terça-feira, 11 de novembro de 2025

O combate à mudança climática tem que estar acima da ideologia, por Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Mostrar que a causa ambiental não é monopólio de nenhum lado da disputa política fará com que todos saiam ganhando

Se a sustentabilidade virar tema cativo da esquerda, ela se tornará um objetivo ainda mais distante do que tem sido até hoje

mudança climática traz um desafio complexo de coordenação. A ação —ainda que custosa— de cada país ou empresa, sozinho, é inócua. Se eu me sacrifico e meu vizinho nada faz, eu terei pago um preço alto, mas no fim das contas partilharemos do mesmo resultado. Mesmo que todos façam sua parte e sejamos capazes de refrear o aquecimento da Terra, isso não gerará efeitos visíveis.

A vida apenas seguirá normalmente, e teremos evitado desastres hipotéticos que nunca se materializaram. Dos desastres climáticos que ocorrem, é impossível selecionar qualquer um deles e dizer com certeza que ele é resultado direto da mudança climática. Se ninguém fizer nada, contudo, sua frequência aumentará, o clima da Terra será mais inóspito e o resultado será catastrófico.

A meta de reduzir emissões de forma a não aumentar a temperatura da Terra acima de 1,5 °C já não foi cumprida. Em geral, uma situação dessas exige que uma autoridade imponha restrições para todos e puna aqueles que, pensando apenas no próprio ganho de curto prazo, as descumpram.

Na falta de uma autoridade mundial capaz de punir os desobedientes, cabe a cada país escolher livremente se cumpre ou não suas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas). Se bater a meta, ótimo. Se não bater, nada acontece. Não é surpresa nenhuma que a adesão tem deixado a desejar.

E frente à hipocrisia que envolve os grandes eventos em nome do clima e as celebridades que os frequentam, é muito tentador para qualquer governo fazer o que Trump fez: negar que o problema sequer exista, transformá-lo em um ponto de polarização partidária, acabar com restrições ambientais, e entregar crescimento de curto prazo para sua população.

A presença do governador da Califórnia, Gavin Newsom, ajuda a mitigar um pouco a ausência do governo americano. Mas esse mau exemplo —e essa pressão— arrastam muitos outros atores. A mudança de discurso de Bill Gates na questão climática é parte desse processo. A presença de empresas internacionais na COP é baixa. Assim como tem sido baixa a adesão empresarial a metas de sustentabilidade.

Num momento de nacionalismo em alta, alocar parte do orçamento em investimentos que não trarão benefício tangível direto para a população, mas que serão uma gota dentro de um esforço global de benefícios difusos, não é uma escolha política fácil. Ao contrário, por exemplo, da decisão de investir mais em armamentos quando uma potência agressiva ameaça suas fronteiras.

Vivemos um retrocesso geral justo no momento em que o Brasil propõe uma adesão mais ambiciosa à agenda ambiental. O discurso de Lula, colocando o Brasil à frente dos países que aderem a evidências científicas e que não querem retrocesso no combate ao aquecimento global, pode ser o caminho para mobilizar aqueles líderes que ainda têm essa prioridade.

Para que os compromissos feitos em Belém sejam sustentáveis, no entanto, será preciso trabalhar junto à opinião pública. Mostrar que a causa ambiental interessa a todos, que não é monopólio de nenhum lado da disputa política e que, se investirmos no cuidado com o meio ambiente, todos sairão beneficiados. Se a sustentabilidade virar tema cativo da esquerda, ela se tornará um objetivo ainda mais distante do que tem sido até hoje.

 

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