quarta-feira, 5 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Decretar GLO em Belém é medida correta

Por O Globo

Operações com militares já obtiveram sucesso em eventos internacionais — e crime organizado na região preocupa

Foi acertada a decisão do governo federal de decretar operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para a segurança da Cúpula de Líderes e da Conferência da ONU sobre o Clima (COP30), que acontecerão nos próximos dias em Belém, com a presença de autoridades nacionais e internacionais. O decreto atende a pedido do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), e abrange, além da capital, os municípios paraenses de Altamira e Tucuruí, permitindo o uso das Forças Armadas no patrulhamento. Não se pode arriscar diante de um megaevento, especialmente num momento em que o país vive crise aguda na segurança pública.

Prevista na Constituição, a GLO é um instrumento de caráter excepcional, que permite a militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica atuar na segurança pública quando as forças policiais por si sós não são suficientes para proteger a população. O plano para a COP30 prevê o emprego de quase 20 mil agentes: 7 mil das Forças Armadas, 2.500 das polícias Federal e Rodoviária Federal e 10 mil estaduais e municipais. A expectativa é que os eventos reúnam mais de 140 delegações estrangeiras e ao menos 50 chefes de Estado ou governo. Operações de GLO já obtiveram sucesso noutros grandes eventos, como a Cúpula do Brics, em julho deste ano, a Cúpula do G20, em novembro do ano passado, e a Olimpíada de 2016, todos no Rio.

Como mostram documentos obtidos pelo GLOBO, nas diretrizes de segurança distribuídas aos órgãos envolvidos, o governo federal sustenta que, por reunir líderes globais, a conferência se torna “alvo potencial para grupos que desejam desestabilizar a geopolítica ou exportar suas agendas políticas”. Autoridades citam preocupação com o aumento da atuação de facções criminosas como Comando Vermelho (CV) e Comando Classe A na região. Receberá reforços o policiamento de portos, aeroportos e instalações de infraestrutura. Um dos focos do esquema especial será a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira, sob proteção da Força Nacional de Segurança.

É sensata a preocupação com o crime organizado. Pelo menos um terço da Amazônia Legal já sofre com a presença ostensiva de organizações criminosas, tanto locais quanto de outras regiões, especialmente do Sudeste, como CV e PCC. Os índices de criminalidade dispararam nos municípios amazônicos, hoje entre os mais violentos do país. A atuação das facções do Sudeste na Amazônia ficou patente na megaoperação deflagrada pelas polícias do Rio contra o CV nos complexos do Alemão e da Penha na semana passada. Dos 117 suspeitos mortos, pelo menos 62 eram de outros estados — 19 do Pará e nove do Amazonas. Dos 113 presos, 33 eram de fora (cinco do Pará). A operação comprovou que as favelas cariocas têm servido de refúgio para líderes criminosos de outras regiões.

Em vista dos riscos inerentes a um evento do porte da COP30, é mais do que justificável a GLO em Belém. Não há dúvida de que isso dará maior tranquilidade aos participantes locais e aos visitantes. Mesmo considerando que se trata de solução temporária, como previsto em lei, é sempre oportuno ver os governos e as forças de segurança — federais, estaduais e municipais — atuando de forma integrada em benefício da sociedade. Deveria ser sempre assim no dia a dia de qualquer cidade brasileira.

Brasil é exemplo do que não deve ser feito em política industrial

Por O Globo

Em cinco anos, país alocou 1,4% do PIB em incentivos à produção. Resultados têm sido pífios

Defensores do protagonismo do Estado no desenvolvimento econômico têm chamado a atenção para a mudança recente de curso em países antes reticentes ao dirigismo estatal. Programas de incentivo adotados por Japão, Estados Unidos e Europa têm sido citados como evidências do êxito da nova onda intervencionista. Mas, por mais que possa haver algum mérito em certas políticas industriais mundo afora, no Brasil elas têm fracassado com consistência tão regular quanto as estações do ano, as fases da Lua ou os ciclos das marés. Por aqui, o neodesenvolvimentismo não tem nada de novo.

Em seu último relatório sobre perspectivas globais, o Fundo Monetário Internacional (FMI) cita o Brasil como exemplo do que não se deve fazer para desenvolver a indústria local, contrastando práticas brasileiras às da Coreia do Sul. De barreiras tarifárias e incentivos tributários à criação arbitrária de estatais em setores tidos como estratégicos, a política industrial brasileira tem sido pródiga em equívocos e rarefeita em sucessos. O exemplo mais eloquente é a Zona Franca de Manaus. Empresas recebem bilhões em incentivos, mas quase nada vai para a bioeconomia, vocação natural da região. Em vez disso, funciona longe dos centros de consumo uma indústria de motocicletas, TVs, aparelhos de ar condicionado e outros eletrônicos.

E esse está longe de ser o único caso de incentivo que gera muita distorção com resultado pífio para a sociedade. Da proverbial (e inútil) fábrica de chips aos pacotes recorrentes de salvação da indústria automotiva, a generosidade do Estado brasileiro tem sido enorme. De 2019 a 2024, cerca de R$ 790 bilhões foram destinados a setores específicos da economia, cifra equivalente a 1,4% do PIB, segundo estudo recente do economista Bruno Carazza, da Fundação Dom Cabral. Muito pouco se traduz em inovação, ganho de produtividade e crescimento. De modo geral, os benefícios são distribuídos a programas sem data para terminar, sem metas quantificáveis, sem compromisso de investimento mínimo em inovação e sem análises ao longo do tempo. Uma vez agraciado, um setor só precisa fazer lobby no Congresso para manter os benefícios de forma indefinida. Nessas horas, não faltam demagogos falando em defesa dos empregos em perigo. Todo esse faz de conta explica por que a economia brasileira está há décadas no pelotão retardatário da corrida global.

Em seu estudo, Carazza destaca que outra característica brasileira é volatilidade das regras. Sete em dez regulações avaliadas foram modificadas. “Mudanças não vêm acompanhadas de diagnósticos, avaliações e estimativas que justifiquem a sua implementação”, afirma. Dois terços dos incentivos tributários foram criados “sem a identificação de um órgão da estrutura federal para acompanhar a sua implementação e resultados”. Com tanta desorganização, não há como esperar resultado positivo.

Disputa política trava cooperação contra o narcotráfico

Por Folha de S. Paulo

Contenda entre Rio e Brasília mostra entrave para integração de entes federativos no combate às facções

Não é preciso esperar leis para unir esforços, e legisladores devem ampliar capacidade de ação do Estado contra o crime organizado

Além de resultar em morticínio recorde e avanços duvidosos no combate ao narcotráfico, a Operação Contenção, promovida no Rio de Janeiro, expôs entraves de difícil solução para a cooperação entre diferentes órgãos e entes federativos na segurança pública.

Já no dia da intervenção policial, o governador Cláudio Castro (PL) reclamou de alegadas negativas de colaboração por parte do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O ministro Ricardo Lewandowski, da Justiça, respondeu de modo insensato, recomendando que o estado, se não tivesse condição de combater a criminalidade, pedisse intervenção federal.

É cristalino que o avanço de facções criminosas no território nacional e mesmo no exterior exige mobilização de todos os níveis de governo. Fazê-lo, porém, depende da superação de obstáculos institucionais e políticos, dos quais a altercação entre Rio e Brasília é apenas uma amostra.

Idealmente, deveria haver clareza na legislação sobre como integrar os esforços não apenas das polícias federais e estaduais, mas de agências como controladorias, Receita Federal e Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) —o aspecto econômico-financeiro, afinal, deve ser central no cerco ao narcotráfico.

O Sistema Único de Segurança Pública (Susp), criado por lei em 2018, foi iniciativa nesse sentido, mas não saiu do papel. Agora o governo petista tenta colocá-lo na Constituição, o que por ora dificilmente dará em algo palpável.

Com a aprovação da população do Rio atestada pelo Datafolha, a Contenção se tornou bandeira da direita nas campanhas do próximo ano. Já Lula a qualificou como "matança" nesta terça (4).

O embate, mais estridente agora, reflete diferenças ideológicas enraizadas. A maioria dos governadores do centro-sul do país, com grande influência no Congresso Nacional, é adepta do endurecimento da ação policial —num exemplo, projeto na Câmara dos Deputados visa qualificar as facções como terroristas, para combatê-las como tal.

Esses setores têm grande desconfiança de propostas que visam coordenar forças, por medo de que seja sacrificada a autonomia dos estados. Acusam ainda o governo federal de leniência com o crime por visões de esquerda —e Lula não se ajudou ao declarar que traficantes também são vítimas de usuários, frase desastrada pela qual se desculpou.

Os entraves são muitos, mas não impedem mostras bem-sucedidas de ações integradas do poder público. A recente Operação Carbono Oculto, que apurou a infiltração de facções no setor de combustíveis, uniu Receita, Polícia FederalMinistério Público de São Paulo e PM local.

Autoridades não precisam esperar leis para unir esforços, e legisladores devem buscar ao menos denominadores comuns em propostas capazes de dar ao Estado maior capacidade de ação contra o narcotráfico que oprime comunidades inteiras. Que a comoção causada pela tragédia no Rio favoreça esse entendimento.

Nota vermelha

Por Folha de S. Paulo

Mais de 80% dos jovens não concluem o ensino médio na idade certa e com conhecimento adequado

Baixa aprendizagem incita evasão escolar; problema que limita desenvolvimento do país exige aulas de reforço e expansão do ensino integral

É inegável que o Brasil ampliou o acesso à educação nas últimas décadas. Mas tal avanço não se deu pari passu com a aprendizagem, como mostram avaliações domésticas e internacionais. E mais uma pesquisa, divulgada na última quinta (30), evidencia o problema.

O Índice de Inclusão Educacional (IIE), desenvolvido pela organização Metas Sociais a pedido do Instituto Natura, é um indicador que cruza dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), do Censo Escolar e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) para mensurar a distorção entre série e idade dos alunos em conjunto com o nível de aprendizagem.

O resultado é vexatório. Em 2023, só 15,5% dos jovens se formaram no ensino médio na idade correta (17 anos) ou com apenas 1 ano de atraso e demonstraram conhecimento mínimo desejável em português e matemática. Para piorar, a pandemia interrompeu uma trajetória de alta, e o país não conseguiu se recuperar.

O IIE, que é medido a cada dois anos, era de 9,5% em 2015, subiu a 13,5% em 2017 e atingiu 18,9% em 2019. Em 2021, caiu a 17%.

Há discrepâncias regionais. Dentre os 26 estados mais o Distrito Federal, 4 dos 5 piores colocados são do Norte: Amapá (5,6%), Amazonas e Roraima (6,6%, ao lado do Maranhão) e Pará (6,9%). Já do topo da lista, consta só um estado do Nordeste, o Ceará (18,1%), atrás de São Paulo (18,6%), Goiás (19%), Espírito Santo (19,5%) e Paraná (20,4%).

Baixos índices de aprendizagem estimulam a distorção série-idade com repetência que, por sua vez, leva à evasão escolar, o maior flagelo do ensino médio.

Ademais, esse enorme montante de jovens com educação precária enfrentará dificuldades para continuar sua formação acadêmica ou encontrar trabalho e alcançar boa remuneração. Trata-se, portanto, de um ciclo de mediocridade que limita talentos individuais e o desenvolvimento econômico do país.

Tal gargalo precisa ser atacado já no ensino fundamental, com aulas de reforço para alunos em defasagem. O modelo de ensino integral, que melhora indicadores, deve ser expandido nas duas etapa da educação básica.

A reforma do ensino médio, que ampliou a carga horária de disciplinas obrigatórias como português e matemática, além de adaptar o currículo aos interesses dos alunos inclusive com o ensino técnico, também tem potencial para minimizar a evasão e incrementar a aprendizagem.

Espera-se, assim, que a expansão de matrículas possa enfim redundar num ensino de qualidade.

É preciso união política contra o crime organizado

Por Valor Econômico

Tão importante quanto a aprovação do projeto antifacção é o apoio à PEC da Segurança Pública

A investida contra o Comando Vermelho (CV) nos complexos do Alemão e da Penha, que resultou em 121 mortos (sendo quatro policiais), mostrou o poderio das gangues armadas, que levaram pânico à capital fluminense. O episódio reforçou a necessidade premente de medidas práticas para deter a expansão das redes criminosas no Rio e no resto do país, em primeiro lugar, e depois marcar a presença do Estado em territórios abandonados ao crime. É expediente comum de autoridades, diante de catástrofes como essa, recorrer a mais leis que aumentem as penas dos crimes. Três projetos hoje disputam a primazia no Legislativo, em meio a uma inapropriada disputa política com conotações eleitorais, que se sobrepõe à indispensável demonstração de união política contra adversários fortes e violentos, que oprimem a população pobre e desagregam o tecido social.

O governo Lula enviou o PL 5582 “antifacção”, que distingue facções das demais organizações criminosas, para caracterizar as que, como o CV e o Primeiro Comando da Capital (PCC), visem “ao controle de territórios ou de atividades econômicas, mediante o uso de violência, coação, ameaça ou outro meio intimidatório”. As penalidades foram elevadas nesse caso para 8 a 15 anos de reclusão e podem ser aumentadas da metade até o dobro no caso de prisão de indivíduos no comando e de dois terços ao dobro nos casos de ações que envolvam participação de crianças, emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, morte ou lesão de agente de segurança público, infiltração no serviço público e outras circunstâncias.

Partidos da oposição, como o bolsonarista PL, pretendem, no entanto, apoiar e aprovar o PL 1283, do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), que qualifica grupos como o PCC e o CV como organizações terroristas, em oposição ao projeto governista antifacção. O relator desse projeto, Nikolas Ferreira (PL-MG), abriu mão para que o deputado Guilherme Derrite, que se licenciou do comando da Secretaria de Segurança Pública do governo de Tarcísio Freitas (Republicanos-SP) em São Paulo, volte à Câmara para ser seu substituto.

Divergências políticas com fins eleitorais se tornam claras. A caracterização de terrorismo só é plenamente cabível em grupos que usam da violência com objetivos ideológicos, e não grupos de foras-da-lei cujos fins são pecuniários. Na comparação entre os dois projetos, como seria de se esperar, não há diferença marcante entre as penas propostas por um e outro - elas praticamente se equivalem. O deputado Danilo Forte encaixa a nova classificação mais por um dos métodos empregados pelas gangues das drogas - o terror - do que pelos objetivos explícitos das organizações que o praticam, que nada têm de políticos ou ideológicos. A extensão da lei antiterrorismo a esses grupos decorre de que eles “têm utilizado o terror como instrumento para atingir seus objetivos, seja para retaliar políticas públicas, ou para demonstrar domínio, controle social ou poder paralelo ao Estado”, aponta.

Mais revelador das intenções políticas do projeto da oposição está na menção, na exposição de motivos, aos EUA. “O governo Trump designou cartéis e outras organizações criminosas como organizações terroristas, reconhecendo que esses grupos representam uma ameaça à segurança nacional”, o que lhe permitiu uso de “ferramentas e recursos tradicionalmente empregados no combate ao terrorismo para combater o crime organizado”. No contexto atual, a definição de terrorismo para o narcotráfico deixa espaço aberto para a intervenção dos EUA no combate a esses grupos em território brasileiro. Trump está bombardeando embarcações venezuelanas supostamente pilotadas por traficantes, em ações que podem não se restringir ao Caribe.

O projeto de lei antifacções é mais abrangente, permite intervenção judicial em pessoas jurídicas, bloqueio imediato de bens frutos das atividades ilícitas e a perda do pertencimento antes mesmo do demorado trânsito em julgado judicial. A operação policial do governador do Rio, Cláudio Castro (PL), obteve amplo apoio popular e deu uma bandeira eleitoral aos partidos de oposição. O presidente Lula está tateando ao responder, agindo de forma errática para tentar não perder terreno eleitoral - logo depois da operação, disse que não se pode mais aceitar que o crime organizado destrua famílias e evitou criticar a atuação das forças estaduais; já ontem afirmou que a operação foi “desastrosa” e a chamou de “matança”.

Uma divisão política se torna incabível diante do poder já atingido pelas organizações criminosas e da ameaça que representam.

Sem acordo em torno do propósito de ampliar o cerco a esses grupos armados, a unificação prática para ações preventivas e ofensivas não ocorrerá. Da mesma forma, a CPI do Crime Organizado pode produzir um amplo inventário da penetração, métodos e poder de fogo do crime organizado, das formas possíveis de combatê-lo e dos meios necessários para isso. Se for polarizada politicamente, não produzirá nada de relevante.

Tão importante quanto a aprovação do projeto antifacção e de boas ideias contidas no PL antiterrorismo é o apoio à PEC da Segurança Pública, que permitirá que União, Estados e organismos de segurança pública planejem e realizem ações quer permitam desbaratar com eficácia o avanço dos bandos armados e consigam sua derrota.

O triste fim da CPI do INSS

Por O Estado de S. Paulo

A comissão deveria servir para entender a roubalheira das aposentadorias e evitar que se repetisse. O problema é que nem governo nem oposição são inocentes, o que esvaziou as investigações

A História mostra que há Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) que emplacam e que não emplacam. Quando o tema é popular, a chance de que os trabalhos da comissão funcionem é maior. Melhor ainda se o timing dos trabalhos for bom, se o relator montar uma equipe eficiente para assessorá-lo e, sobretudo, se houver um algoz a culpar pelos malfeitos. A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tinha tudo para cumprir esses requisitos, mas falhou no principal: não há apenas um, mas muitos culpados pelos descontos ilegais nas aposentadorias e pensões.

A expectativa inicial era a de que a CPMI fosse um rolo compressor contra o Executivo, que vivia um de seus piores momentos em termos de aprovação e popularidade. Mas, providencialmente, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), conseguiu adiar a instalação da CPMI por três meses, dando tempo para que o Executivo ressarcisse os beneficiários pelos descontos ilegais antes que a comissão iniciasse seus trabalhos, o que já retirou boa parte de seu apelo.

Quando a CPMI finalmente começou a funcionar, o governo cochilou e perdeu os principais cargos da comissão – relatoria e presidência – para a oposição. Parecia que a CPMI iria engatar. Mas, desde então, a base aliada se redimiu e evitou que Frei Chico, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), uma das entidades envolvidas no esquema, fosse chamado para depor.

Comissões parlamentares de inquérito, como se sabe, são instrumentos da minoria – tanto que o número mínimo de assinaturas necessárias para protocolar um pedido de instalação é de apenas um terço dos parlamentares. Logo, o governo atuar para conter o estrago de uma CPMI é algo previsível, mas ver a oposição e o Centrão adotarem a mesma estratégia chega a ser irônico.

Na prática, no entanto, é exatamente o que está ocorrendo. O Estadão mostrou que deputados e senadores têm pisado em ovos para não expor aliados de lado a lado. Pudera. Há relatos de irregularidades desde 2016, durante o governo Michel Temer, mas as denúncias ganharam escala na administração Jair Bolsonaro e só vieram a público sob Lula, quando a arrecadação das entidades explodiu.

Vice-presidente da CPMI, o deputado Duarte Jr. (PSB-MA) expôs à reportagem a existência de “advogados de acusação e de defesa” dos governos Lula e Bolsonaro. “Tem grupos muito claros. Um grupo destinado a defender Bolsonaro, passar pano e esconder os erros, assim como também tem membros que fazem parte da base do governo que fazem a defesa incondicional do governo”, afirmou.

São muitos telhados de vidro em potencial. Membro da comissão, o senador Rogério Marinho (PL-RN) foi secretário especial de Previdência e Trabalho durante o governo Bolsonaro, quando os ilícitos já ocorriam. Onyx Lorenzoni, que assumiu a área depois que ela voltou a ter status de ministério, é pai do advogado Pietro Lorenzoni, que prestou serviços para a União Brasileira de Aposentados da Previdência (Unibap).

Um esquema bilionário não se constrói da noite para o dia e muito menos por acaso. Ao longo de todos esses anos, o Congresso deu aval a várias medidas que enfraqueceram mecanismos de fiscalização desses débitos. Quando as investigações da Polícia Federal (PF) resvalaram em nomes próximos a Alcolumbre e ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), o Centrão também passou a agir para se proteger.

Assim, em poucos meses, o objetivo da comissão passou de apurar responsabilidades para reduzir danos. A prisão em flagrante, nesta semana, do presidente da Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA), Abraão Lincoln Ferreira, mais parece uma cortina de fumaça e uma tentativa desesperada de mostrar alguma força, sobretudo agora que ela passará a dividir holofotes com a recém-criada CPI do Crime Organizado no Senado. É uma pena, pois a sociedade merecia respostas sobre um escândalo dessa monta.

O bom avanço do ensino técnico

Por O Estado de S. Paulo

O número de matrículas cresce ano após ano, o que indica um bom momento da formação profissional no Brasil, mas a distância dos países ricos mostra que ainda há muito trabalho a fazer

Após décadas de negligência das autoridades públicas, da baixa oferta de vagas e do pouco estímulo para a adesão dos estudantes, o ensino técnico vive, enfim, um bom momento no Brasil. De acordo com o Censo Escolar, o número de alunos na chamada Educação Profissional e Tecnológica (EPT) era de 2,1 milhões em 2022, subiu para 2,4 milhões no ano seguinte e chegou a 2,6 milhões em 2024. Já segundo o relatório Education at a Glance, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a proporção de jovens matriculados no ensino técnico passou de 8% em 2013 para 14% em 2023 – um salto nada desprezível.

Esses dados indicam muitos avanços, mas também ajudam a lembrar o quanto o Brasil ainda precisa melhorar. Isso porque os números mais recentes mostram o País muito distante da meta de 4,8 milhões de matrículas em EPT que havia sido traçada pelo Plano Nacional de Educação (PNE) para ser cumprida até o ano passado. Além disso, nos países da OCDE, grupo de nações desenvolvidas que o Brasil sonha um dia integrar, a média das matrículas é de 44%.

Esse cenário vem mudando graças a políticas públicas, novas demandas do mercado de trabalho e valorização da formação técnica no País. São esses fatores que impulsionam a expansão do número de alunos matriculados na EPT, mas há ajustes urgentes que podem elevar esses indicadores a patamares mais condizentes com as necessidades do Brasil.

Segundo especialistas em educação ouvidos pelo Estadão, o primeiro passo para a ampliação do ensino técnico tem de ser dado na direção de uma profunda mudança cultural. A sociedade brasileira precisa superar o velho ranço bacharelesco de que o ensino universitário é a principal meta de vida, deixando para trás a distorcida visão de que o ensino técnico é “inferior” a uma faculdade. Como explicou a especialista em políticas educacionais e ex-diretora global de Educação do Banco Mundial Claudia Costin, “infelizmente ainda é preciso vencer certo preconceito, como se o ensino técnico fosse destinado a determinadas classes sociais”.

Por óbvio, o ensino técnico é destinado a todos os jovens que buscam um futuro melhor. Mas, para que eles se convençam disso, é importante que o poder público, as escolas e o mercado de trabalho transmitam a mensagem à sociedade de que o ensino técnico não é um atalho, mas, sim, uma rodovia pavimentada.

Essa mensagem ganha mais sentido quando escola e mercado de trabalho atuam juntos. Parcerias estratégicas entre instituições de ensino e empresas podem levar a oferta de estágios que complementam a formação do estudante e ainda os engajam na busca de soluções para os grandes desafios atuais. Como disse a coordenadora de Projetos da consultoria Vozes da Educação, Vanessa Terra, esses jovens poderão trabalhar com “práticas sustentáveis” na agropecuária, “pensar em construções mais seguras e resilientes” caso venham a atuar no setor de infraestrutura e ainda “investir em fontes renováveis e eficiência energética” se tiverem uma oportunidade na área de eletrônica ou de energia.

É importante ressaltar que o ensino médio já abre hoje aos estudantes muitas portas na indústria, no comércio e no agronegócio, entre tantos outros setores da economia. Segundo pesquisa da Fundação Itaú, a taxa de desemprego entre quem tem ensino técnico é, em média, de 7,2%, ante 10,2% entre os que concluíram apenas o ensino médio. Além disso, com mais de 200 Escolas Técnicas Estaduais (Etecs) em São Paulo e mais de 200 mil estudantes, o Centro Paulo Souza (CPS) registra uma alta taxa de inserção de seus alunos no mercado de trabalho. Em até um ano após a formatura, 77% dos egressos estão empregados.

Tudo isso evidencia como a EPT pode transformar a vida de milhões de jovens brasileiros. Com novas frentes de atuação que ainda vão surgir em tecnologia, inovação e inteligência artificial, será ainda mais gigantesco o potencial do ensino técnico no Brasil. Se acelerar a expansão dessa modalidade de formação profissional, o País valorizará seus talentos, crescerá economicamente e se aproximará da realidade dos países ricos.

Era uma vez o petrolão

Por O Estado de S. Paulo

Se livrar o notório Renato Duque, o STF consolidará o desmonte da Lava Jato e tripudiará do Brasil decente

O Supremo Tribunal Federal (STF) avança em sua cruzada para reescrever a história recente do País. A cada decisão no âmbito da Lava Jato, um novo capítulo é rasurado. A operação, que desvendou o maior esquema de corrupção de que o País já teve notícia e devolveu bilhões de reais aos cofres públicos, tem sido sistematicamente desmontada na Corte, como se nunca tivesse existido. Mais uma vez, o ministro Dias Toffoli desferiu um golpe na memória nacional ao votar para anular todas as provas e processos contra o notório Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras e uma das figuras centrais do escândalo do petrolão.

Duque não é um criminoso qualquer nesse enredo infame. Foi ele quem ajudou a institucionalizar, dentro da Petrobras, o sistema de propinas que financiou campanhas do PT, sustentou partidos aliados e enriqueceu agentes públicos e empresários durante os governos petistas. Em suas delações, admitiu ter recebido vultosas quantias de dinheiro, tendo devolvido cerca de R$ 100 milhões, além de implicar diretamente Luiz Inácio Lula da Silva na engrenagem criminosa. Mesmo assim, Dias Toffoli, que até pouco tempo atrás não via nulidades nas condenações de Duque, mudou radicalmente de entendimento e agora se soma a uma maioria no STF empenhada em apagar qualquer vestígio da operação.

A justificativa, é claro, segue a mesma: Duque seria mais um réu indefeso que foi submetido a “abusos e fraudes processuais”. O argumento foi reiterado pelo decano da Corte, Gilmar Mendes, que, ao analisar o caso do ex-diretor, evocou o conteúdo das mensagens capturadas ilegalmente por um hacker para concluir que houve “conluio” entre o então juiz federal Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato em Curitiba. Ou seja, o que se vê é o STF acolher provas obtidas por meios ilícitos para anular processos inteiros que resultaram de investigações policiais lícitas, robustas e, ademais, respaldadas por provas materiais, confissões, rastros bancários e acordos de colaboração homologados pelo próprio Supremo.

É uma inversão lógica e moral que assombra esta república que ainda peleja para se firmar como tal, vale dizer, para tratar todos os cidadãos de modo igual perante a lei. Sabe Deus por quais razões, o STF se arvorou em revisor jurídico e político da Lava Jato, transmitindo à sociedade a mensagem de que o crime compensa, desde que o criminoso tenha como recorrer às mais altas instâncias judiciais do País.

Não se trata aqui de negar que a Lava Jato cometeu excessos, e este jornal os apontou reiteradamente. Mas o que o STF tem feito vai muito além da correção de distorções. Trata-se de uma política deliberada de destruição institucional de tudo o que a operação representou: a inédita possibilidade de que, no Brasil, poderosos fossem responsabilizados por seus crimes.

O caso de Duque é sui generis. Suas condenações, que somam mais de 39 anos de prisão, foram baseadas em provas consistentes. Preso desde agosto de 2024, ele agora poderá desfrutar da vida como se nada tivesse feito de errado, como se o assalto à Petrobras tivesse sido uma alucinação coletiva.

Uma era de esquinas ímpares

Por Correio Braziliense

Se no momento de ascensão escolheu o refúgio, Lô recusou o descanso e o dominical no fim de sua vida, quando já tinha todo merecido reconhecimento por sua obra

Ontem, Belo Horizonte se despediu de Lô Borges como ele merecia. Fãs, amigos, familiares e companheiros de estrada compareceram ao Palácio das Artes para prestar homenagens ao baluarte e cofundador do Clube da Esquina, um dos maiores movimentos culturais da história do Brasil. 

A morte de Salomão Borges Filho aos 73 anos, porém, acende o triste alerta para a caminhada em direção ao fim de uma geração de compositores de coisas naturais. Como bem destacou Zeca Baleiro, último parceiro de Lô em vida, por meio do disco Céu de Giz: "Ele é de um tipo de artista que não vai mais aparecer. Ele inventou um jeito de fazer música, então a partida dele representa meio que o fim dessa linhagem", disse ontem à imprensa.

Uma breve contextualização histórica é fundamental para compreender Lô Borges como um artista singular. Após gravar Clube da Esquina ao lado de Milton Nascimento, um dos maiores álbuns da história do Brasil, o jovem de 20 anos compôs, no mesmo ano de 1972, ao lado do irmão Márcio, o Disco do Tênis, um dos mais cultuados de sua carreira. 

O que para muitos hoje seria momento de "surfar na onda" do sucesso, foi hora de sol na cabeça para o jovem do Santa Tereza. Lô pegou seu violão e viajou pelo Brasil. Parou seu trem azul em Arembepe (BA), onde conviveu com hippies e, sem apego material ou ao sucesso, distribuiu LPs do Disco do Tênis aos cavaleiros marginais com quem trocava papos entre uma esquina e outra. Uma decisão que só poderia ser tomada por um artista de linhagem única. 

A tal singularidade citada por Zeca Baleiro serve para descrever, também, o processo de composição de Lô Borges. O disco lançado em 22 de agosto ao lado do maranhense tem bastidores saborosos. Em casa, o mineiro compôs as melodias e lembrou, após duas décadas sem qualquer contato, justamente de Baleiro para finalizar o trabalho a quatro mãos. Assim, do nada, como um trem de doido. 

Irmão do meio de uma família de 11 filhos, Lô aprendeu desde cedo a dividir. Sua música independente, sem compromisso com a sonoridade padrão do mercado, como bem definiu o baterista Charles Gavin (Titãs), também era coletiva por paradoxo. As parcerias, desde aquelas com vizinhos de Divinópolis com Paraisópolis até as mais recentes, evidenciam um artista de coração generoso. 

Uma dessas, inclusive, se constituiu com uma fã de Brasília, que o encontrou na casa do pai, Salomão, ao tomar coragem de tocar o interfone da casa da família Borges em Belo Horizonte. Manuela Costa e Lô gravaram juntos Tobogã, lançado no ano passado com 12 faixas inéditas, fruto do desprendimento também singular para um artista de tal magnitude.

Trata-se da essência que só um artista único pode ter. Se no momento de ascensão escolheu o refúgio, Lô recusou o descanso e o dominical no fim de sua vida, quando já tinha todo merecido reconhecimento por sua obra. Lançou um disco por ano entre 2019 e 2025 e deixou outro pronto. 

Não era questão de querer mais, mas de apenas existir. Ser quem sempre foi: um artista com sonho real, desde o primeiro encontro com Bituca no Edifício Levy, no Centro de Belo Horizonte, aos 10 anos de idade.

Mães adolescentes

Por O Povo (CE)

Além das consequências físicas decorrentes, com riscos à saúde da mãe e do bebê, há um impacto profundo na vida dessas jovens, normalmente de famílias vulneráveis e de baixa escolaridade.

Reportagem publicada na edição de ontem, assinada pela jornalista Lara Vieira, mostra um drama que atinge centenas de mulheres adolescentes no Ceará.

Com o impactante título "Em 2025, uma menina com menos de 14 anos deu à luz a cada dia no Ceará", a repórter conta a história dessas crianças que geram outras crianças, sem que o corpo e a mente estejam preparados para que elas se tornem mães.

Segundo dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc), os partos de menores de 14 anos no Ceará caíram de 979 em 2021 para 662 em 2024, queda de 32%. De janeiro a setembro deste ano foram registrados 370 partos, equivalente ao índice de 1,3 por dia.

Em Fortaleza também houve queda de 32,5%, passando de 206 casos em 2020 para 139 em 2024. Até setembro deste ano foram 139 partos nessa faixa etária.

Apesar da redução do número de mães adolescentes, ainda é um grave problema social e de saúde pública, que impacta a vida dessas jovens mulheres.

A ginecologista Zenilda Vieira Bruno, chefe da Divisão Médica da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac-UFC), explica que a gravidez precoce traz riscos graves tanto à saúde física quanto emocional das adolescentes. Quanto mais jovem a mulher, diz a médica, "maior o risco de hipertensão, pré-eclâmpsia, hemorragia, infecção e até de morte durante o parto. Os riscos emocionais são ainda maiores, porque essas meninas, em geral, não têm apoio familiar".

Ou seja, essas meninas deixam de viver a adolescência, uma fase importante da vida. A maioria das acolhidas na Meac tem baixa escolaridade e abandonam a escola quando engravidam. É o caso de uma adolescente entrevistada que disse ter deixado a escola "por vergonha", quando começou a ser criticada por estar grávida.

Os dados mostram que, no Ceará, ocorre uma queda consistente de gravidezes na faixa etária dos 14 anos desde 2017, indicando um trabalho consistente de prevenção em nível estadual. Em todo o Brasil, também se observa redução nos índices, com 17,5 mil casos em 2020, número que passou para 11,9 mil em 2024, queda de 31,8%.

A gravidez na adolescência é um fenômeno que acontece em todo o mundo, especialmente nos países mais pobres. Além dos riscos à saúde da mãe e do bebê, há um impacto profundo na vida dessas jovens, normalmente de famílias vulneráveis e de baixa escolaridade.

Portanto, é preciso continuar o trabalho, combinando política de educação e de assistência, orientando as adolescentes a como se prevenir de uma gravidez indesejada. É preciso cortar esse circuito, que leva cerca de 30% dessas jovens a terem o segundo filho ainda na adolescência — e evitar que outras tenham o primeiro, sem estarem em condições físicas e psicologicamente de passarem por um parto e de assumir a maternidade.

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