Decretar GLO em Belém é medida correta
Por O Globo
Operações com militares já obtiveram sucesso em eventos internacionais — e crime organizado na região preocupa
Foi acertada a decisão do governo federal de decretar operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para a segurança da Cúpula de Líderes e da Conferência da ONU sobre o Clima (COP30), que acontecerão nos próximos dias em Belém, com a presença de autoridades nacionais e internacionais. O decreto atende a pedido do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), e abrange, além da capital, os municípios paraenses de Altamira e Tucuruí, permitindo o uso das Forças Armadas no patrulhamento. Não se pode arriscar diante de um megaevento, especialmente num momento em que o país vive crise aguda na segurança pública.
Prevista na Constituição, a GLO é um
instrumento de caráter excepcional, que permite a militares do Exército, da Marinha
e da Aeronáutica atuar na segurança pública quando as forças policiais por si
sós não são suficientes para proteger a população. O plano para a COP30 prevê o
emprego de quase 20 mil agentes: 7 mil das Forças Armadas, 2.500 das polícias
Federal e Rodoviária Federal e 10 mil estaduais e municipais. A expectativa é
que os eventos reúnam mais de 140 delegações estrangeiras e ao menos 50 chefes
de Estado ou governo. Operações de GLO já obtiveram sucesso noutros grandes
eventos, como a Cúpula do Brics, em julho deste ano, a Cúpula do G20, em
novembro do ano passado, e a Olimpíada de 2016, todos no Rio.
Como
mostram documentos obtidos pelo GLOBO, nas diretrizes de segurança
distribuídas aos órgãos envolvidos, o governo federal sustenta que, por reunir
líderes globais, a conferência se torna “alvo potencial para grupos que desejam
desestabilizar a geopolítica ou exportar suas agendas políticas”. Autoridades
citam preocupação com o aumento da atuação de facções criminosas como Comando
Vermelho (CV) e Comando Classe A na região. Receberá reforços o policiamento de
portos, aeroportos e instalações de infraestrutura. Um dos focos do esquema
especial será a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira, sob proteção da
Força Nacional de Segurança.
É sensata a preocupação com o crime
organizado. Pelo menos um terço da Amazônia Legal já sofre com a presença
ostensiva de organizações criminosas, tanto locais quanto de outras regiões,
especialmente do Sudeste, como CV e PCC. Os índices de criminalidade dispararam
nos municípios amazônicos, hoje entre os mais violentos do país. A atuação das
facções do Sudeste na Amazônia ficou patente na megaoperação deflagrada pelas
polícias do Rio contra o CV nos complexos do Alemão e da Penha na semana
passada. Dos 117 suspeitos mortos, pelo menos 62 eram de outros estados — 19 do
Pará e nove do Amazonas. Dos 113 presos, 33 eram de fora (cinco do Pará). A
operação comprovou que as favelas cariocas têm servido de refúgio para líderes
criminosos de outras regiões.
Em vista dos riscos inerentes a um evento do
porte da COP30, é mais do que justificável a GLO em Belém. Não há dúvida de que
isso dará maior tranquilidade aos participantes locais e aos visitantes. Mesmo
considerando que se trata de solução temporária, como previsto em lei, é sempre
oportuno ver os governos e as forças de segurança — federais, estaduais e
municipais — atuando de forma integrada em benefício da sociedade. Deveria ser
sempre assim no dia a dia de qualquer cidade brasileira.
Brasil é exemplo do que não deve ser feito em
política industrial
Por O Globo
Em cinco anos, país alocou 1,4% do PIB em
incentivos à produção. Resultados têm sido pífios
Defensores do protagonismo do Estado no
desenvolvimento econômico têm chamado a atenção para a mudança recente de curso
em países antes reticentes ao dirigismo estatal. Programas de incentivo
adotados por Japão, Estados Unidos e Europa têm sido citados como evidências do
êxito da nova onda intervencionista. Mas, por mais que possa haver algum mérito
em certas políticas industriais mundo afora, no Brasil elas têm fracassado com
consistência tão regular quanto as estações do ano, as fases da Lua ou os
ciclos das marés. Por aqui, o neodesenvolvimentismo não tem nada de novo.
Em seu último relatório sobre perspectivas
globais, o Fundo Monetário Internacional (FMI) cita o Brasil como exemplo do
que não se deve fazer para desenvolver a indústria local, contrastando práticas
brasileiras às da Coreia do Sul. De barreiras tarifárias e incentivos
tributários à criação arbitrária de estatais em setores tidos como
estratégicos, a política industrial brasileira tem sido pródiga em equívocos e
rarefeita em sucessos. O exemplo mais eloquente é a Zona Franca de Manaus.
Empresas recebem bilhões em incentivos, mas quase nada vai para a bioeconomia,
vocação natural da região. Em vez disso, funciona longe dos centros de consumo
uma indústria de motocicletas, TVs, aparelhos de ar condicionado e outros eletrônicos.
E esse está longe de ser o único caso de
incentivo que gera muita distorção com resultado pífio para a sociedade. Da
proverbial (e inútil) fábrica de chips aos pacotes recorrentes de salvação da
indústria automotiva, a generosidade do Estado brasileiro tem sido enorme. De
2019 a 2024, cerca de R$ 790 bilhões foram destinados a setores específicos da
economia, cifra equivalente a 1,4% do PIB, segundo estudo recente do economista
Bruno Carazza, da Fundação Dom Cabral. Muito pouco se traduz em inovação, ganho
de produtividade e crescimento. De modo geral, os benefícios são distribuídos a
programas sem data para terminar, sem metas quantificáveis, sem compromisso de
investimento mínimo em inovação e sem análises ao longo do tempo. Uma vez
agraciado, um setor só precisa fazer lobby no Congresso para manter os
benefícios de forma indefinida. Nessas horas, não faltam demagogos falando em
defesa dos empregos em perigo. Todo esse faz de conta explica por que a
economia brasileira está há décadas no pelotão retardatário da corrida global.
Em seu estudo, Carazza destaca que outra característica brasileira é volatilidade das regras. Sete em dez regulações avaliadas foram modificadas. “Mudanças não vêm acompanhadas de diagnósticos, avaliações e estimativas que justifiquem a sua implementação”, afirma. Dois terços dos incentivos tributários foram criados “sem a identificação de um órgão da estrutura federal para acompanhar a sua implementação e resultados”. Com tanta desorganização, não há como esperar resultado positivo.
Disputa política trava cooperação contra o
narcotráfico
Por Folha de S. Paulo
Contenda entre Rio e Brasília mostra entrave
para integração de entes federativos no combate às facções
Não é preciso esperar leis para unir
esforços, e legisladores devem ampliar capacidade de ação do Estado contra o
crime organizado
Além de resultar em morticínio recorde e
avanços duvidosos no combate ao
narcotráfico, a Operação Contenção, promovida no Rio de
Janeiro, expôs entraves de difícil solução para a cooperação entre
diferentes órgãos e entes federativos na segurança pública.
Já no dia da intervenção policial, o
governador Cláudio
Castro (PL) reclamou de alegadas
negativas de colaboração por parte do governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
O ministro Ricardo
Lewandowski, da Justiça, respondeu de modo insensato, recomendando
que o estado, se não tivesse condição de combater a criminalidade, pedisse
intervenção federal.
É cristalino que o avanço de facções
criminosas no território nacional e mesmo no exterior exige mobilização de
todos os níveis de governo. Fazê-lo, porém, depende da superação de obstáculos
institucionais e políticos, dos quais a altercação entre Rio e Brasília é
apenas uma amostra.
Idealmente, deveria haver clareza na
legislação sobre como integrar os esforços não apenas das polícias federais e
estaduais, mas de agências como controladorias, Receita
Federal e Conselho de Controle das Atividades Financeiras
(Coaf) —o aspecto econômico-financeiro, afinal, deve ser central no cerco ao
narcotráfico.
O Sistema Único de Segurança Pública (Susp),
criado por lei em 2018, foi iniciativa nesse sentido, mas não saiu do papel.
Agora o governo petista tenta colocá-lo na Constituição,
o que por ora dificilmente dará em algo palpável.
Com a
aprovação da população do Rio atestada pelo Datafolha,
a Contenção se tornou bandeira da direita nas campanhas do próximo ano. Já Lula
a qualificou como "matança" nesta terça (4).
O embate, mais estridente agora, reflete
diferenças ideológicas enraizadas. A maioria dos governadores do centro-sul do
país, com grande influência no Congresso
Nacional, é adepta do endurecimento da ação policial —num exemplo,
projeto na Câmara dos
Deputados visa
qualificar as facções como terroristas, para combatê-las como tal.
Esses setores têm grande desconfiança de
propostas que visam coordenar forças, por medo de que seja sacrificada a
autonomia dos estados. Acusam ainda o governo federal de leniência com o crime
por visões de esquerda —e Lula não se ajudou ao declarar que traficantes também
são vítimas de usuários, frase desastrada pela qual se desculpou.
Os entraves são muitos, mas não impedem
mostras bem-sucedidas de ações integradas do poder público. A recente
Operação Carbono Oculto, que apurou a infiltração de facções no
setor de combustíveis, uniu Receita, Polícia
Federal, Ministério
Público de São Paulo e PM local.
Autoridades não precisam esperar leis para
unir esforços, e legisladores devem buscar ao menos denominadores comuns em
propostas capazes de dar ao Estado maior capacidade de ação contra o
narcotráfico que oprime comunidades inteiras. Que a comoção causada pela tragédia
no Rio favoreça esse entendimento.
Nota vermelha
Por Folha de S. Paulo
Mais de 80% dos jovens não concluem o ensino
médio na idade certa e com conhecimento adequado
Baixa aprendizagem incita evasão escolar;
problema que limita desenvolvimento do país exige aulas de reforço e expansão
do ensino integral
É inegável que o Brasil ampliou o acesso
à educação nas
últimas décadas. Mas tal avanço não se deu pari passu com a aprendizagem, como
mostram avaliações domésticas e internacionais. E mais uma pesquisa, divulgada
na última quinta (30), evidencia o problema.
O Índice de Inclusão Educacional (IIE),
desenvolvido pela organização Metas Sociais a pedido do Instituto Natura, é um
indicador que cruza dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), do
Censo Escolar e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad)
para mensurar a distorção entre série e idade dos alunos em conjunto com o
nível de aprendizagem.
O resultado é vexatório. Em 2023, só 15,5% dos
jovens se formaram no ensino médio na idade correta (17 anos)
ou com apenas 1 ano de atraso e demonstraram conhecimento mínimo desejável em
português e matemática. Para piorar, a pandemia interrompeu uma trajetória de
alta, e o país não conseguiu se recuperar.
O IIE, que é medido a cada dois anos, era de
9,5% em 2015, subiu a 13,5% em 2017 e atingiu 18,9% em 2019. Em 2021, caiu a
17%.
Há discrepâncias regionais. Dentre os 26
estados mais o Distrito Federal, 4 dos 5 piores colocados são do Norte: Amapá
(5,6%), Amazonas e Roraima (6,6%, ao lado do Maranhão) e Pará (6,9%). Já do
topo da lista, consta só um estado do Nordeste, o Ceará (18,1%), atrás de São
Paulo (18,6%), Goiás (19%), Espírito Santo (19,5%) e Paraná (20,4%).
Baixos índices de aprendizagem estimulam
a distorção série-idade com repetência que, por sua vez, leva à
evasão escolar, o maior flagelo do ensino médio.
Ademais, esse enorme montante de jovens com
educação precária enfrentará dificuldades para continuar sua formação acadêmica
ou encontrar trabalho e alcançar boa remuneração. Trata-se, portanto, de um
ciclo de mediocridade que limita talentos individuais e o desenvolvimento
econômico do país.
Tal gargalo precisa ser atacado já no ensino
fundamental, com aulas de reforço para alunos em defasagem. O modelo de
ensino integral, que melhora indicadores, deve ser expandido nas
duas etapa da educação básica.
A reforma do ensino médio, que ampliou a
carga horária de disciplinas obrigatórias como português e matemática, além de
adaptar o currículo aos interesses dos alunos inclusive com o ensino técnico,
também tem potencial para minimizar a evasão e incrementar a aprendizagem.
Espera-se, assim, que a expansão de matrículas possa enfim redundar num ensino de qualidade.
É preciso união política contra o crime
organizado
Por Valor Econômico
Tão importante quanto a aprovação do projeto
antifacção é o apoio à PEC da Segurança Pública
A investida contra o Comando Vermelho (CV)
nos complexos do Alemão e da Penha, que resultou em 121 mortos (sendo quatro
policiais), mostrou o poderio das gangues armadas, que levaram pânico à capital
fluminense. O episódio reforçou a necessidade premente de medidas práticas para
deter a expansão das redes criminosas no Rio e no resto do país, em primeiro
lugar, e depois marcar a presença do Estado em territórios abandonados ao
crime. É expediente comum de autoridades, diante de catástrofes como essa,
recorrer a mais leis que aumentem as penas dos crimes. Três projetos hoje
disputam a primazia no Legislativo, em meio a uma inapropriada disputa política
com conotações eleitorais, que se sobrepõe à indispensável demonstração de
união política contra adversários fortes e violentos, que oprimem a população
pobre e desagregam o tecido social.
O governo Lula enviou o PL 5582 “antifacção”,
que distingue facções das demais organizações criminosas, para caracterizar as
que, como o CV e o Primeiro Comando da Capital (PCC), visem “ao controle de
territórios ou de atividades econômicas, mediante o uso de violência, coação,
ameaça ou outro meio intimidatório”. As penalidades foram elevadas nesse caso
para 8 a 15 anos de reclusão e podem ser aumentadas da metade até o dobro no
caso de prisão de indivíduos no comando e de dois terços ao dobro nos casos de
ações que envolvam participação de crianças, emprego de arma de fogo de uso
restrito ou proibido, morte ou lesão de agente de segurança público,
infiltração no serviço público e outras circunstâncias.
Partidos da oposição, como o bolsonarista PL,
pretendem, no entanto, apoiar e aprovar o PL 1283, do deputado Danilo Forte
(União Brasil-CE), que qualifica grupos como o PCC e o CV como organizações
terroristas, em oposição ao projeto governista antifacção. O relator desse
projeto, Nikolas Ferreira (PL-MG), abriu mão para que o deputado Guilherme
Derrite, que se licenciou do comando da Secretaria de Segurança Pública do
governo de Tarcísio Freitas (Republicanos-SP) em São Paulo, volte à Câmara para
ser seu substituto.
Divergências políticas com fins eleitorais se
tornam claras. A caracterização de terrorismo só é plenamente cabível em grupos
que usam da violência com objetivos ideológicos, e não grupos de foras-da-lei
cujos fins são pecuniários. Na comparação entre os dois projetos, como seria de
se esperar, não há diferença marcante entre as penas propostas por um e outro -
elas praticamente se equivalem. O deputado Danilo Forte encaixa a nova
classificação mais por um dos métodos empregados pelas gangues das drogas - o
terror - do que pelos objetivos explícitos das organizações que o praticam, que
nada têm de políticos ou ideológicos. A extensão da lei antiterrorismo a esses
grupos decorre de que eles “têm utilizado o terror como instrumento para
atingir seus objetivos, seja para retaliar políticas públicas, ou para
demonstrar domínio, controle social ou poder paralelo ao Estado”, aponta.
Mais revelador das intenções políticas do
projeto da oposição está na menção, na exposição de motivos, aos EUA. “O
governo Trump designou cartéis e outras organizações criminosas como
organizações terroristas, reconhecendo que esses grupos representam uma ameaça
à segurança nacional”, o que lhe permitiu uso de “ferramentas e recursos
tradicionalmente empregados no combate ao terrorismo para combater o crime
organizado”. No contexto atual, a definição de terrorismo para o narcotráfico
deixa espaço aberto para a intervenção dos EUA no combate a esses grupos em
território brasileiro. Trump está bombardeando embarcações venezuelanas
supostamente pilotadas por traficantes, em ações que podem não se restringir ao
Caribe.
O projeto de lei antifacções é mais
abrangente, permite intervenção judicial em pessoas jurídicas, bloqueio
imediato de bens frutos das atividades ilícitas e a perda do pertencimento
antes mesmo do demorado trânsito em julgado judicial. A operação policial do
governador do Rio, Cláudio Castro (PL), obteve amplo apoio popular e deu uma
bandeira eleitoral aos partidos de oposição. O presidente Lula está tateando ao
responder, agindo de forma errática para tentar não perder terreno eleitoral -
logo depois da operação, disse que não se pode mais aceitar que o crime
organizado destrua famílias e evitou criticar a atuação das forças estaduais;
já ontem afirmou que a operação foi “desastrosa” e a chamou de “matança”.
Uma divisão política se torna incabível
diante do poder já atingido pelas organizações criminosas e da ameaça que
representam.
Sem acordo em torno do propósito de ampliar o
cerco a esses grupos armados, a unificação prática para ações preventivas e
ofensivas não ocorrerá. Da mesma forma, a CPI do Crime Organizado pode produzir
um amplo inventário da penetração, métodos e poder de fogo do crime organizado,
das formas possíveis de combatê-lo e dos meios necessários para isso. Se for
polarizada politicamente, não produzirá nada de relevante.
Tão importante quanto a aprovação do projeto antifacção e de boas ideias contidas no PL antiterrorismo é o apoio à PEC da Segurança Pública, que permitirá que União, Estados e organismos de segurança pública planejem e realizem ações quer permitam desbaratar com eficácia o avanço dos bandos armados e consigam sua derrota.
O triste fim da CPI do INSS
Por O Estado de S. Paulo
A comissão deveria servir para entender a
roubalheira das aposentadorias e evitar que se repetisse. O problema é que nem
governo nem oposição são inocentes, o que esvaziou as investigações
A História mostra que há Comissões
Parlamentares de Inquérito (CPIs) que emplacam e que não emplacam. Quando o
tema é popular, a chance de que os trabalhos da comissão funcionem é maior.
Melhor ainda se o timing dos
trabalhos for bom, se o relator montar uma equipe eficiente para assessorá-lo
e, sobretudo, se houver um algoz a culpar pelos malfeitos. A Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS) tinha tudo para cumprir esses requisitos, mas falhou no principal: não
há apenas um, mas muitos culpados pelos descontos ilegais nas aposentadorias e
pensões.
A expectativa inicial era a de que a CPMI
fosse um rolo compressor contra o Executivo, que vivia um de seus piores
momentos em termos de aprovação e popularidade. Mas, providencialmente, o
presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), conseguiu adiar a instalação
da CPMI por três meses, dando tempo para que o Executivo ressarcisse os
beneficiários pelos descontos ilegais antes que a comissão iniciasse seus trabalhos,
o que já retirou boa parte de seu apelo.
Quando a CPMI finalmente começou a funcionar,
o governo cochilou e perdeu os principais cargos da comissão – relatoria e
presidência – para a oposição. Parecia que a CPMI iria engatar. Mas, desde
então, a base aliada se redimiu e evitou que Frei Chico, irmão do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva e vice-presidente do Sindicato Nacional dos
Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), uma das entidades envolvidas no
esquema, fosse chamado para depor.
Comissões parlamentares de inquérito, como se
sabe, são instrumentos da minoria – tanto que o número mínimo de assinaturas
necessárias para protocolar um pedido de instalação é de apenas um terço dos
parlamentares. Logo, o governo atuar para conter o estrago de uma CPMI é algo
previsível, mas ver a oposição e o Centrão adotarem a mesma estratégia chega a
ser irônico.
Na prática, no entanto, é exatamente o que
está ocorrendo. O Estadão mostrou
que deputados e senadores têm pisado em ovos para não expor aliados de lado a
lado. Pudera. Há relatos de irregularidades desde 2016, durante o governo
Michel Temer, mas as denúncias ganharam escala na administração Jair Bolsonaro
e só vieram a público sob Lula, quando a arrecadação das entidades explodiu.
Vice-presidente da CPMI, o deputado Duarte
Jr. (PSB-MA) expôs à reportagem a existência de “advogados de acusação e de
defesa” dos governos Lula e Bolsonaro. “Tem grupos muito claros. Um grupo
destinado a defender Bolsonaro, passar pano e esconder os erros, assim como
também tem membros que fazem parte da base do governo que fazem a defesa
incondicional do governo”, afirmou.
São muitos telhados de vidro em potencial.
Membro da comissão, o senador Rogério Marinho (PL-RN) foi secretário especial
de Previdência e Trabalho durante o governo Bolsonaro, quando os ilícitos já
ocorriam. Onyx Lorenzoni, que assumiu a área depois que ela voltou a ter status
de ministério, é pai do advogado Pietro Lorenzoni, que prestou serviços para a
União Brasileira de Aposentados da Previdência (Unibap).
Um esquema bilionário não se constrói da
noite para o dia e muito menos por acaso. Ao longo de todos esses anos, o
Congresso deu aval a várias medidas que enfraqueceram mecanismos de
fiscalização desses débitos. Quando as investigações da Polícia Federal (PF)
resvalaram em nomes próximos a Alcolumbre e ao presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), o Centrão também passou a agir para se proteger.
Assim, em poucos meses, o objetivo da
comissão passou de apurar responsabilidades para reduzir danos. A prisão em
flagrante, nesta semana, do presidente da Confederação Brasileira dos
Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA), Abraão Lincoln Ferreira, mais
parece uma cortina de fumaça e uma tentativa desesperada de mostrar alguma
força, sobretudo agora que ela passará a dividir holofotes com a recém-criada
CPI do Crime Organizado no Senado. É uma pena, pois a sociedade merecia
respostas sobre um escândalo dessa monta.
O bom avanço do ensino técnico
Por O Estado de S. Paulo
O número de matrículas cresce ano após ano, o
que indica um bom momento da formação profissional no Brasil, mas a distância
dos países ricos mostra que ainda há muito trabalho a fazer
Após décadas de negligência das autoridades
públicas, da baixa oferta de vagas e do pouco estímulo para a adesão dos
estudantes, o ensino técnico vive, enfim, um bom momento no Brasil. De acordo
com o Censo Escolar, o número de alunos na chamada Educação Profissional e
Tecnológica (EPT) era de 2,1 milhões em 2022, subiu para 2,4 milhões no ano
seguinte e chegou a 2,6 milhões em 2024. Já segundo o relatório Education at a Glance, da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a proporção
de jovens matriculados no ensino técnico passou de 8% em 2013 para 14% em 2023
– um salto nada desprezível.
Esses dados indicam muitos avanços, mas
também ajudam a lembrar o quanto o Brasil ainda precisa melhorar. Isso porque
os números mais recentes mostram o País muito distante da meta de 4,8 milhões
de matrículas em EPT que havia sido traçada pelo Plano Nacional de Educação
(PNE) para ser cumprida até o ano passado. Além disso, nos países da OCDE,
grupo de nações desenvolvidas que o Brasil sonha um dia integrar, a média das
matrículas é de 44%.
Esse cenário vem mudando graças a políticas
públicas, novas demandas do mercado de trabalho e valorização da formação
técnica no País. São esses fatores que impulsionam a expansão do número de
alunos matriculados na EPT, mas há ajustes urgentes que podem elevar esses
indicadores a patamares mais condizentes com as necessidades do Brasil.
Segundo especialistas em educação ouvidos
pelo Estadão, o
primeiro passo para a ampliação do ensino técnico tem de ser dado na direção de
uma profunda mudança cultural. A sociedade brasileira precisa superar o velho
ranço bacharelesco de que o ensino universitário é a principal meta de vida,
deixando para trás a distorcida visão de que o ensino técnico é “inferior” a
uma faculdade. Como explicou a especialista em políticas educacionais e
ex-diretora global de Educação do Banco Mundial Claudia Costin, “infelizmente
ainda é preciso vencer certo preconceito, como se o ensino técnico fosse
destinado a determinadas classes sociais”.
Por óbvio, o ensino técnico é destinado a todos
os jovens que buscam um futuro melhor. Mas, para que eles se convençam disso, é
importante que o poder público, as escolas e o mercado de trabalho transmitam a
mensagem à sociedade de que o ensino técnico não é um atalho, mas, sim, uma
rodovia pavimentada.
Essa mensagem ganha mais sentido quando
escola e mercado de trabalho atuam juntos. Parcerias estratégicas entre
instituições de ensino e empresas podem levar a oferta de estágios que
complementam a formação do estudante e ainda os engajam na busca de soluções
para os grandes desafios atuais. Como disse a coordenadora de Projetos da
consultoria Vozes da Educação, Vanessa Terra, esses jovens poderão trabalhar
com “práticas sustentáveis” na agropecuária, “pensar em construções mais
seguras e resilientes” caso venham a atuar no setor de infraestrutura e ainda
“investir em fontes renováveis e eficiência energética” se tiverem uma
oportunidade na área de eletrônica ou de energia.
É importante ressaltar que o ensino médio já
abre hoje aos estudantes muitas portas na indústria, no comércio e no
agronegócio, entre tantos outros setores da economia. Segundo pesquisa da
Fundação Itaú, a taxa de desemprego entre quem tem ensino técnico é, em média,
de 7,2%, ante 10,2% entre os que concluíram apenas o ensino médio. Além disso,
com mais de 200 Escolas Técnicas Estaduais (Etecs) em São Paulo e mais de 200
mil estudantes, o Centro Paulo Souza (CPS) registra uma alta taxa de inserção
de seus alunos no mercado de trabalho. Em até um ano após a formatura, 77% dos
egressos estão empregados.
Tudo isso evidencia como a EPT pode
transformar a vida de milhões de jovens brasileiros. Com novas frentes de
atuação que ainda vão surgir em tecnologia, inovação e inteligência artificial,
será ainda mais gigantesco o potencial do ensino técnico no Brasil. Se acelerar
a expansão dessa modalidade de formação profissional, o País valorizará seus
talentos, crescerá economicamente e se aproximará da realidade dos países
ricos.
Era uma vez o petrolão
Por O Estado de S. Paulo
Se livrar o notório Renato Duque, o STF
consolidará o desmonte da Lava Jato e tripudiará do Brasil decente
O Supremo Tribunal Federal (STF) avança em
sua cruzada para reescrever a história recente do País. A cada decisão no
âmbito da Lava Jato, um novo capítulo é rasurado. A operação, que desvendou o
maior esquema de corrupção de que o País já teve notícia e devolveu bilhões de
reais aos cofres públicos, tem sido sistematicamente desmontada na Corte, como
se nunca tivesse existido. Mais uma vez, o ministro Dias Toffoli desferiu um
golpe na memória nacional ao votar para anular todas as provas e processos
contra o notório Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras e uma das
figuras centrais do escândalo do petrolão.
Duque não é um criminoso qualquer nesse
enredo infame. Foi ele quem ajudou a institucionalizar, dentro da Petrobras, o
sistema de propinas que financiou campanhas do PT, sustentou partidos aliados e
enriqueceu agentes públicos e empresários durante os governos petistas. Em suas
delações, admitiu ter recebido vultosas quantias de dinheiro, tendo devolvido
cerca de R$ 100 milhões, além de implicar diretamente Luiz Inácio Lula da Silva
na engrenagem criminosa. Mesmo assim, Dias Toffoli, que até pouco tempo atrás
não via nulidades nas condenações de Duque, mudou radicalmente de entendimento
e agora se soma a uma maioria no STF empenhada em apagar qualquer vestígio da
operação.
A justificativa, é claro, segue a mesma:
Duque seria mais um réu indefeso que foi submetido a “abusos e fraudes
processuais”. O argumento foi reiterado pelo decano da Corte, Gilmar Mendes,
que, ao analisar o caso do ex-diretor, evocou o conteúdo das mensagens
capturadas ilegalmente por um hacker para concluir que houve “conluio” entre o então
juiz federal Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato em Curitiba. Ou seja, o
que se vê é o STF acolher provas obtidas por meios ilícitos para anular
processos inteiros que resultaram de investigações policiais lícitas, robustas
e, ademais, respaldadas por provas materiais, confissões, rastros bancários e
acordos de colaboração homologados pelo próprio Supremo.
É uma inversão lógica e moral que assombra
esta república que ainda peleja para se firmar como tal, vale dizer, para
tratar todos os cidadãos de modo igual perante a lei. Sabe Deus por quais
razões, o STF se arvorou em revisor jurídico e político da Lava Jato,
transmitindo à sociedade a mensagem de que o crime compensa, desde que o
criminoso tenha como recorrer às mais altas instâncias judiciais do País.
Não se trata aqui de negar que a Lava Jato
cometeu excessos, e este jornal os apontou reiteradamente. Mas o que o STF tem
feito vai muito além da correção de distorções. Trata-se de uma política
deliberada de destruição institucional de tudo o que a operação representou: a
inédita possibilidade de que, no Brasil, poderosos fossem responsabilizados por
seus crimes.
O caso de Duque é sui generis. Suas condenações, que somam mais de 39 anos de prisão, foram baseadas em provas consistentes. Preso desde agosto de 2024, ele agora poderá desfrutar da vida como se nada tivesse feito de errado, como se o assalto à Petrobras tivesse sido uma alucinação coletiva.
Uma era de esquinas ímpares
Por Correio Braziliense
Se no momento de ascensão escolheu o refúgio,
Lô recusou o descanso e o dominical no fim de sua vida, quando já tinha todo
merecido reconhecimento por sua obra
Ontem, Belo Horizonte se despediu de Lô
Borges como ele merecia. Fãs, amigos, familiares e companheiros de estrada
compareceram ao Palácio das Artes para prestar homenagens ao baluarte e
cofundador do Clube da Esquina, um dos maiores movimentos culturais da história
do Brasil.
A morte de Salomão Borges Filho aos 73 anos,
porém, acende o triste alerta para a caminhada em direção ao fim de uma geração
de compositores de coisas naturais. Como bem destacou Zeca Baleiro, último
parceiro de Lô em vida, por meio do disco Céu de Giz: "Ele é de um tipo de
artista que não vai mais aparecer. Ele inventou um jeito de fazer música, então
a partida dele representa meio que o fim dessa linhagem", disse ontem à
imprensa.
Uma breve contextualização histórica é
fundamental para compreender Lô Borges como um artista singular. Após gravar
Clube da Esquina ao lado de Milton Nascimento, um dos maiores álbuns da
história do Brasil, o jovem de 20 anos compôs, no mesmo ano de 1972, ao lado do
irmão Márcio, o Disco do Tênis, um dos mais cultuados de sua carreira.
O que para muitos hoje seria momento de
"surfar na onda" do sucesso, foi hora de sol na cabeça para o jovem
do Santa Tereza. Lô pegou seu violão e viajou pelo Brasil. Parou seu trem azul
em Arembepe (BA), onde conviveu com hippies e, sem apego material ou ao
sucesso, distribuiu LPs do Disco do Tênis aos cavaleiros marginais com quem
trocava papos entre uma esquina e outra. Uma decisão que só poderia ser tomada
por um artista de linhagem única.
A tal singularidade citada por Zeca Baleiro
serve para descrever, também, o processo de composição de Lô Borges. O disco
lançado em 22 de agosto ao lado do maranhense tem bastidores saborosos. Em
casa, o mineiro compôs as melodias e lembrou, após duas décadas sem qualquer
contato, justamente de Baleiro para finalizar o trabalho a quatro mãos. Assim,
do nada, como um trem de doido.
Irmão do meio de uma família de 11 filhos, Lô
aprendeu desde cedo a dividir. Sua música independente, sem compromisso com a
sonoridade padrão do mercado, como bem definiu o baterista Charles Gavin
(Titãs), também era coletiva por paradoxo. As parcerias, desde aquelas com
vizinhos de Divinópolis com Paraisópolis até as mais recentes, evidenciam um
artista de coração generoso.
Uma dessas, inclusive, se constituiu com uma
fã de Brasília, que o encontrou na casa do pai, Salomão, ao tomar coragem de
tocar o interfone da casa da família Borges em Belo Horizonte. Manuela Costa e
Lô gravaram juntos Tobogã, lançado no ano passado com 12 faixas inéditas, fruto
do desprendimento também singular para um artista de tal magnitude.
Trata-se da essência que só um artista único
pode ter. Se no momento de ascensão escolheu o refúgio, Lô recusou o descanso e
o dominical no fim de sua vida, quando já tinha todo merecido reconhecimento
por sua obra. Lançou um disco por ano entre 2019 e 2025 e deixou outro
pronto.
Não era questão de querer mais, mas de apenas existir. Ser quem sempre foi: um artista com sonho real, desde o primeiro encontro com Bituca no Edifício Levy, no Centro de Belo Horizonte, aos 10 anos de idade.
Mães adolescentes
Por O Povo (CE)
Além das consequências físicas decorrentes,
com riscos à saúde da mãe e do bebê, há um impacto profundo na vida dessas
jovens, normalmente de famílias vulneráveis e de baixa escolaridade.
Reportagem publicada na edição de ontem,
assinada pela jornalista Lara Vieira, mostra um drama que atinge centenas de
mulheres adolescentes no Ceará.
Com o impactante título "Em 2025, uma
menina com menos de 14 anos deu à luz a cada dia no Ceará", a repórter
conta a história dessas crianças que geram outras crianças, sem que o corpo e a
mente estejam preparados para que elas se tornem mães.
Segundo dados do Sistema de Informação sobre
Nascidos Vivos (Sinasc), os partos de menores de 14 anos no Ceará caíram de 979
em 2021 para 662 em 2024, queda de 32%. De janeiro a setembro deste ano foram
registrados 370 partos, equivalente ao índice de 1,3 por dia.
Em Fortaleza também houve queda de
32,5%, passando de 206 casos em 2020 para 139 em 2024. Até setembro deste ano
foram 139 partos nessa faixa etária.
Apesar da redução do número de mães
adolescentes, ainda é um grave problema social e de saúde pública, que impacta
a vida dessas jovens mulheres.
A ginecologista Zenilda Vieira Bruno, chefe
da Divisão Médica da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac-UFC), explica
que a gravidez precoce traz riscos graves tanto à saúde física quanto
emocional das adolescentes. Quanto mais jovem a mulher, diz a médica,
"maior o risco de hipertensão, pré-eclâmpsia, hemorragia, infecção e até
de morte durante o parto. Os riscos emocionais são ainda maiores, porque essas
meninas, em geral, não têm apoio familiar".
Ou seja, essas meninas deixam de viver a
adolescência, uma fase importante da vida. A maioria das acolhidas na Meac tem
baixa escolaridade e abandonam a escola quando engravidam. É o caso de uma
adolescente entrevistada que disse ter deixado a escola "por
vergonha", quando começou a ser criticada por estar grávida.
Os dados mostram que, no Ceará, ocorre uma
queda consistente de gravidezes na faixa etária dos 14 anos desde 2017,
indicando um trabalho consistente de prevenção em nível estadual. Em todo
o Brasil, também se observa redução nos índices, com 17,5 mil casos em 2020,
número que passou para 11,9 mil em 2024, queda de 31,8%.
A gravidez na adolescência é um fenômeno que
acontece em todo o mundo, especialmente nos países mais pobres. Além dos riscos
à saúde da mãe e do bebê, há um impacto profundo na vida dessas jovens,
normalmente de famílias vulneráveis e de baixa escolaridade.
Portanto, é preciso continuar o trabalho, combinando política de educação e de assistência, orientando as adolescentes a como se prevenir de uma gravidez indesejada. É preciso cortar esse circuito, que leva cerca de 30% dessas jovens a terem o segundo filho ainda na adolescência — e evitar que outras tenham o primeiro, sem estarem em condições físicas e psicologicamente de passarem por um parto e de assumir a maternidade.

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