O Estado de S. Paulo
Se a questão venezuelana chegou ao ponto em que está, isso se deve à própria esquerda, que reconhece em Maduro um líder revolucionário e é conivente com a repressão
O cerco do governo Trump à ditadura de Nicolás Maduro, devendo-se tratar o dito presidente como tirano que é, tem suscitado questões relativas à soberania da Venezuela diante da ameaça de uma potência estrangeira. É como se os problemas desse país se reduzissem a ações intempestivas do presidente Trump, aproveitando-se a esquerda para se arvorar em defensora de um “povo” prestes a ser invadido, algo que caberia num esquema conceitual mecânico de uma esquerda pobre de conceitos. Procura-se passar para baixo do tapete, uma mera sujeira a ser escondida, a brutal repressão do verdadeiro povo venezuelano, submetido à tortura, à fome, à ausência total de liberdades e à violência de um governo revolucionário.
A soberania do povo – aliás, historicamente,
uma bandeira da esquerda – foi violada pela própria esquerda. Se a questão
venezuelana chegou ao ponto em que se encontra, isso se deve à própria
esquerda, que não apenas reconhece em Maduro um líder revolucionário, como é
conivente com a repressão que lá impera. Se, no decorrer dos governos Chávez e
Maduro, as eleições foram utilizadas, por intermédio de várias manipulações,
para subverter a democracia por meios democráticos, as últimas eleições
estamparam a fraude, de tão escancarada que até governos de esquerda não
lograram reconhecê-las. E, no entanto, ele continuou no poder, com apoio de
governos esquerdistas como o brasileiro. O presidente Lula, com alguma
dificuldade, conseguiu balbuciar algumas críticas para logo esquecê-las, em
nome de supostas negociações diplomáticas que nunca foram levadas a sério.
Chega a ser hilário que o presidente
brasileiro tenha se posicionado, em relação ao governo Trump, em defesa de
Maduro, optando por uma “negociação diplomática”. Qual? A conduzida por ele não
produziu resultado nenhum, senão a acomodação com a ditadura. Vociferando,
disse que uma intervenção americana seria uma “catástrofe”! Qual? A da
violência revolucionária por ele apoiada? Catástrofe foi a normalização da
ditadura de Maduro, a do tal “socialismo do século 21”, um verdadeiro embuste.
Catástrofe foi a esquerda brasileira apoiar um governo liberticida em nome da
democracia. Não chegou Lula a declarar, a propósito da Venezuela, que a
democracia é um conceito relativo?
O perfil geopolítico atual não se teria
desenhado sob a forma de um confronto entre Trump e o ditador Maduro, se não
tivesse havido o alinhamento da esquerda com um governo liberticida. O tirano
vive do sufocamento da sociedade. A inflação galopa, a economia está à beira do
abismo – se é que lá já não está –, a violência revolucionária invade a vida
dos cidadãos e das empresas, a liberdade de imprensa e de expressão foi
extinta, as prisões estão abarrotadas de opositores, e lá reinam a morte e a
tortura. Os cidadãos são totalmente vigiados por milícias, as ditas milícias
bolivarianas, além de terem sobre eles o Exército, capturado pela corrupção. As
forças de segurança têm a expertise dos cubanos, que constituem também a guarda
presidencial. O ditador tem medo do povo venezuelano, preferindo os policiais e
agentes do regime comunista! Haja discurso esquerdista para defender a
“democracia” e o “povo” venezuelanos!
Hoje, o símbolo da liberdade na Venezuela é
representado por María Corina Machado, agora agraciada pelo Prêmio Nobel, por
sua defesa corajosa da democracia, da lisura do processo eleitoral, arriscando
a sua própria vida. Para comparecer a Oslo, María Corina não pôde fazê-lo
publicamente, visto que Maduro estava à sua caça, tudo fazendo para impedi-la.
Ela conseguiu, graças à sua bravura e ao auxílio de uma equipe americana
especializada em tal tipo de resgate, chegar à capital da Noruega numa operação
mirabolante. Saiu dos subúrbios de Caracas, no maior sigilo, foi conduzida para
uma pequena praia de pescadores, usando um pequeno barco, em águas revoltas do
Caribe, até conseguir um transbordo num barco maior, até chegar à ilha de
Curaçao, onde, enfim, pegou um avião.
A líder oposicionista tem defendido a pressão
máxima exercida pelo governo Trump, ciente de que o ditador não abandonará o
poder voluntariamente, salvo se for coagido. Maduro tem medo até da acolhida
que poderia receber dos governos “amigos”. Nem ele quer ir para Cuba! A Turquia
poderia ser uma opção, mas não parece cogitar seriamente dessa possibilidade. A
Rússia poderia ser uma alternativa, embora Putin, ao acolher os seus amigos, os
submeta doravante a um rigoroso controle, não querendo nenhuma confusão
diplomática. Ditador exilado deve ser submisso ao regime, perdendo
completamente o seu livre-arbítrio.
Caberia, então, a pergunta: o governo Lula,
graças aos seus vínculos especiais com o ditador Maduro, não poderia ter usado
os seus préstimos para apoiar María Corina Machado, uma vez que se diz defensor
da democracia e das liberdades? Se o tivesse feito, poderia ter se tornado um
verdadeiro interlocutor diplomático, e não um mero figurante secundário.

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