Correio Braziliense
"Para alguns, as mortes na megaoperação
parecem oferecer uma sensação de vingança. Mas trata-se de uma ilusão. É como
beber algo que parece doce, mas é veneno"
Hoje completa uma semana desde a megaoperação
no Rio de Janeiro. A esta hora, na semana passada, o país assistia a uma das
maiores cenas de violência e terror da história recente. Sempre que um grande
fato ocorre, o tempo costuma servir como lente para compreender o que, afinal,
ele significou. Passados sete dias desde o caos, parece que parte da nação se
deixou levar pelo doce sabor de um veneno destrutivo.
Aquele horror de ver tantos corpos esticados
em uma praça pública — cena registrada no dia seguinte à operação, na última
quarta-feira (29/10), após moradores recolherem mortos de uma área de mata
entre os complexos da Penha e do Alemão — parece já ter ficado para trás.
Depois do choque inicial, as mortes foram reduzidas a mais um duelo entre
apoiadores e críticos da ação policial.
Assim como ocorreu no período eleitoral, pouco se discutiu sobre políticas públicas ou soluções reais. A pergunta que dominou o debate foi outra: "você está do lado da esquerda ou da direita?". Difícil entender a origem de tanta superficialidade diante de questões tão complexas. As redes sociais, claro, ajudam a consolidar essa pobreza de argumentos e posições. Mas isso é assunto para outro texto.
Evito falar por outros, mas desta vez peço
licença para afirmar algo simples: ninguém é a favor da criminalidade. Não
importa a posição política, a renda ou sua região do país. A maior parte dos
brasileiros é profundamente contrária ao crime e à violência que assolam os
grandes centros urbanos.
Nas últimas semanas, porém, essa posição que
parecia óbvia foi distorcida. Isso porque as mais de 120 pessoas mortas na
operação eram apresentadas como supostos criminosos. O estado de exaustão do
brasileiro em relação à segurança pública — ou melhor, à ausência dela — acabou
se tornando combustível para uma lógica perigosa: a de justificar e apoiar
mortes em nome de um suposto "alívio".
Todos os dias ouvimos relatos de violência ao
nosso redor. Um amigo roubado, um familiar que teve a casa invadida, o vizinho
que teve o carro levado de madrugada. Histórias se acumulam, e a
violência virou algo que "faz parte". Outro dia, um colega comentou
que usa "celular de ladrão": um modelo antigo, que ele considera
"roubável". Um absurdo cada vez mais naturalizado.
Para alguns, as mortes na megaoperação
parecem oferecer uma sensação de vingança e de controle — como se fosse
possível "matar" o crime. Mas trata-se de uma ilusão. Uma válvula
emocional, não uma solução.
É como beber algo que parece doce, mas é
veneno. Num primeiro momento, pode trazer sensação de alívio. Porém, aceitar
execuções sumárias como resposta à insegurança não nos aproxima de um país mais
seguro — apenas nos afasta ainda mais da ideia de justiça. Não existe paz
construída sobre corpos. Não existe futuro erguido sobre a crença de que vidas
podem ser sacrificadas sem processo, sem voz, sem nome. Segurança não nasce do
silêncio imposto pela morte.

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