quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Autoridade não se exerce à força. Por Vera Magalhães

O Globo

Cenas de violência como as vistas na Câmara não são aceitáveis num país democrático

Desde que assumiu o comando da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) vem sendo testado em sua autoridade. Ao definir uma extensa agenda de votações para as duas últimas semanas úteis no Legislativo, ele esperava limpar a pauta e zerar as pendências que fizeram de 2025 um ano truncado por solavancos institucionais.

Mas as cenas de truculência vistas nesta terça-feira e a maneira como ele manejou mais uma crise mostram que Motta ainda enfrenta muita dificuldade em comandar uma Casa cada vez mais cindida pela polarização política e em fazer valer sua autoridade sem precisar apelar ao uso da força — algo incabível quando se trata de uma Casa de representantes eleitos pelo povo.

A pauta anunciada por Motta inclui tanto projetos prioritários para o governo Lula, que ele acordou com o ministro Fernando Haddad, quanto a proposta que mexe na dosimetria das penas dos condenados por tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023 e também por urdirem a trama golpista ocorrida ainda no governo Jair Bolsonaro.

O presidente da Câmara também decidiu incluir no saldão de fim de ano a deliberação da situação de deputados cujos mandatos estão sob escrutínio por diferentes razões: Carla Zambelli e Alexandre Ramagem, ambos do PL, condenados pelo Supremo Tribunal Federal, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que deixou o país, foi alvo de vários pedidos de cassação e pode perder o mandato por faltas, e Glauber Braga (PSOL-RJ), cuja cassação foi recomendada pelo Conselho de Ética da Casa em abril, em razão da agressão cometida por ele contra um militante do MBL, em 2024.

A ocupação da Mesa da Câmara por Braga desafia o funcionamento da Casa e o Regimento Interno, da mesma maneira que a protagonizada por deputados da direita quando da prisão domiciliar de Bolsonaro. Impedir a realização dos trabalhos da Câmara é uma atitude autoritária quando parte da direita ou da esquerda. Cabe ao presidente da Casa restabelecer a normalidade e fazer valer sua autoridade.

Se na primeira ocasião Motta pecou por falta de pulso com os bolsonaristas, agora deu um cavalo de pau e mandou a Polícia Legislativa arrancar Braga à força da Mesa Diretora, depois de ordenar o corte de sinal da TV Câmara e impedir o acesso da imprensa ao plenário — assegurado pelo credenciamento feito pelos veículos junto à própria Mesa. Sofreu críticas de que não fez valer as prerrogativas da presidência com uns e extrapolou com outro. Isso sem falar na truculência autorizada a policiais, destinada a parlamentares e jornalistas, que precisa ser investigada e punida.

Cenas de selvageria policial em Parlamento de país democrático não são aceitáveis. Mais: diante das cenas lamentáveis de um parlamentar que ainda detém mandato arrastado por policiais, só possíveis graças à transmissão ao vivo de celulares de outros deputados, Motta deveria estar no plenário acalmando os ânimos e coibindo excessos, mas preferiu se manifestar pelas redes sociais, ainda relativizando a violência ao falar em “possíveis excessos” em relação à imprensa.

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A polarização política que divide o país encontra na Câmara, a mais ruidosa das Casas do Congresso, terreno fértil. Uma legislatura em que pontificam lacradores de esquerda e direita e em que a “bancada do celular” é suprapartidária impõe desafios extras àqueles eleitos para comandar os trabalhos.

Temas como equilíbrio fiscal, justiça tributária e segurança pública, essenciais ao país, duelaram ao longo do ano todo com tentativas de aprovar anistia a quem tentou dar golpe de Estado e blindar parlamentares de investigações. Navegar nesses mares turbulentos exige capacidade de diálogo, de formulação e, sobretudo, de impor limites a deputados e bancadas que põem interesses pessoais e paroquiais à frente do país. Até aqui, o saldo da Câmara e também do Senado é negativo nessa balança.

 

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