O Globo
E então, nenhuma carta nesta mão, nada na
outra, e um déficit de R$ 80 bilhões vira R$ 31 bilhões, que é igual a zero —
uma proeza
Não, o Banco Central não é o culpado pelos
juros altos. A culpa está no Ministério da Fazenda, responsável pelo
descontrole das contas públicas, que resultam numa expansão insustentável da
dívida. Mas o ministro Fernando
Haddad segue os projetos do presidente Lula.
Sobram números para demonstrar esse
desequilíbrio. Mas nada é mais eloquente que esta situação: o governo terá
déficit expressivo neste ano, algo em torno de R$ 80 bilhões. E poderá declarar
de peito aberto que cumpriu a meta legal de déficit zero.
O truque começa na flexibilização da meta. É zero, mas, sabem como é, isso de orçamento é coisa complicada de acertar, de modo que o arcabouço aceita uma margem de tolerância. O resultado pode ser um déficit equivalente a 0,25% do PIB (algo como R$ 31 bilhões) ou um superávit de mesmo tamanho. No governo, ninguém jamais pensou em buscar a meta de superávit. Seria, dizem, deixar o dinheiro sobrar quando há tantos gastos importantes a fazer.
Vamos aqui dar um ok provisório. De fato, há
muitas carências a atender com o gasto público. Mesmo assim, um governo já
muito endividado, como é este, deveria, por prudência, mirar no resultado zero,
deixando a margem de tolerância para a ocorrência de eventos inesperados. Nas
circunstâncias atuais, se o governo gastasse apenas o que arrecada, já estaria
muito bom. Mesmo porque a receita tem aumentado expressivamente.
Mas não basta. A Fazenda diz que precisa ter
como alvo o déficit máximo tolerável. Caso contrário, teria de cortar muitas
despesas, o que o presidente não tolera. Forma-se no Tribunal de Contas da União
uma tese de que o governo tem de mirar o déficit zero, e não a margem de
tolerância. Mas isso, se vier a valer, será só no próximo ano. As engrenagens
do Executivo não são propriamente apressadas. Fica assim, portanto: o governo
buscará na execução do Orçamento deste ano um déficit de R$ 31 bilhões (0,25%
do PIB), que será igual a zero na forma da lei e na lógica do arcabouço fiscal.
Entretanto as contas da própria Fazenda
mostram que o déficit real ficará próximo dos R$ 80 bilhões. O truque é
dobrado. Além da margem de tolerância, a lei e o arcabouço declaram que
determinadas despesas não entram na conta. São despesas diversas, desde o
pagamento de precatórios até gastos emergenciais e não tão emergenciais, como a
compra de equipamentos militares. É isso mesmo: gasta-se o dinheiro, mas não se
considera na contabilidade oficial e legal.
E então, senhoras e senhores, nenhuma carta
escondida nessa mão, nada na outra, e um déficit de R$ 80 bilhões aparece como
R$ 31 bilhões, que é igual a zero — uma proeza.
Desgraçadamente, porém, a realidade é um
tanto diferente: o dinheiro não contabilizado sai dos cofres do governo, é
gasto efetivo. E, assim, a despesa fica acima da receita. Vai daí, o governo
precisa tomar dinheiro emprestado para cobrir os gastos correntes e para pagar
juros da dívida já feita. Em outras palavras, aumenta a dívida pública.
Quando começou o governo Lula 3, a dívida
bruta era equivalente a 71,7% do PIB. Em agosto último, já era de 77,5%. E
subindo. No lançamento do arcabouço, o Ministério da Fazenda projetava que essa
dívida bruta chegaria a 77% do PIB só no fim de 2026, e isso no pior cenário.
Como esse número já foi superado neste ano, as novas projeções preveem que a
dívida chegará a 83% do PIB no fim do governo, em dezembro de 2026.
Como calcula o economista Alexandre
Schwartsman, os gastos federais da atual gestão subiram R$ 280 bilhões. Mesmo
com o aumento seguido de impostos, não há como cobrir isso tudo. Não há dúvida
de que muitos gastos são necessários e justos. Mas não tem mesmo nada para
cortar?
Um governo muito endividado tem de pagar
juros cada vez mais altos para tomar empréstimos. Essa é causa primária dos
juros altos. Não é culpa Banco Central. O que se precisa é de reformas para um
ajuste nas contas públicas. Sei que é fácil falar, difícil fazer. Mas continua
necessário, se queremos um país equilibrado e em crescimento.

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