terça-feira, 11 de novembro de 2025

Fatiando Amazônia: depositário fiel, nada mais! ... Por Aylê-Salassié Filgueiras Quntão*

O
apelo ufanista que, repetido insistentemente nas escolas e nas ruas, num passado não muito longínquo,  de que a "Amazônia é nossa!..." e que chegou a  levar, no Brasil,  muita gente  à prisão por excesso de ativismo , está tomando uma nova configuração em Belém.  A Conferência (da ONU)das Mudanças Climáticas (COPs),  já na sua trigésima edição,  passou a tratar a região  não apenas como um bioma tropical exclusivo, mas  como "patrimônio da humanidade", estratégico para o controle do aquecimento global . Com isso,  está  abrindo a chance para que todos os países do mundo e até as grandes empresas  possam ter  uma fatia  da região.

Alarma constatar que, a Amazônia como uma marca identitária brasileira, venha perdendo  expressão política,  na medida em que  se conclui que os países abrigados por ela não conseguem executar uma política de plena  proteção da floresta e seus povos originários. Os  números difundidos sobre a redução do desmatamento e das queimadas  não totalmente são confiáveis, em que pese  tenham sua origem no Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), uma respeitável instituição brasileira  de pesquisas espaciais. Concomitante, prega-se na COP30 a responsabilidade multilateral da proteção dos recursos da Terra , com ênfase  particular na Amazônia. 

O território amazônico se estende por 7 milhões de km2, dos  quais  90% é coberto por  florestas naturais  tropicais   contínuas, distribuídas  entre nove países, 60% no Brasil, e vem sendo tratado na Organização das Nações Unidas, como patrimônio de todos . Não se se está, portanto, diante de uma proteção  pura e simples da  biodiversidade, mas também  do papel que a floresta desempenha ao  absorver o carbono (CO2) e outros gases em  suspensão, como o dióxido de nitrogênio (NO2), dióxido de enxofre (SO2), ozônio troposférico (O3) e o metano (CH4). Essas substâncias são liberadas por atividades humanas que envenenam o ar  respirado pelo cidadão planetário e provoca o chamado efeito estufa, ao interromper o percurso dos raios solares  e o equilíbrio das temperaturas na terra gerando  instabilidades  climáticas , bem como o descongelamento das geleiras,  elevando o nível dos oceanos, o que , por consequência, engoliria dezenas de países  cercados pelo mar . Essa tragédia seria  resultante do modelo de desenvolvimento industrial  no mundo, que  projeta sistematicamente aqueles gases na atmosfera com a queima de combustíveis fósseis e outras substancias venenosas. 

Na Amazônia  vivem perto de 30 milhões de pessoas e cerca de 140 povos indígenas.  Nesse cenário da "planetária"   Conferência das Mudanças  Climáticas - foram realizadas, antes, 29 COPs -  não caberiam ideologias, nem reivindicações classistas muito menos ufanismos nacionalistas.  A Amazônia  seria, então,  tão nossa quanto a Sibéria é da  Rússia, que se jacta de ser, como o "maior país do mundo". Tem território de17 milhões de k2, na verdade, conquistado de outros povos ao  longo da História e de  sucessivas invasões da terra dos vizinhos. É outro bioma mundial ,  caracterizado por temperaturas extremamente baixas, e uma vegetação distribuída entre  uma vasta floresta de coníferas no sul (taiga),  a tundra, no extremo norte, com musgos, líquens e juncos; e a estepe, uma zona de pastagem no sudoeste. É habitada por 40 milhões de pessoas de 40  etnias, chamadas de povos  "minoritários", habitantes dos "Oblasts", territórios regionais com governos eleitos diretamente,  e que fazem parte do Conselho da Federação.  A Rússia faz suas guerras, mas procura ficar longe das teses internacionalistas ambientais.

A política ambiental daqui  não  tem nada  a ver com as políticas ambientais da Rússia. O Brasil,   junto com um grupo de países tropicais da América,  vem tentando, há anos, sem grande sucesso,  emplacar um modelo desenvolvimentista sustentável ,  e  encontrou uma saída  para manter imobilizados seus recursos naturais genéticos, como quer a ONU, "sem prejuízo para os projetos  nacionais ", diz-se.  Considerada, entretanto, essa mesma política há 30, 40 anos, parece que o Brasil está sendo mergulhado numa grande contradição. Ao optar por participar do mercado do carbono, vai  embarcando  num tal  MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), instituído para captação de recursos  destinados a financiar a preservação   do bioma terrestre e manipulados por supostos   195  países do mundo e as grandes empresas poluidoras. A ideia surgiu  há quase 30 anos e foi referendada ,  na COP3, de Kyoto, no Japão (1997), legitimada na COP21, de Paris (2015), e vem se consolidando pouco a pouco. Embora alguns países  tenham tentado  adiantar-se ao processo, não está ainda suficientemente  convincente  à  chamada  "pegada de carbono" : o quanto cada país produz de CO2, e  lança na atmosfera. Vem sendo conceituada pela ciência, mas  tergiversada no mercado: um país ou empresa adquire na área que se quer preservar, uma extensão de terra ou do mar por meio de uma quota equivalente ao volume de gases que produz. Essa quota é  transacionada em dinheiro no mercado como compensação à poluição gerada por país ou empresa. Para ser conservada a  Amazônia, Pantanal ou Sibéria mesmo poderia ter seu território fatiado  em quotas de mercado. 

Imediatista, ávido por  conseguir fechar as contas nacionais, o Governo Brasileiro  quer mais: não apenas vender quotas de preservação natural na Amazônia às empresas (US$ 4 para cada hectare de floresta tropical). Está tentando criar um Fundo de Florestas Tropicais (TFFF), composto por ativos da ordem de US$ 125 bilhões, instituído com doações substanciais dos  países poluidores  (os industrializados) e que remete a obrigação gerada nas COPs anteriores  para  compensar, com doações ao Fundo, à obrigações não cumpridas  chamadas de Contribuições Nacionais Determinadas (NDC) . Apenas 60 países apresentaram relatórios.  É aí  que entra a dúvida:  Se estamos  diante de uma grande iniciativa ambiental,  desenvolvida  por uma política pública nacional - "A Amazônia é nossa"-  ou se de uma internacionalização vagarosa da região. Fala-se em uma operação de mercado, mas tem-se a impressão de que seria necessário a institucionalização de uma nova figura jurídica, aprovada na ONU, se, de fato, se pretendesse  manter a soberania do País. Mas ninguém fala nisso. 

Esse mesmo  Emannuel Macron que está em Belém fazendo sucesso como  garoto propaganda da COP 30 , ao comentar,  logo que foi eleito  presidente da França (2017),  sobre a riqueza biogenética da Amazônia  e os mecanismos de sua proteção, lembrou que a Amazônia era patrimônio do mundo e  o Brasil apenas  uma espécie de seu “depositário fiel” . A França, que  já reivindicou no passado (1856)   a posse de toda área de 550. 000 km², maior que a França continental, que fica à margem esquerda do Rio Amazonas (Considera-se um país amazônico), vem insistindo nessa tecla, de várias maneiras,   há anos.  

A declaração de Macron apenas  reafirmava   o pensamento de outro (ex) presidente francês, o socialista  François Miterrand, manifesto  há trinta  anos , quando, diante de um quadro de queimadas da floresta, similar ao de hoje , na esteira da Conferência Mundial de Meio Ambiente de 1992, no Rio de Janeiro, afirmou que a Amazônia não era um território brasileiro ou latino-americano, mas“ patrimônio da humanidade”. Na época, todos ficaram assustados, mas ninguém falou nada. Provinciano, o brasileiro vê nesse tipo de declaração  uma  "elevação" de status internacional, que, além da promoção pessoal de quem conduz a questão, dá acesso ilimitado  a recursos abundantes supostamente disponibilizados por  instituições internacionais. 

*Jornalista e professor

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