Folha de S. Paulo
Em discurso, deputado defendeu a polícia, mas
atacou o governador
Parlamentar respondeu melhor do que o
Planalto à crise de segurança
É verdade que a bancada
evangélica reúne representantes muito diferentes do campo
evangélico. Mas o alinhamento produzido pelo bolsonarismo agora divide espaço
com vozes dissidentes.
A fala do deputado Nikolas
Ferreira (PL-MG), ao comentar a ação militar no Rio, repetiu sua
fórmula: a esquerda é a causa de todos os males do país.
Para engajar nas redes, recorre a frases de impacto. Classificou a operação como "a maior faxina da história do Rio de Janeiro". Seu colega de partido, André Fernandes, também evangélico, foi além: pediu uma salva de palmas para os bandidos mortos.
É fato que o brasileiro quer mais segurança
—inclusive o evangélico, que é majoritariamente periférico e deseja mais
proteção em seus bairros. Mas o argumento punitivista —"bandido bom é
bandido morto"— é rejeitado em muitas igrejas.
"Na boca de Jesus não se ouviu essa
frase", pregou o pastor pentecostal Nilson Gomes às vésperas da
eleição presidencial de 2018. "Na boca de Jesus [o ladrão] ouviu: ‘Hoje
estarás comigo no paraíso’."
Foi nessa brecha que entrou o deputado e
pastor Otoni
de Paula (MDB-RJ). "É fácil subir nesta tribuna e dizer
‘que bom, matou’, porque o seu filho não está lá dentro", discursou
Otoni.
"Preto, de chinelo Havaiana e sem camisa
pode ser trabalhador, mas, se correr, é bandido", acrescentou, informando
que pelo menos quatro evangélicos que nunca haviam pegado em fuzis morreram na
ação.
Por não ter o compromisso de defender um dos
lados, seu discurso soa mais honesto e ponderado. Ele defende a polícia e apoia
o uso da força contra o crime, mas critica o que chama de
"espetáculo" do governador do
Rio, que, segundo ele, busca dar a falsa impressão de que algo está
sendo resolvido.
Otoni foi líder da bancada evangélica e
bolsonarista até ser preterido
pelo ex-presidente quando quis disputar a eleição para prefeito
do Rio no ano passado. Fez uma autocrítica, passou a denunciar a
instrumentalização da fé. Agora prega que parlamentares evangélicos se orientem
pela Bíblia, não por interesses partidários.
A imagem que ficou dessa ação policial é a
dos corpos de
jovens mortos a céu aberto, em uma rua estreita de bairro pobre,
observados pelos moradores. A celebração de Nikolas soa deslocada diante dessa
cena; a de Otoni dialoga com ela.
"Quem controla o dinheiro do crime é
branco, tem olho azul e curso em faculdade. O dinheiro do crime está sendo lavado
em fintechs —mas é mais fácil meter o pé na porta do
favelado", concluiu.
Mesmo sem defender Lula e
o PT, Otoni respondeu melhor do que o Planalto à crise no Rio. Com a direita
desorganizada, ele se posiciona como uma liderança alternativa para candidatos
e partidos que queiram cortejar os numerosos evangélicos pentecostais.
Mas, mais do que qualquer discurso, o vídeo
que viralizou entre evangélicos foi o da banca da Igreja Universal, na Vila
Pinheiro, distribuindo água e oração aos moradores, ao lado dos
corpos deixados pela operação. É assim que as igrejas querem ser vistas no
debate sobre a violência: não como justiceira, mas como abrigo a quem precisa.

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