O Globo
Estratégia do clã Bolsonaro inibe a migração
em massa do contingente dos sem candidato
Era o “ensaio sobre a lucidez” de Saramago —
a cegueira do ensaio anterior se espraia sobre o processo eleitoral aumentando
de maneira expressiva o contingente de eleitores que pretendem votar em branco
ou anular o voto. Foi o que aconteceu em agosto de 2018. Apesar de preso, Lula
gerou ruído ao registrar sua candidatura à Presidência da República, chegando a
39% das intenções de voto e liderando a disputa. Sem o petista, quase um terço
do eleitorado (28%) se mostrava sem candidato, patamar que superava a taxa do
primeiro colocado, Jair Bolsonaro, então no PSL, com 22%.
A estratégia do PT de manter a candidatura de Lula até sua inelegibilidade em setembro daquele ano acabou por retroalimentar seu antagonista — depois do atentado em Juiz de Fora, Bolsonaro passou a ser tratado de maneira predominantemente neutra pela mídia, e a apresentação tardia de Fernando Haddad como substituto demandava o esforço adicional de não posicioná-lo como adversário de uma vítima.
Agora, sete anos depois, o lançamento da
pré-candidatura do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) também gera ruído e provoca
um imbróglio que parecia distante da direita brasileira para o processo
eleitoral do próximo ano. O fato de a justiça ter declarado o pai e
ex-presidente inelegível há mais de dois anos dava ao campo político uma certa
“vantagem” sobre a esquerda de 2018, porque teria tempo suficiente para maturar
uma candidatura única e enfrentar o poder inerente de quem hoje ocupa o cargo.
Ao contrário da lucidez de Saramago, a
estratégia do clã Bolsonaro inibe a migração em massa do contingente dos sem
candidato e divide a direita não só na coesão política como também e,
principalmente, nas intenções de voto. Para intensificar o ruído, duas pesquisas
divulgadas recentemente foram tratadas com leituras distintas sobre o
desempenho da candidatura de Flávio. Ambas merecem observações.
O Datafolha divulgou seu levantamento em 7 de
dezembro, dois dias depois do anúncio do clã. Mas as entrevistas foram
realizadas em campo entre os dias 2 e 4 de dezembro, antes do comunicado,
portanto. Ou seja, os resultados não refletem o impacto do lançamento da
pré-candidatura; referem-se a retrato de período imediatamente anterior.
As análises da pesquisa enfatizam a melhor
performance do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), se
comparada com a de Flávio em um eventual segundo turno contra Lula. Em ambos os
casos, no entanto, o petista vence, por 5 e 15 pontos, respectivamente.
O instituto, porém, não estimula uma
simulação de primeiro turno com Flávio e Tarcísio disputando no mesmo cenário,
numa hipótese de ruptura. Os nomes são rodiziados apostando na coesão.
O contrário se verifica na pesquisa
Genial/Quaest, realizada entre 11 e 14 de dezembro. O instituto não aplica
rodízio entre as duas candidaturas e coloca no mesmo cenário de primeiro turno
os dois candidatos. A leitura que predomina é a de que a candidatura de Flávio
tem melhor desempenho do que a de Tarcísio — na situação em que ambos figuram
na lista, Lula vai a 41%, o senador fica com 23% e o governador tem 10%. No
segundo turno, o atual presidente bate os dois por 10 pontos percentuais.
O levantamento mede o impacto do anúncio de
Flávio não só pelo período de realização do campo como também em várias
perguntas, como o grau de conhecimento sobre o episódio, se o ex-presidente
Jair Bolsonaro acertou ou errou ao indicar o filho e se Tarcísio agiu bem ou
não ao apoiar a iniciativa.
Ordem das perguntas
No relatório da Genial/Quaest, essas
perguntas aparecem antes da intenção de voto. Como ainda não há obrigatoriedade
de registro das pesquisas na Justiça Eleitoral, impossível saber se elas foram
aplicadas de fato nessa ordem, o que teoricamente poderia influenciar os dados
eleitorais.
O que as pesquisas ainda não captam é o
potencial de ruptura que uma disputa de diferentes forças no mesmo lado do
espectro político poderia gerar para o segundo turno, caso a eleição no
primeiro parta para o fogo amigo. A história recente da democracia brasileira
oferece exemplos do estrago produzido por esse tipo de dinâmica — material
suficiente para mais do que um ensaio, não necessariamente sobre lucidez.
*Mauro Paulino é comentarista político,
especialista em opinião pública e eleições.
*Alessandro
Janoni é diretor de pesquisas da consultoria Imagem Corporativa. Ambos
foram diretores do Datafolha.

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