusão é contundente: vivemos uma verdadeira emergência de desigualdade, comparável à emergência climática.

O relatório, elaborado por um grupo internacional de especialistas liderado pelo Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, soa o alarme sobre um dos fenômenos mais traumáticos e intoleráveis da humanidade e propõe a criação de um painel internacional sobre desigualdade, com a missão de monitorar tendências, causas e impactos desse processo. Os dados do relatório são contundentes. Segundo o documento, 83% dos países apresentam alta desigualdade de renda, utilizando a definição do Banco Mundial de coeficiente de Gini acima de 0,4, sendo que essas nações concentram cerca de 90% da população global. Embora a desigualdade entre indivíduos no mundo tenha diminuído desde 2000 – em grande parte devido ao crescimento econômico da China – ela permanece em patamar extremamente elevado, com um coeficiente de Gini de 0,61. A desigualdade de riqueza é ainda mais acentuada do que a de renda.

Entre 2000 e 2024, o 1% mais rico apropriou-se de 41% de toda a nova riqueza gerada no mundo, enquanto os 50% mais pobres receberam apenas 1%. Nesse período, a riqueza média do 1% mais rico aumentou em US$ 1,3 milhão, enquanto a dos mais pobres cresceu apenas US$ 585, em valores de 2024. O relatório também alerta que 2,3 bilhões de pessoas – uma em cada quatro no planeta – enfrentam insegurança alimentar moderada ou grave, número que cresceu em 335 milhões desde 2019.

Apesar de chocantes, esses dados não revelam algo inteiramente novo: a desigualdade econômico-social é uma realidade histórica, persistente e profundamente política. Ela não é um acidente, mas uma escolha. Tal como a crise climática, trata-se de uma emergência global que exige ação coletiva e decisões corajosas. O próprio relatório é claro ao afirmar que essas tendências negativas podem ser revertidas – se houver vontade política, coordenação internacional e compromisso com justiça distributiva. Essa temática já foi abordada pelo papa Francisco na Evangelii Gaudium, que diz que “enquanto a renda de uma minoria cresce exponencialmente, a da maioria está em colapso. Esta desigualdade é a raiz dos males sociais”. Mas insistimos em perpetuar a desigualdade como se ela fosse invisível – quando, na verdade, é estrutural e deliberadamente ignorada.

 

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