Folha de S. Paulo
Mostrar que a causa ambiental não é monopólio
de nenhum lado da disputa política fará com que todos saiam ganhando
Se a sustentabilidade virar tema cativo da
esquerda, ela se tornará um objetivo ainda mais distante do que tem sido até
hoje
A mudança
climática traz um desafio complexo de coordenação. A ação —ainda que
custosa— de cada país ou empresa, sozinho, é inócua. Se eu me sacrifico e meu
vizinho nada faz, eu terei pago um preço alto, mas no fim das contas
partilharemos do mesmo resultado. Mesmo que todos façam sua parte e sejamos
capazes de refrear o aquecimento da Terra, isso não gerará efeitos visíveis.
A vida apenas seguirá normalmente, e teremos
evitado desastres hipotéticos que nunca se materializaram. Dos desastres
climáticos que ocorrem, é impossível selecionar qualquer um deles e dizer com
certeza que ele é resultado direto da mudança climática. Se ninguém fizer nada,
contudo, sua frequência aumentará, o clima da Terra será mais inóspito e o
resultado será catastrófico.
A meta de reduzir emissões de forma a não aumentar a temperatura da Terra acima de 1,5 °C já não foi cumprida. Em geral, uma situação dessas exige que uma autoridade imponha restrições para todos e puna aqueles que, pensando apenas no próprio ganho de curto prazo, as descumpram.
Na falta de uma autoridade mundial capaz de
punir os desobedientes, cabe a cada país escolher livremente se cumpre ou não
suas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas). Se bater a meta, ótimo.
Se não bater, nada acontece. Não é surpresa nenhuma que a adesão tem deixado a
desejar.
E frente à hipocrisia que envolve os grandes eventos em nome do clima e as
celebridades que os frequentam, é muito tentador para qualquer governo fazer o
que Trump fez:
negar que o problema sequer exista, transformá-lo em um ponto de polarização
partidária, acabar com restrições ambientais, e entregar crescimento de curto
prazo para sua população.
A presença do governador da Califórnia, Gavin Newsom, ajuda a mitigar um pouco
a ausência do governo americano. Mas esse mau exemplo —e essa pressão— arrastam
muitos outros atores. A mudança de discurso de Bill Gates na questão climática
é parte desse processo. A presença de empresas internacionais na COP é baixa.
Assim como tem sido baixa a adesão empresarial a metas de sustentabilidade.
Num momento de nacionalismo em alta, alocar
parte do orçamento em investimentos que não trarão benefício tangível direto
para a população, mas que serão uma gota dentro de um esforço global de
benefícios difusos, não é uma escolha política fácil. Ao contrário, por
exemplo, da decisão de investir mais em armamentos quando uma potência
agressiva ameaça suas fronteiras.
Vivemos um retrocesso geral justo no momento em que o Brasil propõe uma adesão
mais ambiciosa à agenda ambiental. O discurso de Lula, colocando o
Brasil à frente dos países que aderem a evidências científicas e que não querem
retrocesso no combate ao aquecimento global, pode ser o caminho para mobilizar
aqueles líderes que ainda têm essa prioridade.
Para que os compromissos feitos em Belém sejam
sustentáveis, no entanto, será preciso trabalhar junto à opinião pública.
Mostrar que a causa ambiental interessa a todos, que não é monopólio de nenhum
lado da disputa política e que, se investirmos no cuidado com o meio
ambiente, todos sairão beneficiados. Se a sustentabilidade virar tema
cativo da esquerda, ela se tornará um objetivo ainda mais distante do que tem
sido até hoje.

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