terça-feira, 4 de novembro de 2025

Xandão in Rio, por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Impressiona que alguém – vivendo no mundo real – ainda se surpreenda com o apoio popular à operação policial havida nos complexos da Penha e do Alemão. A maior aprovação vem do morador da favela. Complexo nomeia a consolidação de área tomada pelo crime organizado, uma faixa contínua de terra, que amarra e anula bairros e comunidades – para constituir cidade à parte, cidadela mesmo.

Habitam ali pessoas oprimidas, acostumadas à lei da tortura, que veem fuzis todos os dias; e que apenas querem viver como as gentes que moram no asfalto carioca, para quem a violência, grande possibilidade, é materialização eventual. Para o morador da favela, é o próprio endereço – é abrir a porta de casa. Ninguém suporta isso. Sentimento que será explorado eleitoralmente. Explorada eleitoralmente será a desonestidade intelectual de pregar que se possa reverter essa realidade sem dura intervenção armada.

Somente a intervenção armada não bastará, mais ou menos incompetente o governador. Bizarro sendo que à óbvia centralidade da questão “segurança pública” em 2026 não tenha equivalido a constituição prioritária nacional de políticas estruturais para o tema. Qual o plano para a ocupação – a das fronteiras – sem a qual terreno nenhum será recuperado? Estão todos no fim dos mandatos. Governante nenhum tem ideia sobre o que fazer. Nem Lula, nem Tarcísio de Freitas, nem Claudio Castro. Lula tem Lewandowski e, com Lewandowski, quer acelerar... Sobram delírios. Sobram discursos. Sobram improvisos. Sobram oportunidades. Não faltarão os oportunistas; talvez os outsiders.

Sobram também as condições para que novas operações, da mesma magnitude, tenham vez em breve. A legitimidade derivada do apoio popular instiga o governante – eleição no horizonte próximo – a surfar a onda.

A onda se apresenta para a direita – chance, neste pós-Bolsonaro, de superar Bolsonaro e a bandeira despolitizadora da anistia. Daí vem o tal “Consórcio da Paz” – o próprio enterro de Jair.

O governo do Rio – por cuja porta da frente saiu o traficante Abelha – atribui o crescimento do Comando Vermelho aos efeitos da ADPF das Favelas. Esse é o texto. Joga a responsabilidade para o Supremo. Não é certo afirmar que as gestões do STF tenham impedido a ocorrência de operações policiais. Certo sendo que as limitaram; e que representaram interferência em prerrogativas do Executivo estadual. Certíssimo sendo que os argumentos de Castro ficam fortalecidos ante a constatação de que Alemão e Penha se tornaram mesmo abrigo para bandidos de outros Estados.

Os efeitos da ADPF – o crime que teria se robustecido ante a paralisação do Estado – servem, em termos narrativos, para que o governo do Rio se justifique duplamente: sobre os anos de falta de atividade articulada; e sobre o tamanho do combate havido na serra da Misericórdia. Justificarão também as ações do porvir, a ver ainda se Xandão in Rio produzirá um corregedor de polícia, ou até um interventor. •

 

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