segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Candidatura de Flávio provoca imbróglio na direita para 2026 e é potencial para fogo amigo. Por Mauro Paulino* e Alessandro Janoni*

O Globo

Estratégia do clã Bolsonaro inibe a migração em massa do contingente dos sem candidato

Era o “ensaio sobre a lucidez” de Saramago — a cegueira do ensaio anterior se espraia sobre o processo eleitoral aumentando de maneira expressiva o contingente de eleitores que pretendem votar em branco ou anular o voto. Foi o que aconteceu em agosto de 2018. Apesar de preso, Lula gerou ruído ao registrar sua candidatura à Presidência da República, chegando a 39% das intenções de voto e liderando a disputa. Sem o petista, quase um terço do eleitorado (28%) se mostrava sem candidato, patamar que superava a taxa do primeiro colocado, Jair Bolsonaro, então no PSL, com 22%.

A estratégia do PT de manter a candidatura de Lula até sua inelegibilidade em setembro daquele ano acabou por retroalimentar seu antagonista — depois do atentado em Juiz de Fora, Bolsonaro passou a ser tratado de maneira predominantemente neutra pela mídia, e a apresentação tardia de Fernando Haddad como substituto demandava o esforço adicional de não posicioná-lo como adversário de uma vítima.

Agora, sete anos depois, o lançamento da pré-candidatura do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) também gera ruído e provoca um imbróglio que parecia distante da direita brasileira para o processo eleitoral do próximo ano. O fato de a justiça ter declarado o pai e ex-presidente inelegível há mais de dois anos dava ao campo político uma certa “vantagem” sobre a esquerda de 2018, porque teria tempo suficiente para maturar uma candidatura única e enfrentar o poder inerente de quem hoje ocupa o cargo.

Ao contrário da lucidez de Saramago, a estratégia do clã Bolsonaro inibe a migração em massa do contingente dos sem candidato e divide a direita não só na coesão política como também e, principalmente, nas intenções de voto. Para intensificar o ruído, duas pesquisas divulgadas recentemente foram tratadas com leituras distintas sobre o desempenho da candidatura de Flávio. Ambas merecem observações.

O Datafolha divulgou seu levantamento em 7 de dezembro, dois dias depois do anúncio do clã. Mas as entrevistas foram realizadas em campo entre os dias 2 e 4 de dezembro, antes do comunicado, portanto. Ou seja, os resultados não refletem o impacto do lançamento da pré-candidatura; referem-se a retrato de período imediatamente anterior.

As análises da pesquisa enfatizam a melhor performance do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), se comparada com a de Flávio em um eventual segundo turno contra Lula. Em ambos os casos, no entanto, o petista vence, por 5 e 15 pontos, respectivamente.

O instituto, porém, não estimula uma simulação de primeiro turno com Flávio e Tarcísio disputando no mesmo cenário, numa hipótese de ruptura. Os nomes são rodiziados apostando na coesão.

O contrário se verifica na pesquisa Genial/Quaest, realizada entre 11 e 14 de dezembro. O instituto não aplica rodízio entre as duas candidaturas e coloca no mesmo cenário de primeiro turno os dois candidatos. A leitura que predomina é a de que a candidatura de Flávio tem melhor desempenho do que a de Tarcísio — na situação em que ambos figuram na lista, Lula vai a 41%, o senador fica com 23% e o governador tem 10%. No segundo turno, o atual presidente bate os dois por 10 pontos percentuais.

O levantamento mede o impacto do anúncio de Flávio não só pelo período de realização do campo como também em várias perguntas, como o grau de conhecimento sobre o episódio, se o ex-presidente Jair Bolsonaro acertou ou errou ao indicar o filho e se Tarcísio agiu bem ou não ao apoiar a iniciativa.

Ordem das perguntas

No relatório da Genial/Quaest, essas perguntas aparecem antes da intenção de voto. Como ainda não há obrigatoriedade de registro das pesquisas na Justiça Eleitoral, impossível saber se elas foram aplicadas de fato nessa ordem, o que teoricamente poderia influenciar os dados eleitorais.

O que as pesquisas ainda não captam é o potencial de ruptura que uma disputa de diferentes forças no mesmo lado do espectro político poderia gerar para o segundo turno, caso a eleição no primeiro parta para o fogo amigo. A história recente da democracia brasileira oferece exemplos do estrago produzido por esse tipo de dinâmica — material suficiente para mais do que um ensaio, não necessariamente sobre lucidez.

*Mauro Paulino é comentarista político, especialista em opinião pública e eleições.

*Alessandro Janoni é diretor de pesquisas da consultoria Imagem Corporativa. Ambos foram diretores do Datafolha.

 

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