O Estado de S. Paulo
Impressiona que alguém – vivendo no mundo real – ainda se surpreenda com o apoio popular à operação policial havida nos complexos da Penha e do Alemão. A maior aprovação vem do morador da favela. Complexo nomeia a consolidação de área tomada pelo crime organizado, uma faixa contínua de terra, que amarra e anula bairros e comunidades – para constituir cidade à parte, cidadela mesmo.
Habitam ali pessoas oprimidas, acostumadas à lei da tortura, que veem fuzis todos os dias; e que apenas querem viver como as gentes que moram no asfalto carioca, para quem a violência, grande possibilidade, é materialização eventual. Para o morador da favela, é o próprio endereço – é abrir a porta de casa. Ninguém suporta isso. Sentimento que será explorado eleitoralmente. Explorada eleitoralmente será a desonestidade intelectual de pregar que se possa reverter essa realidade sem dura intervenção armada.
Somente a intervenção armada não bastará,
mais ou menos incompetente o governador. Bizarro sendo que à óbvia centralidade
da questão “segurança pública” em 2026 não tenha equivalido a constituição
prioritária nacional de políticas estruturais para o tema. Qual o plano para a
ocupação – a das fronteiras – sem a qual terreno nenhum será recuperado? Estão
todos no fim dos mandatos. Governante nenhum tem ideia sobre o que fazer. Nem
Lula, nem Tarcísio de Freitas, nem Claudio Castro. Lula tem Lewandowski e, com
Lewandowski, quer acelerar... Sobram delírios. Sobram discursos. Sobram
improvisos. Sobram oportunidades. Não faltarão os oportunistas; talvez os
outsiders.
Sobram também as condições para que novas
operações, da mesma magnitude, tenham vez em breve. A legitimidade derivada do
apoio popular instiga o governante – eleição no horizonte próximo – a surfar a
onda.
A onda se apresenta para a direita – chance,
neste pós-Bolsonaro, de superar Bolsonaro e a bandeira despolitizadora da
anistia. Daí vem o tal “Consórcio da Paz” – o próprio enterro de Jair.
O governo do Rio – por cuja porta da frente
saiu o traficante Abelha – atribui o crescimento do Comando Vermelho aos
efeitos da ADPF das Favelas. Esse é o texto. Joga a responsabilidade para o
Supremo. Não é certo afirmar que as gestões do STF tenham impedido a ocorrência
de operações policiais. Certo sendo que as limitaram; e que representaram
interferência em prerrogativas do Executivo estadual. Certíssimo sendo que os
argumentos de Castro ficam fortalecidos ante a constatação de que Alemão e
Penha se tornaram mesmo abrigo para bandidos de outros Estados.
Os efeitos da ADPF – o crime que teria se
robustecido ante a paralisação do Estado – servem, em termos narrativos, para
que o governo do Rio se justifique duplamente: sobre os anos de falta de
atividade articulada; e sobre o tamanho do combate havido na serra da
Misericórdia. Justificarão também as ações do porvir, a ver ainda se Xandão in
Rio produzirá um corregedor de polícia, ou até um interventor. •

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