sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Governo e Congresso perdem com embates, por Vera Magalhães

O Globo

Lista imensa de choques não é boa para nenhum dos lados, menos ainda para um país com tantas urgências, da segurança à estabilidade fiscal

A facilidade de arregimentar maiorias e impor derrotas, algumas delas amargas, ao governo pode dar aos presidentes da Câmara e do Senado a impressão de que saem vitoriosos dos embates, mas a conta de perdas e ganhos com a manutenção desse ambiente não é tão simples como parece.

A rebordosa da PEC da Impunidade deveria ter ensinado a deputados e senadores, ainda mais às vésperas de ter de ir pedir votos nas suas bases, que há um limite que a sociedade está disposta a aceitar para conchavos, defesa de pautas corporativistas e descaso com temas como meio ambiente, justiça tributária e combate à impunidade.

As operações recentes da Polícia Federal em parceria com a Receita Federal têm explicitado as relações nada republicanas de empresários envolvidos em toda sorte de delinquências com cabeças coroadas do Parlamento.

Essas conexões resultaram em aprovação de emendas parlamentares e apresentação de projetos de lei sob medida para facilitar seu trânsito e suas operações de altíssima alavancagem. Expoentes da elite do Congresso eram homenageados, transportados em jatinhos e bajulados por nomes como Daniel Vorcaro, do Master, e Ricardo Magro, do Grupo Fit (a Refit depois de uma tentativa de retrofit de imagem).

Se é verdade que as derrotas impostas ao governo por Hugo Motta e Davi Alcolumbre evidenciam a incapacidade de Lula de compor maioria e dialogar com o Legislativo, e isso pode ter custo eleitoral, também é verdade que a contraposição entre as pautas-bombas e as maldades que eles impingem ao Executivo e a evidência de que a PF tem fechado o cerco a amigos próximos ao grupo desses mesmos dirigentes é bastante negativa para o Congresso.

Mais: a engenharia sofisticada de sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro demonstrada em todas essas recentes operações acaba funcionando como endosso retroativo à insistência da equipe econômica comandada por Fernando Haddad em taxar fundos exclusivos e offshore e, mais recentemente, obrigar o óbvio: a necessidade de que todos os titulares de fundos tenham de declarar seu CPF.

Nem todos os fundos exclusivos e offshore são veículos para malfeitos. Mas havia uma evidente brecha que vinha sendo usada por criminosos. E, além disso, a taxação é justa para todos, inclusive os que operam dentro da legalidade.

Diante dos valores estarrecedores de sonegação em apenas um caso, a Refit, fica impossível justificar a atuação em plena luz do dia de várias bancadas, do Centrão à direita, contra a votação do projeto que pune o devedor contumaz. A aberração dessa postura, e da demora de Hugo Motta em pautar a matéria, ficou ainda mais evidente quando ficou claro que a defesa da matéria uniu Lula e Tarcísio de Freitas, tamanha sua urgência.

Não é tão ruim para o governo aparecer como derrotado em batalhas em que está do lado da PF e da taxação dos ou muito ricos ou sonegadores, enquanto o Congresso usa vários subterfúgios para blindá-los. É um dos casos em que a vitória pode significar desgaste para a cúpula do Legislativo.

A mesma coisa em relação à derrubada, por arrastão, dos vetos de Lula que visavam a proteger a legislação de licenciamento ambiental da terra arrasada promovida pela Câmara e pelo Senado. O desgaste de imagem fica todo para o Congresso — que não está nem aí, pelo menos até o Brasil começar a sofrer as consequências econômicas por afrouxar os controles ambientais no momento em que mercados como Europa e até China cobram isso mais fortemente.

O governo erra ao subir no salto toda vez que tem alguma lufada de aumento de popularidade, como na barbeiragem da indicação de Jorge Messias sem combinar com o Senado. Mas o Congresso dobra o erro quando usa essa desculpa para pisar no acelerador das pautas-bombas e da defesa de interesses inconfessáveis. Parece óbvio que essa lista imensa de embates não é boa para nenhum dos lados, menos ainda para um país com tantas urgências, da segurança à estabilidade fiscal.

 

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