O Globo
Cenas de violência como as vistas na Câmara
não são aceitáveis num país democrático
Desde que assumiu o comando da Câmara dos
Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) vem sendo testado em sua autoridade. Ao
definir uma extensa agenda de votações para as duas últimas semanas úteis no
Legislativo, ele esperava limpar a pauta e zerar as pendências que fizeram de
2025 um ano truncado por solavancos institucionais.
Mas as cenas de truculência vistas nesta
terça-feira e a maneira como ele manejou mais uma crise mostram que Motta ainda
enfrenta muita dificuldade em comandar uma Casa cada vez mais cindida pela
polarização política e em fazer valer sua autoridade sem precisar apelar ao uso
da força — algo incabível quando se trata de uma Casa de representantes eleitos
pelo povo.
A pauta anunciada por Motta inclui tanto projetos prioritários para o governo Lula, que ele acordou com o ministro Fernando Haddad, quanto a proposta que mexe na dosimetria das penas dos condenados por tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023 e também por urdirem a trama golpista ocorrida ainda no governo Jair Bolsonaro.
O presidente da Câmara também decidiu incluir
no saldão de fim de ano a deliberação da situação de deputados cujos mandatos
estão sob escrutínio por diferentes razões: Carla Zambelli e Alexandre Ramagem,
ambos do PL, condenados pelo Supremo Tribunal Federal, Eduardo Bolsonaro
(PL-SP), que deixou o país, foi alvo de vários pedidos de cassação e pode
perder o mandato por faltas, e Glauber Braga (PSOL-RJ), cuja cassação foi
recomendada pelo Conselho de Ética da Casa em abril, em razão da agressão
cometida por ele contra um militante do MBL, em 2024.
A ocupação da Mesa da Câmara por Braga
desafia o funcionamento da Casa e o Regimento Interno, da mesma maneira que a
protagonizada por deputados da direita quando da prisão domiciliar de
Bolsonaro. Impedir a realização dos trabalhos da Câmara é uma atitude
autoritária quando parte da direita ou da esquerda. Cabe ao presidente da Casa
restabelecer a normalidade e fazer valer sua autoridade.
Se na primeira ocasião Motta pecou por falta
de pulso com os bolsonaristas, agora deu um cavalo de pau e mandou a Polícia
Legislativa arrancar Braga à força da Mesa Diretora, depois de ordenar o corte
de sinal da TV Câmara e impedir o acesso da imprensa ao plenário — assegurado
pelo credenciamento feito pelos veículos junto à própria Mesa. Sofreu críticas
de que não fez valer as prerrogativas da presidência com uns e extrapolou com
outro. Isso sem falar na truculência autorizada a policiais, destinada a
parlamentares e jornalistas, que precisa ser investigada e punida.
Cenas de selvageria policial em Parlamento de
país democrático não são aceitáveis. Mais: diante das cenas lamentáveis de um
parlamentar que ainda detém mandato arrastado por policiais, só possíveis
graças à transmissão ao vivo de celulares de outros deputados, Motta deveria estar
no plenário acalmando os ânimos e coibindo excessos, mas preferiu se manifestar
pelas redes sociais, ainda relativizando a violência ao falar em “possíveis
excessos” em relação à imprensa.
Leia também: Governo
e Congresso perdem com embates
A polarização política que divide o país
encontra na Câmara, a mais ruidosa das Casas do Congresso, terreno fértil. Uma
legislatura em que pontificam lacradores de esquerda e direita e em que a
“bancada do celular” é suprapartidária impõe desafios extras àqueles eleitos
para comandar os trabalhos.
Temas como equilíbrio fiscal, justiça
tributária e segurança pública, essenciais ao país, duelaram ao longo do ano
todo com tentativas de aprovar anistia a quem tentou dar golpe de Estado e
blindar parlamentares de investigações. Navegar nesses mares turbulentos exige
capacidade de diálogo, de formulação e, sobretudo, de impor limites a deputados
e bancadas que põem interesses pessoais e paroquiais à frente do país. Até
aqui, o saldo da Câmara e também do Senado é negativo nessa balança.

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